Contudo, esta amplitude de poder, ao ser compara<strong>da</strong> à <strong>da</strong> tradição do civil law, faz ver um novopoder judicial, que se assemelha ao poder do juiz do common law. Note-se que o juiz do common law, porestar autorizado a decidir a partir do direito costumeiro ou mesmo <strong>da</strong> Constituição, exerce um poderbastante assemelhado ao do juiz do civil law, que atua <strong>da</strong>ndo tutela aos direitos fun<strong>da</strong>mentais.O juiz estadunidense subordinado à força dos direitos fun<strong>da</strong>mentais detém maior legitimi<strong>da</strong>de doque aquele que era concebido como judge make law apenas por estar afirmando algo que não havia sidodito pelo Parlamento. Aliás, vigorosa doutrina estadunidense, lidera<strong>da</strong> por Dworkin, sustenta que adigni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> decisão judicial na<strong>da</strong> tem a ver com o fato de o juiz criar, ou não, o direito, mas sim com acircunstância de o juiz poder decidir a partir de princípios e fun<strong>da</strong>mentos que estão por detrás <strong>da</strong>s própriasdecisões judiciais. 137Nesse sentido, tal doutrina revive (é certo que em nova perspectiva) a teoriadeclaratória – que se opõe à teoria constitutiva, em que o juiz cria o direito –, sustentando que, mesmoquando nenhuma regra regula o caso, a decisão “descobre” o direito.Na reali<strong>da</strong>de, as decisões que afirmam princípios ou direitos fun<strong>da</strong>mentais podem ser vistas comoconstrutivistas ou interpretativistas, dependendo do lugar de onde se parte ao analisá-las. Ora, ao se partir<strong>da</strong> premissa de que não se podem tomar em conta os princípios para afirmar um direito não expresso, adecisão que assim o fizer logicamente será vista como criadora do direito, mas, ao se admitir que o juizdeve considerar princípios e concretizar direitos, a decisão será compreendi<strong>da</strong> como interpretativa.19. O Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça e a uniformi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> interpretação do direito federalNo Brasil, a principal função do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça é definir a interpretação do direitofederal, evitando que ca<strong>da</strong> estado <strong>da</strong> federação trate <strong>da</strong> lei federal a seu gosto.Embora essa Corte tenha missão bastante níti<strong>da</strong>, a prática tem sido incapaz de permitir a realização<strong>da</strong> função que lhe foi atribuí<strong>da</strong> pela Constituição <strong>Federal</strong>. Lamentavelmente, os tribunais e juízosestaduais e federais não vêm respeitando as decisões do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, chegando a negarlhes,até mesmo, eficácia persuasiva, em total afronta ao sistema.Um precedente apenas tem efeito persuasivo quando gera constrangimento ou algum tipo de deverao órgão jurisdicional. Não obstante, a prática demonstra que os Tribunais Federais e Estaduais nãoapenas se sentem autorizados a desconsiderar os precedentes do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça, como,ain<strong>da</strong>, não justificam as razões pelas quais deixam de aplicá-los. Ora, a circunstância de os juízes etribunais não demonstrarem as razões para a não aplicação dos precedentes do Superior <strong>Tribunal</strong> deJustiça elimina a possibili<strong>da</strong>de de se ver neles qualquer efeito, inclusive persuasivo.O art. 105, III, <strong>da</strong> CF é claro no sentido de que compete ao Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça rever asdecisões que contrariarem tratado ou lei federal ou lhes negarem vigência, julgarem válido ato de governolocal contestado em face de lei federal e, ain<strong>da</strong>, derem a lei federal interpretação divergente <strong>da</strong> que lhehaja atribuído outro tribunal. A suposição de que os juízes e tribunais podem decidir sem considerar osprecedentes do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça não se coaduna com tal norma constitucional. Se a esta Cortecabe uniformizar a interpretação <strong>da</strong> lei federal e, se for o caso, cassar a interpretação destoante, as suasdecisões certamente devem se impor sobre os tribunais inferiores. Isso quer dizer que, hoje, as decisõesdos tribunais regionais e estaduais, que não consideram os precedentes do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça,violam, no mínimo, o dever judicial de fun<strong>da</strong>mentação. 138137. O cosmos normativo <strong>da</strong> concepção constitucionalista do direito é mais abrangente do que aqueletradicionalmente concebido pelo positivismo, como bem anota Dworkin, ao descrever aquilo que chama dedireito como integri<strong>da</strong>de: “O direito – os direitos e deveres que decorrem de decisões coletivas toma<strong>da</strong>s nopassado e que, por esse motivo, permitem ou exigem a coerção – contém não apenas o limitado conteúdoexplícito dessas decisões, mas também, num sentido mais vasto, o sistema de princípios necessários a suajustificativa” (DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 273-274).138. Sobre o ponto, merece registro notícia publica<strong>da</strong> recentemente no site do STJ, relativa a questão de ordem
Na ver<strong>da</strong>de, pode-se ir além, uma vez que é tranquilamente possível, em termos lógicos e jurídicos,sustentar que as decisões do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça devem ter efeito vinculante sobre os juízes etribunais estaduais e federais.20. A aproximação entre os sistemas do civil law e do common law e a imprescindibili<strong>da</strong>dede respeito aos precedentes no direito brasileiroEste capítulo objetivou demonstrar, por meio de um método histórico-crítico, a aproximação entre asjurisdições do civil law – especialmente a brasileira – e do common law, e, tão somente a partir <strong>da</strong>í, aimprescindibili<strong>da</strong>de do respeito aos precedentes no sistema pátrio. Não houve intenção em aprofun<strong>da</strong>r osfun<strong>da</strong>mentos – que são vários – para justificar o respeito às decisões judiciais. Nem, muito menos,interesse em tratar de aspectos técnicos relativos à metodologia do emprego dos precedentes.Ain<strong>da</strong> que os precedentes tenham sido fun<strong>da</strong>mentais para o desenvolvimento do common law, ostare decisis tem sustentação especialmente na igual<strong>da</strong>de, na segurança e na previsibili<strong>da</strong>de. O staredecisis não se confunde com o common law, tendo surgido no curso do seu desenvolvimento para,sobretudo, <strong>da</strong>r segurança às relações jurídicas.É equivocado imaginar que o stare decisis existe porque o juiz do common law cria o direito. Comose verifica na doutrina de MacCormick, especialmente em Retórica e o estado de direito, em “temposrecentes, mesmo nos países do common law, Direito jurisprudencial puro é relativamente raro. Muito doDireito jurisprudencial agora toma a forma de interpretações explicativas (glosses) <strong>da</strong> lei”. 139Os precedentes que interpretam leis ou os precedentes <strong>da</strong> Suprema Corte americana evidenciam, porsi, a razão de ser do stare decisis. Lembre-se que, considerando o valor segurança, a doutrina americanademonstra grande preocupação com o overruling e com a força do stare decisis diante do controle difuso<strong>da</strong> constitucionali<strong>da</strong>de. 140Aliás, voltando-se ao argumento de que o stare decisis só existe em decorrência <strong>da</strong> inação dolegislativo, basta constatar que não há déficit de legislação nos Estados Unidos, sendo descabi<strong>da</strong> asuposição de que o precedente tem força obrigatória por falta de atuação do legislador.De outra parte, a tradição do civil law, ancora<strong>da</strong> nas razões <strong>da</strong> Revolução Francesa, foicompletamente descaracteriza<strong>da</strong> com o passar do tempo. O juiz, inicialmente proibido de interpretar a lei,passou a paulatinamente interpretá-la, logo caindo em desuso as comissões legislativas, instituí<strong>da</strong>s pararesolver as dúvi<strong>da</strong>s de interpretação, e, logo após, a primeira feição <strong>da</strong> Cassação, delinea<strong>da</strong> como órgãode natureza não jurisdicional para cassar as interpretações judiciais incorretas.A evolução do civil law é a história <strong>da</strong> superação de uma ideia instituí<strong>da</strong> para viabilizar a realizaçãode um desejo revolucionário, e que, portanto, nasceu com a marca <strong>da</strong> utopia. Como dogma, esta noçãomanteve-se viva ain<strong>da</strong> que a evolução do civil law a descaracterizasse. Lembre-se que a força doconstitucionalismo e a atuação judicial mediante a concretização <strong>da</strong>s regras abertas fez surgir um modelolevanta<strong>da</strong> pelo Ministro Aldir Passarinho: “A partir de agora, as decisões dos tribunais de justiça e dostribunais regionais federais que discor<strong>da</strong>rem do entendimento do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça (STJ)estabelecido em julgamento pelo rito <strong>da</strong> Lei dos Recursos Repetitivos (Lei 11.672/2008) terão que serfun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong>s. Do contrário, o recurso que chegar ao STJ será devolvido à origem pelo Núcleo deProcedimentos Especiais <strong>da</strong> Presidência (Nupre). A determinação é <strong>da</strong> Corte Especial do STJ e foi toma<strong>da</strong> porunanimi<strong>da</strong>de na apreciação de uma questão de ordem levanta<strong>da</strong> pelo Ministro Aldir Passarinho Junior”.139. MACCORMICK, Neil. Rethoric and the rule of law – A theory of legal reasoning. New York: Oxford UniversityPress, 2005. p. 176.140. GERHARDT, Michael J. Op. cit.
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