propostos por Chioven<strong>da</strong>. 127 Também não é cabível dizer que há “criação <strong>da</strong> norma individual do casoconcreto”, na linha carneluttiana, 128 ao menos quando esse argumento é pensado com base na lógica deque a norma individual (a sentença) deve se fun<strong>da</strong>r em uma norma geral (na norma infraconstitucional),à maneira axiomática.A improprie<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s teorias chiovendiana e carneluttiana <strong>da</strong> jurisdição se torna ain<strong>da</strong> mais marcantediante <strong>da</strong> declaração <strong>da</strong> inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> lei, do controle <strong>da</strong> inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> sua omissãoe <strong>da</strong> tutela de um direito fun<strong>da</strong>mental mediante o afastamento de outro no caso concreto, quando asentença não afirma positivamente lei ou norma geral alguma. 129Se nas teorias clássicas o juiz apenas declarava a lei ou criava a norma individual a partir <strong>da</strong> normageral, agora ele constrói a norma jurídica a partir <strong>da</strong> interpretação de acordo com a Constituição, docontrole <strong>da</strong> constitucionali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> adoção <strong>da</strong> regra do balanceamento (ou <strong>da</strong> regra <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>deem sentido estrito) dos direitos fun<strong>da</strong>mentais no caso concreto.Lembre-se que alguns juristas de civil law, como Eugenio Bulygin – sucessor de Carlos SantiagoNino na cátedra de Filosofia do Direito <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Buenos Aires –, sustentam a tese de que osjuízes, em determina<strong>da</strong>s situações excepcionais, criam o direito. 130Bulygin contesta a doutrina de Kelsen, no sentido de que o juiz, ao criar a norma individual docaso concreto, cria o direito. Segundo o professor radicado na Argentina, ain<strong>da</strong> que se aceite a ideia deque o juiz dita a norma individual nos termos kelsenianos, 131 não se pode admitir – na forma como127. A jurisdição, na concepção de Chioven<strong>da</strong>, é uma função volta<strong>da</strong> à atuação <strong>da</strong> vontade concreta <strong>da</strong> lei.Segundo o autor italiano, a jurisdição, no processo deconhecimento, “consiste na substituição definitiva e obrigatória <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de intelectual não só <strong>da</strong>s partes,mas de todos os ci<strong>da</strong>dãos, pela ativi<strong>da</strong>de intelectual do juiz, ao afirmar existente ou não existente umavontade concreta <strong>da</strong> lei em relação às partes”. Chioven<strong>da</strong> chegou a dizer que, como a jurisdição significa aatuação <strong>da</strong> lei, “não pode haver sujeição à jurisdição senão onde pode haver sujeição à lei”. Essa passagem<strong>da</strong> doutrina chiovendiana é bastante expressiva no sentido de que o ver<strong>da</strong>deiro poder estatal estava na lei, ede que a jurisdição somente se manifestava a partir <strong>da</strong> revelação <strong>da</strong> vontade do legislador. Ele é umver<strong>da</strong>deiro adepto <strong>da</strong> doutrina que, inspira<strong>da</strong> no iluminismo e nos valores <strong>da</strong> Revolução Francesa, separavaradicalmente as funções do legislador e do juiz, ou melhor, atribuía ao legislador a criação do direito e aojuiz a sua aplicação (CHIOVENDA, Giuseppe. Ludovico Mortara. Rivista di Diritto Processuale Civile,1937, p. 101; CHIOVENDA, Giuseppe. L’azione nel sistema dei diritti. Saggi di diritto processuale civile,Roma: Foro Italiano, 1930. p. 3 e ss.).128. Para Carnelutti, a sentença cria uma regra ou norma individual, particular para o caso concreto, que passa aintegrar o ordenamento jurídico, enquanto, na teoria de Chioven<strong>da</strong>, a sentença é externa (está fora) aoordenamento jurídico, tendo a função de simplesmente declarar a lei, e não de completar o ordenamentojurídico. A primeira concepção é considera<strong>da</strong> adepta <strong>da</strong> teoria unitária, e a segun<strong>da</strong>, <strong>da</strong> teoria dualista doordenamento jurídico, sendo que essas teorias também são chama<strong>da</strong>s de constitutiva (unitária) edeclaratória (dualista). Contudo, ao individualizar a norma superior, o juiz a declara. Quando torna a normaconcreta, ou compõe a lide no sentido <strong>da</strong> doutrina de Carnelutti, faz apenas um processo de adequação <strong>da</strong>norma – já existente – ao caso concreto (CARNELUTTI, Francesco. Diritto e processo. Napoli: Morano, 1958.p. 18 e ss.).129. Segundo Sérgio Moro, quando é declara<strong>da</strong> a inconstitucionali<strong>da</strong>de de uma lei, o grau de interferência <strong>da</strong>jurisdição sobre o legislativo é maior do que quando se faz o controle <strong>da</strong> inconstitucionali<strong>da</strong>de por omissão nocaso concreto (MORO, Sérgio. Jurisdição constitucional como democracia. São Paulo: Ed. RT, 2004. p. 244).130. BULYGIN, Eugenio. Los jueces crean derecho? cit., p. 8.131. Para Kelsen, todo ato jurídico constitui, em um só tempo, aplicação e criação do direito, com exceção <strong>da</strong>
corriqueiramente se fala – que o juiz aí cria o direito, pois tal norma individual se fun<strong>da</strong> em uma normageral cria<strong>da</strong> pelo legislador. De acordo com seu raciocínio, a conclusão de Kelsen somente estaria certase o juiz criasse a própria norma geral. 132 De fato, Bulygin, na esteira de H. G. Von Wright, adverte que“o que os juízes criam – se é que criam algo – não são normas individuais, senão normas gerais”, ou,melhor dizendo, “eminentemente gerais”. 133Perceba-se, em abono à análise de Bulygin, que Kelsen, quando trata <strong>da</strong> anulação judicial <strong>da</strong> lei emsede de controle abstrato de constitucionali<strong>da</strong>de, afirma que o tribunal constitucional aí atua como“legislador negativo”. Na terminologia kelseniana, essa expressão sustenta, de forma um tanto ambígua,que o controle judicial de constitucionali<strong>da</strong>de não atenta contra a separação de poderes. Após reconhecerque “anular uma lei é estabelecer uma norma geral, porque a anulação de uma lei tem o mesmo caráter degenerali<strong>da</strong>de que sua elaboração, na<strong>da</strong> mais sendo, por assim dizer, que a elaboração com sinal negativo,e, portanto, ela própria uma função legislativa”, Kelsen volta-se à distinção entre a elaboração e a simplesanulação <strong>da</strong>s leis, para concluir que um tribunal constitucional realiza uma ativi<strong>da</strong>de efetivamentejurisdicional: “A anulação de uma lei se produz essencialmente como aplicação <strong>da</strong>s normas <strong>da</strong>Constituição. A livre criação que caracteriza a legislação está aqui quase completamente ausente.Enquanto o legislador só está preso pela Constituição no que concerne a seu procedimento – e, de formatotalmente excepcional, no que concerne ao conteúdo <strong>da</strong>s leis que deve editar, e, mesmo assim, apenaspor princípios ou diretivas gerais –, a ativi<strong>da</strong>de do legislador negativo, <strong>da</strong> jurisdição constitucional, éabsolutamente determina<strong>da</strong> pela Constituição. E é precisamente nisso que a sua função se parece com ade qualquer outro tribunal em geral: ela é principalmente aplicação e somente em pequena medi<strong>da</strong> criaçãodo direito. É, por conseguinte, efetivamente jurisdicional”. Lembre-se que, de acordo com Kelsen, adiferença entre função jurisdicional e função legislativa consiste em que esta cria normas gerais enquantoaquela cria unicamente normas individuais.Frise-se que Bulygin afirma que Kelsen não aceitou a ideia de que o juiz cria a norma geral quandovalora a norma legislativa ou a sua ausência como muito inadequa<strong>da</strong> ou injusta, mas que, neste caso,Kelsen entendeu que o juiz aplica a norma geral que lhe parece justa e adequa<strong>da</strong>. 134 Embora o eminentejurista austríaco enten<strong>da</strong> que a norma individual (a sentença) somente pode ser justifica<strong>da</strong> por uma normageral, ele não chega a admitir, de forma clara e explícita, que o juiz pode criá-la quando a norma geral éinjusta, tanto é que fala, nesta situação, em “aplicação de norma geral não positiva”.Constituição e <strong>da</strong> execução <strong>da</strong> sentença, pois a primeira seria pura criação e a segun<strong>da</strong> pura aplicação dodireito. Por isso, o legislador aplica a Constituição e cria a norma geral e o juiz aplica a norma geral e criaa norma individual. A teoria de Kelsen afirma a ideia de que to<strong>da</strong> norma tem como base uma normasuperior, até se chegar à norma fun<strong>da</strong>mental, que estaria no ápice do ordenamento. De modo que a normaindividual, fixa<strong>da</strong> na sentença, liga-se necessariamente a uma norma superior. A norma individual fariaparte do ordenamento, ou teria natureza constitutiva, apenas por individualizar a norma superior para aspartes (KELSEN, Hans. Teoria geral do estado. Coimbra: Armênio Amado, 1945. p. 105-109; KELSEN,Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1994. p. 388; KELSEN, Hans. La garantiejurisdictionnelle de la constitution. La justice constitutionnelle. Revue de Droit Public, 1928, p. 204).132. KELSEN, Hans. Jurisdição constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 151-153.133. BULYGIN, Eugenio. Sentencia judicial y creacion de derecho. In: ALCHOURRON, Carlos E.; BULYGIN, Eugenio.Análisis lógico y derecho. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1991. p. 355-369.134. BULYGIN, Eugenio. Los jueces crean derecho? cit., p. 12.
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