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Luiz Guilherme Marinoni - Tribunal Regional Federal da 4ª Região

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substituído pelo direito nacional. Tal direito, ao contrário do inglês, tinha que ser claro e completo, paranão permitir qualquer interferência judicial no desenvolvimento do direito e do poder governamental. Nãohavia como confiar nos juízes, que até então estavam ao lado dos senhores feu<strong>da</strong>is e mantendo forteoposição à centralização do poder. Veja-se, então, que o direito francês, além de rejeitar o direito comumdo civil law e de procurar instituir um direito nacional novo, teve a necessi<strong>da</strong>de de legitimá-lo mediante asubordinação do poder do juiz ao poder do Parlamento. O direito contaria com um grave e insuportáveldéficit democrático caso fosse interpretado pelos magistrados. Ou melhor, havia bom motivo para não <strong>da</strong>raos juízes o poder de interpretar as normas traça<strong>da</strong>s pelos representantes do povo.As histórias do poder no common law e no civil law foram as responsáveis pelas diferentes funçõesatribuí<strong>da</strong>s aos juízes desses sistemas jurídicos. Entretanto, há necessi<strong>da</strong>de de sinalizar para a circunstânciade que a dessemelhança entre as funções dos juízes do common law e do civil law restaram, em boamedi<strong>da</strong>, no papel e na intenção dos inspiradores do Estado legislativo francês. A Revolução Francesa,como to<strong>da</strong> revolução, ressentiu-se de forte dose de ilusões românticas e utopias, gerando dogmas como o<strong>da</strong> proibição de o juiz interpretar a lei.11. O problema <strong>da</strong> interpretação <strong>da</strong> lei no civil lawComo dito, a Revolução Francesa pretendeu proibir o juiz de interpretar a lei. Imaginava-se que,com uma legislação clara e completa, seria possível ao juiz simplesmente aplicar a lei, e, desta maneira,solucionar os casos litigiosos sem a necessi<strong>da</strong>de de estender ou limitar o seu alcance e sem nunca sedeparar com a sua ausência ou mesmo com conflito entre as normas. Na excepcionali<strong>da</strong>de de conflito,obscuri<strong>da</strong>de ou falta de lei, o magistrado obrigatoriamente deveria apresentar a questão ao legislativo paraa realização <strong>da</strong> “interpretação autoriza<strong>da</strong>”.Com efeito, a Lei Revolucionária de agosto de 1790 não só afirmou que “os tribunais judiciáriosnão tomarão parte, direta ou indiretamente, no exercício do poder legislativo, nem impedirão oususpenderão a execução <strong>da</strong>s decisões do poder legislativo” (Título II, art. 10), mas também que ostribunais “reportar-se-ão ao corpo legislativo sempre que assim considerarem necessário, a fim deinterpretar ou editar uma nova lei” (Título II, art. 12). 78Afirmou-se que o juiz, ao não poder identificar a norma aplicável à solução do caso, deveriarecorrer ao legislativo. Supunha-se, é claro, que estas situações seriam raras, e que – depois de umtempo de consultas ao legislativo – tenderiam a desaparecer. De qualquer forma, pouca coisa podeexpressar de forma tão marcante a pretensão revolucionária de limitar o poder judicial.modo, nos mesmo erros pelos quais o antigo direito fora criticado. Essa abor<strong>da</strong>gem, muito bem descrita como um‘fetichismo do estatuto escrito’, também eliminava qualquer recurso ao direito natural ou aos ‘princípios gerais dodireito’. Demolombe afirmava que o ‘direito claro’ não requeria comentário e que a lei ‘devia ser aplica<strong>da</strong> mesmoquando não parecesse conformar-se aos princípios gerais do direito ou <strong>da</strong> equi<strong>da</strong>de’” (VAN CAENEGEM, R. C.Uma introdução histórica ao direito privado. Trad. Carlos Eduardo Lima Machado. 2. ed. São Paulo: MartinsFontes, 2000. p. 211-212).78.“Os tribunais judiciários não tomarão parte, direta ou indiretamente, no exercício do poder legislativo, nemimpedirão ou suspenderão a execução <strong>da</strong>s decisões do poder legislativo” (Título II, art. 10); “reportar-se-ão aocorpo legislativo sempre que assim considerarem necessário, a fim de interpretar ou editar uma nova lei”(Título II, art. 12); “as funções judiciárias são distintas e sempre permanecerão separa<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s funçõesadministrativas. Sob pena de per<strong>da</strong> de seus cargos, os juízes de nenhuma maneira interferirão com aadministração pública, nem convocarão os administradores à prestação de contas com respeito ao exercício desuas funções (Título II, art. 12) (Lei Revolucionária de agosto de 1790) (ver CAPPELLETTI, Mauro. RepudiandoMontesquieu..., cit., p. 272).

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