Bulygin afirma que isso é uma inconsequência de Kelsen, pois, se a positivi<strong>da</strong>de do direito resultado fato de que as normas são cria<strong>da</strong>s por atos humanos – como reconhece o próprio Kelsen –, não hárazão para se falar em “aplicação de norma geral não positiva”. 135No raciocínio kelseniano, esta norma geral seria aplica<strong>da</strong>, em vez de cria<strong>da</strong>, em razão de que o juiznão pode criar a norma geral, e seria não positiva por não ter sido cria<strong>da</strong> pelo legislador. Mas se apositivi<strong>da</strong>de decorre de a norma ter sido cria<strong>da</strong> por ato humano, na<strong>da</strong> poderia impedir a conclusão de queo juiz, em tal caso, na reali<strong>da</strong>de cria a norma geral, e que essa, por consequência, é dota<strong>da</strong> depositivi<strong>da</strong>de.Embora a ausência de norma geral não pudesse sequer ser cogita<strong>da</strong> pelas teorias clássicas <strong>da</strong>jurisdição de civil law, não há motivo para não se in<strong>da</strong>gar o que poderia ser feito pelo juiz de tais teoriasse admiti<strong>da</strong> fosse a ausência de lei. Nessa situação não lhe restaria outra alternativa senão criar a normageral.Entretanto, após a transformação do conceito de direito e <strong>da</strong> nova dimensão <strong>da</strong> função jurisdicionalimpostas pelo neoconstitucionalismo, o que realmente interessa saber é como o juiz constrói uma normajurídica para o caso concreto quando a norma geral não existe ou está em desacordo com os princípiosconstitucionais de justiça e com os direitos fun<strong>da</strong>mentais.A construção dessa norma jurídica não significa criação de norma individual para regular o casoconcreto ou criação de norma geral. A norma jurídica cristaliza<strong>da</strong> mediante a conformação <strong>da</strong> lei e <strong>da</strong>legislação ou do balanceamento dos direitos fun<strong>da</strong>mentais pode ser dita uma norma jurídica cria<strong>da</strong> diante<strong>da</strong>s peculiari<strong>da</strong>des do caso concreto, mas está longe de ser uma simples norma individual volta<strong>da</strong> aconcretizar a norma geral ou mesmo de representar a criação de um direito.Note-se que, nos casos de interpretação de acordo, de interpretação conforme e de declaração parcialde nuli<strong>da</strong>de sem redução de texto, a norma geral é visivelmente conforma<strong>da</strong> – em menor (no primeirocaso) ou maior medi<strong>da</strong> (nos demais casos) – pelas normas constitucionais. Nessas três hipóteses o juizconstrói a norma jurídica considerando a relação entre o caso concreto, o texto <strong>da</strong> lei e as normasconstitucionais.Nas situações de declaração de inconstitucionali<strong>da</strong>de, de controle de inconstitucionali<strong>da</strong>de por omissão ede tutela de um direito fun<strong>da</strong>mental diante de outro no caso concreto, embora a situação seja mais delica<strong>da</strong>,também não há razão para falar em criação do direito pelo juiz. Esses três casos, se não permitem aconformação <strong>da</strong> norma geral à Constituição, conferem ao juiz a possibili<strong>da</strong>de de fazê-la valer mediante aeliminação <strong>da</strong> norma inconstitucional, do preenchimento do vazio normativo que impede a tutela do direitofun<strong>da</strong>mental e <strong>da</strong> proteção de um direito fun<strong>da</strong>mental que se choca com outro no caso concreto. Em nenhumadessas situações o juiz cria o direito. A jurisdição apenas está zelando para que os direitos sejam tutelados deacordo com as normas constitucionais, para que os direitos fun<strong>da</strong>mentais sejam protegidos e efetivados ain<strong>da</strong>que ignorados pelo legislador e para que os direitos fun<strong>da</strong>mentais sejam tutelados no caso concreto mediante aaplicação <strong>da</strong> regra do balanceamento.O juiz, ao atuar dessa forma, não apenas cumpre a tarefa que lhe foi atribuí<strong>da</strong> no constitucionalismocontemporâneo, como também, diante <strong>da</strong> transformação do próprio conceito de direito, apenas o aplica.Ou seja, no Estado constitucional não há qualquer motivo para se enxergar, nestes casos, exceções àfunção de aplicação do direito, como se a aplicação do direito ou a atuação jurisdicional não estivessesubordina<strong>da</strong> aos princípios constitucionais e aos direitos fun<strong>da</strong>mentais.Porém, quando a norma jurídica fixa<strong>da</strong> pela jurisdição configura precedente obrigatoriamente aplicávela outros casos, há visível aproximação com a norma cria<strong>da</strong> pelo legislador. É certo que a norma cria<strong>da</strong> pelojuiz exige fun<strong>da</strong>mentação, o que obviamente é desnecessário em se tratando de norma legislativa. Seria135. Idem. Ver NINO, Carlos. El concepto de validez jurídica en la teoría de Kelsen. La validez del derecho. BuenosAires: Astrea, 1985. p. 7-27.
possível dizer, ain<strong>da</strong>, que o precedente, e não a lei, pode ser revogado pelo Judiciário. Entretanto, acircunstância de a norma judicial ter de ser fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong> decorre <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de ter de se <strong>da</strong>rlegitimi<strong>da</strong>de à decisão, <strong>da</strong>do o déficit de legitimi<strong>da</strong>de originária que caracteriza o poder jurisdicional.Assim, a fun<strong>da</strong>mentação não diferencia a norma judicial <strong>da</strong> legislativa no que diz respeito às suas essências– ambas constituem manifestação positiva do Direito -, mas no que toca a aspectos que lhes são ,necessários à sua legitimação. De outro lado, se o precedente pode ser revogado pelo Judiciário, a lei podeser revoga<strong>da</strong> pelo Legislativo.Relevante é que o precedente obrigatório orienta os ci<strong>da</strong>dãos, pois lhes diz o modo como devem secomportar e lhes dá a previsibili<strong>da</strong>de acerca do resultado dos reclamos jurisdicionais, tendo, nestadimensão, a característica de norma geral que, além disso, é capaz de oferecer maior segurança que aprópria norma legislativa.Não obstante, se nessa perspectiva é possível assemelhar a decisão <strong>da</strong> norma legislativa, isso nãodecorre do fato de aquela ter caráter obrigatório, porém de a decisão judicial não dever respeito estrito ànorma geral, mas resultar <strong>da</strong> conformação do ordenamento infraconstitucional à Constituição.É claro que os limites à decisão judicial estão nos próprios direitos fun<strong>da</strong>mentais, o que tambémsignifica que somente é possível vislumbrar ausência de lei ao se constatar que o legislador deixou deeditar norma necessária à tutela de direito fun<strong>da</strong>mental. Em outros termos, para que o juiz possa atuar aoargumento de falta de lei, o legislador deve ter violado direito fun<strong>da</strong>mental na sua função de man<strong>da</strong>mentode tutela. To<strong>da</strong>via, tal violação não transfere ao juiz o grau de liber<strong>da</strong>de que até então estava nas mãos dolegislador, já que ao juiz cabe não exatamente a tutela normativa do direito fun<strong>da</strong>mental, mas o controle<strong>da</strong> suficiência desta tutela e, assim, uma tutela que satisfaça as exigências mínimas na sua eficiência. 136De modo que o juiz não detém o mesmo poder do legislador, e, portanto, a decisão judicialobrigatória, ain<strong>da</strong> que sob a luz <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de afirmação dos direitos fun<strong>da</strong>mentais, não substituia lei. O que se pode dizer, sem qualquer hesitação, é que o juiz não mais é limitado a afirmar a lei,pois deve resposta à Constituição, e, nessa perspectiva, a sua decisão se insere em um quadro bemmais amplo, dimensionado pelos direitos fun<strong>da</strong>mentais.136. De acordo com Claus-Wilhelm Canaris, “a função dos direitos fun<strong>da</strong>mentais de imperativo de tutela carece,em princípio, para a sua realização, <strong>da</strong> transposição pelo direito infraconstitucional”. Por isso, afirma que“ao legislador ordinário fica aqui aberta, em princípio, uma ampla margem de manobra entre as proibições<strong>da</strong> insuficiência e do excesso”. Contudo, tal margem não é a mesma que está libera<strong>da</strong> à intervenção judicial.Sobre isso é necessário apreender com Canaris que “a proibição <strong>da</strong> insuficiência não coincide com o deverde proteção, mas tem, antes, uma função autônoma relativamente a este. Pois trata-se de dois percursosargumentativos distintos, pelos quais, em primeiro lugar, se controla se existe, de todo, um dever deproteção, e, depois, em que termos deve este ser realizado pelo direito ordinário sem descer abaixo domínimo de proteção jurídico-constitucionalmente exigido. No controle de insuficiência trata-se, porconseguinte, de garantir que a proteção satisfaça as exigências mínimas na sua eficiência” (CANARIS, Claus-Wilhelm. Direitos fun<strong>da</strong>mentais e direito privado. Coimbra: Almedina, 2003. p. 138-139). Ao juiz cumpreapenas o controle de insuficiência, não pode ele ir além disso. Por exemplo, a Constituição de 1988 garanteaos empregados urbanos e rurais remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquentapor cento à do normal (art. 7.º, XVI). Isso significa que, caso não haja nenhuma lei trabalhistainfraconstitucional que regule a remuneração <strong>da</strong>s horas extras de trabalho, ou haja uma lei que estabeleçavalores remuneratórios inferiores a cinquenta por cento, cabe ao Poder Judiciário reconhecer a insuficiência<strong>da</strong> proteção legal do trabalhador e assegurar o mínimo de proteção jurídico-constitucionalmente exigido –remuneração <strong>da</strong> hora extra com 50% a mais do que a hora normal. Na<strong>da</strong> mais, na<strong>da</strong> menos. Não pode oJudiciário, por exemplo, determinar, na ausência de norma infraconstitucional, que o pagamento deva ser70% superior. Não cabe aos juízes <strong>da</strong>r aquela proteção que eles considerem ser a melhor para o trabalhoextraordinário, mas apenas garantir o mínimo de proteção determinado pela Constituição. A situação édiferente, porém, no que toca ao legislador. Este pode ampliar a proteção constitucional, desde que nãoatinja o extremo <strong>da</strong> intervenção excessiva.
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