apenas uma evidência do direito, nenhum juiz poderia ser absolutamente obrigado a segui-lo, uma vezque o juiz sempre teria o poder de declarar em contrário ao precedente ou mesmo ao seu overruling(revogação). 14Nesta linha, o stare decisis (respeito obrigatório aos precedentes) exigiria, comoantecedente lógico, a criação judicial do direito.Da relação entre a natureza constitutiva <strong>da</strong> decisão judicial e o stare decisis formaram-se três mitos:i) o common law não existe sem o stare decisis; ii) o juiz do common law, por criar o direito, realiza umafunção absolutamente diversa <strong>da</strong>quela do seu colega do civil law; e iii) o stare decisis é incompatível como civil law.Contudo, a ver<strong>da</strong>de é que a criação judicial do direito não constitui um pressuposto para o staredecisis. O respeito ao passado é traço peculiar à teoria declaratória, com a diferença de que o precedente,em vez de constituir, declara o direito costumeiro ou representa o próprio desenvolvimento dos costumesgerais, ou seja, o common law. Assim, ain<strong>da</strong> que se admitisse que a função judicial fosse meramentedeclaratória, na<strong>da</strong> poderia indicar que o juiz estivesse menos disposto a respeitar o passado. Por outrolado, mesmo que se aceitasse a criação judicial do direito, na<strong>da</strong> poderia assegurar que o juiz estariaobrigado a respeitar os precedentes. Deixe-se claro, desde logo, que tanto a teoria declaratória, quanto aconstitutiva, foram obriga<strong>da</strong>s a admitir a revogação do precedente cujo conteúdo não pudesse serreprisado sem gerar injustiça no caso concreto.Neil MacCormick, no trabalho sugestivamente intitulado Can stare decisis be abolished?, 15 apósalegar que Bentham e Austin demonstraram o “disparate <strong>da</strong> teoria declaratória do precedente” e afirmarque as suas doutrinas passaram a fazer parte <strong>da</strong> “herança [bag-and-baggage] intelectual do direito”, fazinteressante construção. 16 O jurista escocês adverte que, como os juízes estavam mergulhados em culturajurídica que evidenciava o colapso <strong>da</strong> teoria declaratória, os magistrados não mais poderiam se esconderatrás desta teoria caso desejassem revogar os precedentes. De acordo com MacCormick, para seguir aAustin, o juiz teria de legislar abertamente. Como a doutrina austiniana sustenta que o juiz cria o direito, asua aceitação exigiria que os juízes também admitissem que realmente poderiam legislar, inclusive aorevogar os precedentes.To<strong>da</strong>via, relata MacCormick que o convite de Austin não foi aceito. 17 É que os juízes se sentiamconfortáveis ao declarar e não queriam assumir a responsabili<strong>da</strong>de de criar o direito e de revogar osdecisis, quanto à obrigação de uma corte inferior de seguir decisões de uma superior”. Ver DUXBURY, Neil.The nature and authority of precedent. New York: Cambridge University Press, 2008. p. 12-13; 28;EISENBERG, Melvin Aron. The nature of the common law. Cambridge: Harvard University Press, 1998. p. 48e ss.; SCHAUER, Frederick. Why precedent in law (and elsewhere) is not totally (or even substantially) aboutanalogy. Disponível em:. Acesso em: 01out. 2009.14.CROSS, Rupert; HARRIS, J. W. Op.cit., p. 30.15.MACCORMICK, Neil. Can stare decisis be abolished?, p. 197 e ss.16.Idem, p. 204.17.“A partir do momento em que essas teorias se tornaram parte <strong>da</strong> herança intelectual do direito ficou claro que osjuízes não poderiam mais se esconder atrás <strong>da</strong> teoria declaratória caso desejassem divergir de autori<strong>da</strong>desanteriores. Se fosse para legislarem, deveriam legislar abertamente. Porém, o convite de Austin não foi aceito.Por consequência ou não <strong>da</strong> desaprovação de Betham, os juízes vieram a aceitar que se afastar de decisõesanteriores era também legislar; e isso eles não iriam fazer” (No original: “Once these theories had become partof the intellectual bag-and-baggage of the law, it was clear that judges could no longer hide behind thedeclaratory theory if they wished to dissent from previous authorities. If they were to legislate they must
precedentes. Assim, é realmente possível dizer que os juízes tiveram boas razões para se manterem presosà teoria declaratória, permitindo-lhe uma longa sobrevi<strong>da</strong>, especialmente por se livrarem do peso dedecisões retroativas que poderiam ser ditas não democráticas. 18Note-se que a argumentação de MacCormick e a própria doutrina de Austin não apenas sustentarama improprie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> natureza declaratória <strong>da</strong> decisão judicial, tendo também sublinhado que o juiz, aorevogar o precedente, sempre estaria criando o direito. Para Austin, a teoria declaratória entraria emcontradição com a revogação do precedente, uma vez que, se a primeira Corte cometeu um erro, o juizque se encontra com o caso nas mãos teria de legislar ou fazer algo bem diferente do que declarar odireito contido no precedente. 19Reafirme-se que não interessa, aqui, saber qual <strong>da</strong>s teorias estava certa. Os próprios partidários <strong>da</strong>teoria de que o juiz cria o direito, ao considerarem a necessi<strong>da</strong>de de revogação do precedente, anunciaramque, neste caso, ocorreria um remaking. 20 Não importa se o juiz reconstrói o direito ou declara o erro <strong>da</strong>primitiva declaração do direito quando uma ou outra explicação serve para justificar a revogação doprecedente. Ora, ao justificarem tal revogação, ambas as teorias estavam cientes do dever judicial derespeito aos precedentes. 21legislate openly. But Austin’s invitation was not accepted. Whether or not in consequence of Bentham’srevilement of their legislation, the judges came to accept that to deviate from previous decisions was tolegislate; and that they would not do”) (idem, p. 205).18.WESLEY-SMITH, Peter. Op. cit., p. 76.19.Neil Duxbury, ao tratar do mencionado texto de MacCormick, e, assim, também do impacto <strong>da</strong> doutrina de Austinsobre a prática dos juízes, escreve: “Se os juízes têm o dever de encontrar e declarar a lei eles mesmos, eles sópodem ser obrigados a seguir a decisão proferi<strong>da</strong> por outras cortes na hipótese de essa decisão ser uma corretadeclaração <strong>da</strong> lei. Se a Corte anterior cometeu um equívoco, os juízes que estão julgando o caso em questãodevem declarar a lei através de maneira outra que não seguindo o precedente” (No original: “If judges have aduty to find and declare the law themselves, they can only be bound to follow the ruling of another court wherethat ruling is itself a correct declaration of the law. If the earlier court made a mistake, judges deciding the casein hand must declare the law by doing something other than following the precedent”) (DUXBURY, Neil. Op.cit., p. 39).20.De acordo com os adeptos <strong>da</strong> teoria declaratória, os precedentes devem ser seguidos, exceto quando são“terminantemente absurdos ou injustos” (“flatly absurd or injust”). Neste caso, os juízes futuros não elaboramum direito novo. No dizer de Blackstone, quando a sentença anterior é manifestamente absur<strong>da</strong> ou injusta, ojuiz não declara que aí existe “uma lei ruim” (“bad law”), mas sim que a sentença “não era lei” (“was notlaw”), isto é, “que ela não é o costume estabelecido do reino, uma vez que foi erroneamente determina<strong>da</strong>”(“that it is not the established custom of the realm, as has been erroneously determined”) (BLACKSTONE,William. Op. cit., p. 70).21.De outra parte, desde 1981, quando se passou a admitir o antecipatory overruling nos Estados Unidos, háquestionamentos que consideram o significado <strong>da</strong> antecipação <strong>da</strong> revogação de precedente <strong>da</strong> SupremaCorte, por parte <strong>da</strong>s Cortes de Apelação, na perspectiva <strong>da</strong>s teorias declaratória e constitutiva. Nestesentido, escreve Margaret Kniffin, em artigo publicado na Fordham Law Review: “Ao examinar se o staredecisis permite o overruling antecipatório, uma questão preliminar e geralmente debati<strong>da</strong> surge a respeito <strong>da</strong>natureza do direito. As Cortes, ao decidirem casos, ‘descobrem’ o direito, o qual sempre existiu, ou elas o‘criam’? Se as Cortes descobrem o direito, uma Corte de Apelação, ao prever uma ação <strong>da</strong> Suprema Corte etomar uma atitude sem esperar que a Corte Superior o faça, chega, antes <strong>da</strong> Suprema Corte, a um ponto jáexistente. Se, de outro lado, a Suprema Corte cria o direito quando revoga um precedente, uma Corte deApelação, antecipando, desenha o que acredita que a Corte Superior gostaria de criar. A tentativa deescolher entre esses dois conceitos pode gerar uma confusão desnecessária. Ca<strong>da</strong> qual pode ser considerado
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