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Luiz Guilherme Marinoni - Tribunal Regional Federal da 4ª Região

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Ademais, a Corte de Cassação não apenas adquiriu o semblante de órgão jurisdicional, como passoua constituir o tribunal de cúpula do sistema, sobrepondo-se aos tribunais ordinários. A sua função setornou a de ditar e assegurar a interpretação correta <strong>da</strong> lei, evitando que os tribunais inferioresconsoli<strong>da</strong>ssem interpretações equivoca<strong>da</strong>s.Assim, a Corte chega a um estágio em que não há mais controle não jurisdicional <strong>da</strong>s interpretaçõesjudiciais. Há, agora, preocupação em fixar, através do próprio Judiciário, a uni<strong>da</strong>de do direito, ou, maisprecisamente para aquela época, a uniformi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> interpretação <strong>da</strong> lei no país e nos vários tribunaisinferiores. Basicamente, isto se tornou possível por dois motivos. Primeiramente, adquiriu-se consciênciade que a leitura do texto <strong>da</strong> norma implica um ato de compreensão, que, assim, abre oportuni<strong>da</strong>de paravárias definições e, portanto, interpretações. Outrossim, tornou-se inquestionável que o ato decompreender a lei era de incumbência do judiciário e não do legislativo. O que passou a importar, emver<strong>da</strong>de, foi tão somente se seria conveniente admitir que o Judiciário exprimisse, em um mesmo instantehistórico, várias interpretações para a mesma lei.O ponto tem relevância insuspeita, particularmente em face do sistema brasileiro. Não obstante, cabesublinhar, desde logo, que, se a função do nosso Superior do <strong>Tribunal</strong> de Justiça é zelar pela integri<strong>da</strong>dedo direito infraconstitucional, a sua feição não é muito diferente <strong>da</strong>quela que a Cassação francesa assumiucom o passar do tempo. Também no sistema brasileiro há preocupação em saber como o Judiciário devese exprimir diante <strong>da</strong> inafastabili<strong>da</strong>de de diversas interpretações, sendo a solução para o problema aimposição <strong>da</strong> interpretação do Superior <strong>Tribunal</strong> de Justiça sobre os tribunais ordinários.De qualquer forma, é imprescindível e importante notar que a Corte de Cassação, hoje tribunaljurisdicional voltado a assegurar a uniformi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> interpretação <strong>da</strong> lei, tem origem em um órgão nãojurisdicional, instituído para evitar que a vontade dos juízes se sobrepusesse à vontade dos habitantes doparlamento. De órgão voltado a garantir a supremacia <strong>da</strong> lei para órgão destinado a afirmar e a zelar poruma única interpretação <strong>da</strong> lei: eis a ver<strong>da</strong>deira mutação pela qual a Cassação passou.Contudo, é surpreendente que a cultura jurídica do civil law não tenha se <strong>da</strong>do conta de que talmutação não poderia permitir a manutenção dos dogmas – que deitam raízes na Revolução Francesa – deque a lei constitui a segurança de que o ci<strong>da</strong>dão precisa para viver em liber<strong>da</strong>de e em igual<strong>da</strong>de e de que ojuiz apenas atua a vontade <strong>da</strong> lei. 8312. A certeza jurídica como garantia <strong>da</strong> segurançaPara a Revolução Francesa, a lei seria indispensável para a realização <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de.Por este motivo, entendeu-se que a certeza jurídica seria igualmente indispensável diante <strong>da</strong>s decisõesjudiciais, uma vez que, caso os juízes pudessem produzir decisões destoantes <strong>da</strong> lei, os propósitosrevolucionários estariam perdidos ou seriam inalcançáveis.Assim, manter o juiz preso à lei seria sinônimo de segurança jurídica. O próprio Montesquieu fezcoro pela segurança jurídica fun<strong>da</strong><strong>da</strong> na estrita aplicação <strong>da</strong> lei quando disse que, se os julgamentos“fossem uma opinião particular do juiz, viver-se-ia na socie<strong>da</strong>de sem saber precisamente oscompromissos que nela são assumidos”. 84 Essa passagem <strong>da</strong> doutrina de Montesquieu, segundo adverteGiovanni Tarello, evidencia uma ideologia que sugere que a liber<strong>da</strong>de política, entendi<strong>da</strong> como segurançapsicológica do indivíduo, realiza-se através <strong>da</strong> certeza do direito. 8583.V. GROSSI, Paolo. Mitologie giuridiche della modernità. 2. ed. Milano: Giuffrè, 2005. p. 55 e ss.84 .MONTESQUIEU, Barão de (Charles-Louis de Secon<strong>da</strong>t). Op. cit., p. 158; ver TARELLO, Giovanni. Op. cit., p. 194.85.TARELLO, Giovanni. Op. cit., p. 294.

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