Não obstante, o stare decisis também se impôs diante dos precedentes constitucionais. 103 Aliás, nãohaveria sentido que, em um sistema fun<strong>da</strong>do no direito à igual<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s decisões, na segurança jurídica ena previsibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s decisões judiciais, 104 os precedentes constitucionais não fossem respeitados. 105É intuitivo que, num sistema que ignora o precedente obrigatório, não há racionali<strong>da</strong>de em <strong>da</strong>r atodo e qualquer juiz o poder de controlar a constitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> lei. Como corretamente adverteCappelletti, a introdução no civil law do método americano de controle de constitucionali<strong>da</strong>de conduziriaà consequência de que uma lei poderia não ser aplica<strong>da</strong> por alguns juízes e tribunais que a entendesseminconstitucional, mas, no mesmo instante e época, ser aplica<strong>da</strong> por outros juízes e tribunais que ajulgassem constitucional. Ademais – diz o professor italiano –, na<strong>da</strong> impediria que o juiz que aplicassedetermina<strong>da</strong> lei não a considerasse no dia seguinte ou vice-versa, ou, ain<strong>da</strong>, que se formassem ver<strong>da</strong>deirasfacções jurisprudenciais nos diferentes graus de jurisdição, simplesmente por uma visão distinta dosórgãos jurisdicionais inferiores, em geral compostos de juízes mais jovens e, assim, mais propensos a veruma lei como inconstitucional, exatamente como aconteceu na Itália no período entre 1948 e 1956.Demonstra Cappelletti que, desta situação, poderia advir uma grave situação de incerteza jurídica e deconflito entre órgãos do judiciário. 106Além dessas obvie<strong>da</strong>des – que parecem se tornar dignas de nota apenas quando afirma<strong>da</strong>s por umjurista do porte de Cappelletti –, não há como se esquecer <strong>da</strong> falta de racionali<strong>da</strong>de em obrigar alguém apropor uma ação para se livrar dos efeitos de uma lei que, em inúmeras oportuni<strong>da</strong>des, já foi afirma<strong>da</strong>inconstitucional pelo judiciário. Note-se que o sistema que admite decisões contrastantes estimula alitigiosi<strong>da</strong>de e incentiva a propositura de ações, pouco importando se o interesse <strong>da</strong> parte é aconstitucionali<strong>da</strong>de ou a inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> lei. Ou seja, a ausência de previsibili<strong>da</strong>de, comoconsequência <strong>da</strong> falta de vinculação aos precedentes, conspira contra a racionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> distribuição <strong>da</strong>justiça e contra a efetivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> jurisdição.Este momento, contudo, não se presta ao destaque <strong>da</strong>s várias razões que apontam para a contradiçãoentre o controle difuso <strong>da</strong> constitucionali<strong>da</strong>de e a ausência de precedentes constitucionais de cunhoobrigatório. É aqui suficiente sublinhar a autori<strong>da</strong>de de Cappelletti para demonstrar que o modelo deno precedent for handling constitutional precedents. Consequently, American lawyers and jurists may haveneeded time – almost a century – to develop a coherent doctrine to clarify the relationships among the differentkinds of precedents in the legal system”) (idem, p. 48-49).103. No caso Cooper v. Aaron, em 1958, decidiu-se que “a interpretação <strong>da</strong> 14.ª Emen<strong>da</strong> anuncia<strong>da</strong> por esta Corteno caso Brown é lei suprema do país, e o art. VI <strong>da</strong> Constituição faz com que esta decisão tenha efeitovinculante (binding effect) sobre os Estados”. (No original: “It follows that the interpretation of the FourteenthAmendment enunciated by this Court in the Brown case is the supreme law of the land, and Art. VI of theConstitution makes it of binding effect on the States” – Cooper v. Aaron, 358 U.S. 1, 18, 1958). Aí se fezpresente a ideia de decisão obrigatória e vinculante, binding para todos os demais órgãos do Poder Judiciário epara a Administração Pública, que passou a ser conheci<strong>da</strong> como stare decisis em sentido vertical.104. EISENBERG, Melvin. Op. cit., p. 42 e ss.105. Nos Estados Unidos é inadmissível que um órgão jurisdicional inferior desobedeça àquilo que a SupremaCorte já afirmou ser o direito. Como recentemente afirmou o Justice Kennedy, ao decidir o caso Lawrence v.Texas, “a doutrina do stare decisis é essencial para o respeito devido aos julgamentos <strong>da</strong> Corte e para aestabili<strong>da</strong>de do direito” (No original: “The doctrine of stare decisis is essential to the respect accorded to thejudgments of the Court and to the stability of the law” – Lawrence v. Texas, 559 U.S. 558, 577, 2003).106. CAPPELLETTI, Mauro. Il controlo giudiziario di costituzionalità..., cit., p. 62 e ss.
controle difuso não se a<strong>da</strong>pta ao civil law, ou, mais precisamente, ao sistema que nega a importância derespeito aos precedentes.Que dizer, então, do sistema brasileiro, em que se misturam os controles concentrado e difuso <strong>da</strong>constitucionali<strong>da</strong>de? Nos países que não adotam o stare decisis, a saí<strong>da</strong> racional para o controle <strong>da</strong>constitucionali<strong>da</strong>de apenas pode estar no controle concentrado, adotando-se o modelo de decisão únicacom eficácia erga omnes. O controle difuso, destituído de decisões com eficácia vinculante, não éadequado.Porém, preferindo-se apostar no controle difuso – diante <strong>da</strong> sua superiori<strong>da</strong>de diante do controleconcentrado, particularmente em relação ao Brasil –, torna-se inevitável adotar um sistema de precedentesconstitucionais de natureza obrigatória. 107 O sistema de súmulas vinculantes, instituído pela EC 45/2004,constituiu sinal claro neste sentido - desde que compreendido de forma adequa<strong>da</strong> -, embora normas comoa do parágrafo único do art. 481 do CPC – instituí<strong>da</strong> pela Lei 9.756/1998 – já apontassem para anecessi<strong>da</strong>de de vinculação dos tribunais inferiores. Essa Emen<strong>da</strong> incluiu no texto constitucional o art.103-A, que estabelece a possibili<strong>da</strong>de de o Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> editar súmula com caráterobrigatório e vinculante para todo o Poder Judiciário e, ain<strong>da</strong>, para a Administração Pública direta eindireta, em to<strong>da</strong>s as suas esferas. Nos termos desta nova norma constitucional, “o Supremo <strong>Tribunal</strong><strong>Federal</strong> poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, apósreitera<strong>da</strong>s decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação naimprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e àadministração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder àsua revisão ou cancelamento, na forma estabeleci<strong>da</strong> em lei”.Na ver<strong>da</strong>de, o sistema de súmulas, como única e indispensável forma para a vinculação dos juízes, écontraditório com o fun<strong>da</strong>mento que, embora não explícito, justifica o respeito obrigatório aosprecedentes constitucionais. O que justifica o respeito aos precedentes é a igual<strong>da</strong>de, a segurança jurídicae a previsibili<strong>da</strong>de.De modo que, em princípio, uma simples decisão toma<strong>da</strong> pelo Pleno do Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong>,não importa a quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> maioria obti<strong>da</strong>, não pode deixar de vincular o próprio <strong>Tribunal</strong> e os demaistribunais e juízes. Não há razão lógica para se exigirem decisões reitera<strong>da</strong>s, a menos que se parta <strong>da</strong>premissa de que o Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> não se importa com a força de ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s suas decisões esupõe não ter responsabili<strong>da</strong>de perante os casos futuros. 108 Tal premissa, ain<strong>da</strong> que pudesse ser váli<strong>da</strong>107. Segundo Cappelletti, o stare decisis acaba conferindo à decisão de inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> lei, ain<strong>da</strong> queindiretamente, eficácia erga omnes. Fala-se, neste sentido, numa ver<strong>da</strong>deira transformação <strong>da</strong> decisão, queseria simples cognitio incidentalis de inconstitucionali<strong>da</strong>de com eficácia restrita ao caso concreto empronunciamento dotado de eficácia erga omnes (CAPPELLETTI, Mauro. Il controlo giudiziario dicostituzionalità..., cit., p. 64). Embora a afirmação de Cappelletti deva ser vista com reservas, pois há diferençaentre eficácia erga omnes e eficácia vinculante, é ela digna de nota por significar a necessi<strong>da</strong>de de vincular osjuízes às decisões de inconstitucionali<strong>da</strong>de proferi<strong>da</strong>s pelo Supremo <strong>Tribunal</strong> <strong>Federal</strong> no âmbito do controledifuso.108. “Um argumento a partir do precedente parece, a princípio, olhar para trás. A perspectiva tradicional sobre oprecedente, tanto dentro, como fora, <strong>da</strong> lei, tem então focado no uso de precedentes de ontem, nas decisões dehoje. Mas de maneira tão ou mais importante, um argumento a partir do precedente olha também para frente,pedindo-nos que observemos as decisões atuais como precedente para as autori<strong>da</strong>des decisórias[decisionmakers] de amanhã. Hoje não é tão somente o amanhã de ontem; é também o ontem de amanhã. Umsistema de precedente, portanto, implica a responsabili<strong>da</strong>de especial que acompanha o poder de restringir[commit] o futuro antes mesmo de chegarmos lá” (No original: “An argument from precedent seems at first tolook backward. The traditional perspective on precedent, both inside and outside of law, has therefore focusedon the use of yester<strong>da</strong>y’s precedents in to<strong>da</strong>y’s decisions. But in equally if not more important way, anargument from precedent looks forward as well, asking us to view to<strong>da</strong>y’s decision as a precedent fortomorrow’s decisionmakers. To<strong>da</strong>y is not only yester<strong>da</strong>y’s tomorrow; it is also tomorrow’s yester<strong>da</strong>y. A
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