Volume 1 - Robert Bresson - Via: Ed. Alápis
O Cinema da Universidade de São Paulo (CINUSP “Paulo Emílio”), órgão da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária, e o Centro Cultural São Paulo apresentam retrospectiva integral dos longas-metragens de Robert Bresson, cineasta francês entre os mais importantes nomes do cinema. Juntamente à mostra de filmes, editamos este presente catálogo, o primeiro volume da Coleção CINUSP, que visa aprofundar a temática das mostras colaborando para a formação da cinefilia do público jovem.
O Cinema da Universidade de São Paulo (CINUSP “Paulo Emílio”), órgão da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária, e o Centro Cultural São Paulo apresentam retrospectiva integral dos longas-metragens de Robert Bresson, cineasta francês entre os mais importantes nomes do cinema. Juntamente à mostra de filmes, editamos este presente catálogo, o primeiro volume da Coleção CINUSP, que visa aprofundar a temática das mostras colaborando para a formação da cinefilia do público jovem.
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mos mais falando dos tambores implacáveis da Inquisição, estamos<br />
falando de músicas populares, um violão com rimas. E é ainda mais<br />
surpreendente que haja músicas cantadas em “brasileiro”!, MPB sensual.<br />
Porém, <strong>Bresson</strong> também escrevera: Forjar leis de ferro para você<br />
mesmo, nem que seja para obedecer ou desobedecê-las com dificuldade<br />
4 . Portanto, a quebra de nossa expectativa dogmática, apesar de<br />
surpreender, faz todo o sentido, como veremos.<br />
Em todos os momentos em que surge música no filme, sempre<br />
com fonte justificada, nunca over, há um encantamento (quase no<br />
sentido mágico) ao presenciarmos a execução da canção. Tudo para,<br />
o tempo se suspende, passamos a uma espécie de senso de comunhão<br />
misterioso que leva os olhares para longe, e esse “longe” parece interessar<br />
<strong>Bresson</strong>. As músicas parecem ter o valor de colocar os corpos<br />
em relação, como um incenso que os rodeia e conduz. O barco que<br />
surge atravessando a ponte, todo reluzente como uma aparição, traz<br />
o grupo de brasileiros que canta uma canção que aponta para uma<br />
potência adormecida, seus primeiros versos: eu sou um porto aberto<br />
pra canção / sou como a flor ainda em botão / que quer crescer /<br />
mas não encontra uma razão. E lá estão, em cima da ponte, Marthe e<br />
Jacques observando mudos como se nada mais existisse além daquela<br />
arca dourada. Não é difícil entender que para estas personagens não<br />
há canção que não seja sensual, que não envolva seus corpos. Isso é<br />
belamente afirmado quando Marthe observa seu corpo nu diante do<br />
espelho, quase em faíscas. A harmonia musical é exigência das personagens,<br />
existe para encantar esses encontros nos quais se permite<br />
penetrar e absorver. Portanto, existe um corpo rítmico necessário que<br />
comove a narrativa do começo ao fim, seja com o gravador, seja com<br />
as canções.<br />
O movimento amoroso que se impõe nos revela a natureza<br />
dos encontros, dos corpos que se abrem um ao outro: essa abertura é<br />
uma contaminação afetiva que não tem volta. Como diz Franz Kafka,<br />
só há interesse quando se chega ao ponto exato em que não há mais<br />
volta, quando se ultrapassa o limite. A relação de Jacques e Marthe<br />
é desse tipo em que não há como remediar um encontro que já se<br />
iniciou. Essa mistura nos remete à ideia de neutralidade em <strong>Bresson</strong>,<br />
muito bela, que funda seus filmes como imagens neutras colocadas<br />
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