Edição de 12 de abril de 2021

inspiração
não larguei tudo, mas fui morar na praia
Fotos: Zé Pedro Paz e CamilaHermes/Divulgação
“Saudades de aprofundar as relações, além das tarefas e dos feedbacks,
de conhecer melhor as pessoas novas e repetir piadas velhas”
ZÉ PEDRO PAZ
Especial para o PROPMARK
Morar na praia sempre me pareceu um
ideal de vida sedutor, mas inalcançável.
Eu via como sinônimo de largar tudo.
Não era pra mim.
Mas aí veio a pandemia. Logo no início, li
um artigo do Yuval Harari para o Financial
Times em que ele dizia que um dos efeitos
dessa crise seria obrigar pessoas, empresas
e instituições a colocarem em prática ações
que levariam décadas para serem consideradas.
Um fast-forward na história que
mudaria a nossa percepção sobre muitos
aspectos da vida e das dinâmicas da sociedade.
Em maio de 2020, eu vim para a minha
casa na praia da Gamboa, em Santa Catarina,
passar alguns dias da quarentena. Aqui
sigo, 10 meses depois, enquanto a pandemia
não dá trégua.
A adaptação foi mais natural do que eu
poderia imaginar. Mantive todas as minhas
atividades na DZ e, aos poucos, fui conhecendo
o desafio de tomar conta, aqui da
praia, de uma agência com 60 pessoas e um
time de criação de 15.
O que eu descobri?
A nossa mania de organização fez com
que todos logo se sentissem seguros para
seguir o trabalho.
Claro que tivemos de lidar com diferentes
pressões. Mas também descobrimos dinâmicas
e metodologias, e logo estávamos
com uma nova caixa de ferramentas à disposição
- que aqui em casa eu alterno com a
enxada, a picareta ou a serra circular.
O que parecia ser o maior obstáculo, se
revelou um estímulo para nos unirmos
como equipe. Criamos novos momentos de
troca de ideias e inspiração.
Procurei estar atento às necessidades de
cada pessoa, dar liberdade e ser transparente
sobre o que estava acontecendo em
todos os cantos virtuais da DZ. A fibra ótica
me ajudou a estar mais próximo, mesmo a
400 km de distância.
É inegável que correr na praia no fim do
dia é um alívio em tempos de confinamento.
Dar uma volta com meu filho pelo pátio.
Reparar no crescimento das plantas ou observar
os pássaros (já identifiquei mais de
50, com a ajuda do WikiAves) enquanto
preparo o café, ajuda a recuperar o fôlego
para a próxima call. A cadência da natureza
nos lembra de relativizar o ritmo às vezes
insano do mundo corporativo.
Para quem trabalha com criatividade,
faz muita falta transitar por ambientes diferentes.
A paisagem à beira-mar é inspiradora.
Mas o clima de dia da marmota limita
o olhar. A saída tem sido tentar driblar
com filmes, séries, podcasts e leituras que
levam momentaneamente para outros lugares.
A rotina tornou-se muito funcional. A
gente entra em uma call, fala sobre o que
precisa falar e depois entra em outra. Porém,
muitas vezes, as melhores ideias surgem
nos encontros espontâneos no café.
Isso é muito difícil de manter estando longe.
As conexões intencionais funcionam
bem, mas dá saudades das conexões aleatórias.
Perguntar como foi a viagem de férias,
trocar indicações de shows, tomar uma cerveja
depois do expediente.
Aprofundar as relações, além das tarefas
e dos feedbacks, conhecer melhor as pessoas
novas e repetir piadas velhas. Deixar o
dia mais leve, que falta isso faz.
Entre sucessos e saudades, o saldo foi
de muito aprendizado. E nos dedicamos
a cuidar das nossas pessoas e dos nossos
clientes. Fechamos o foco naquilo que era
essencial e passamos por esse furacão 2020
com crescimento.
Mesmo considerando que não estamos
vivendo tempos normais, ou talvez justamente
por isso, posso dizer: não era bem
isso que eu imaginava quando pensava em
alguém que ia morar na praia.
Zé Pedro Paz é sócio e CCO da DZ Estúdio
jornal propmark - 12 de abril de 2021 17