A hermenêutica do sujeito - OUSE SABER!
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186 A HERMENtUTlCA DO SUJEITO<br />
bíguo. Objeto, sem dúvida, das críticas <strong>do</strong>s retóricos e também<br />
- o que se fará ainda mais claro a partir <strong>do</strong> desenvolvimento<br />
<strong>do</strong> que chamamos a segunda sofística" no século II<br />
da nossa era - objeto de desconfiança por motivos políticos.<br />
Primeiramente, é claro, por causa das escolhas que faz, em<br />
favor destes ou daqueles. Houve, por exemplo, toda uma<br />
corrente de neo-republicanismo no começo <strong>do</strong> Império romano,<br />
em que os estóicos e, sem dúvida os cínicos também,<br />
desempenharam um papel importante'. Por isto então uma<br />
série de resistências. De mo<strong>do</strong> geral, porém, a própria existência<br />
de filósofos profissionais, pregan<strong>do</strong>, pedin<strong>do</strong>, insistin<strong>do</strong><br />
para que as pessoas se ocupassem consigo, não ocorria sem<br />
que se colocasse um certo número de problemas políticos<br />
sobre os quais houve discussões muito interessantes. Particularmente,<br />
parece que no próprio círculo de Augusto, bem<br />
no começo <strong>do</strong> Império, [colocava-se] o problema de saber<br />
se a filosofia, apresentan<strong>do</strong>-se como uma arte de si mesmo<br />
e convidan<strong>do</strong> as pessoas a se ocuparem consigo mesmas,<br />
era útil ou não. Jean-Marie André, que publicou <strong>do</strong>is estu<strong>do</strong>s<br />
muito interessantes 3 sobre o otium e sobre o personagem de<br />
Meneceu [emitiu certo número] de hipóteses.Acompanhan<strong>do</strong><br />
o que ele diz, parece ter havi<strong>do</strong>, em tomo de Augusto,<br />
tendências diferentes, com mudanças de atitude por parte<br />
de uns e outros e por parte <strong>do</strong> próprio Augusto. Parece que<br />
Ateno<strong>do</strong>ro, por exemplo, representava uma corrente muito<br />
nítida de despolitização: ocupai-vos com política somente<br />
se verdadeiramente o deveis, se tiverdes vontade, se as circunstâncias<br />
o impuserem, mas assim que possível, retirai -vos<br />
da política. E parece que, pelo menos em um determina<strong>do</strong><br />
momento, Augusto foi favorável a esta espécie de despolitização.<br />
Em contrapartida, Mecenas e os epicuristas que o<br />
cercavam teriam representa<strong>do</strong> um movimento em que, ao<br />
contrário, buscava-se um equilíbrio entre a atividade política<br />
em tomo <strong>do</strong> Príncipe, em favor <strong>do</strong> Príncipe, e a necessária<br />
vida de ócios cultiva<strong>do</strong>s. A idéia de um Principa<strong>do</strong>' em que o<br />
essencial <strong>do</strong> poder estaria nas mãos <strong>do</strong> Príncipe, em que não<br />
haveria lutas políticas como as que podiam acontecer na Re-<br />
ç<br />
AULA DE 27 DE ]ANFlRO DE 1982 187<br />
pública, em que tu<strong>do</strong> estaria em boa ordem, mas em que<br />
seria também necessário ocupar-se com o Império, teria representa<strong>do</strong>,<br />
aos olhos daquelas pessoas (Mecenas e os epicuristas<br />
que, não obstante, eram precavi<strong>do</strong>s em relação à atividade<br />
política), a fórmula mais adequada: pode-se ocuparse<br />
com as coisas da cidade, com o Império, com as coisas<br />
políticas, com os negócios, no interior deste quadro cuja tranqüilidade<br />
está assegurada pela ordem política, pelo Principa<strong>do</strong>;<br />
e paralelamente pode-se afinal ter suficientes ócios na<br />
própria vida para ocupar-se consigo mesmo. Enfim, em torno<br />
da atividade profissional <strong>do</strong>s filósofos, há portanto toda<br />
uma série de discussões interessantes. Mais tarde, e então<br />
bem mais longamente, voltarei ao problema "atividade consigo<br />
mesmo/atividade política'''. Sobre a hostilidade ou a<br />
desconfiança para com os filósofos, gostaria de remetê-los<br />
mais precisamente a um texto. Tinha intenção de lhes citar<br />
vários: poderia citar-lhes os textos satíricos de Luciano - de<br />
que já lhes falei antes - em que se vê o personagem <strong>do</strong> filósofo<br />
caricatura<strong>do</strong> sob a forma de individuas ávi<strong>do</strong>s por<br />
dinheiro, que requerem vultuosas somas prometen<strong>do</strong> a felicidade,<br />
que vendem mo<strong>do</strong>s de vida no merca<strong>do</strong> e que, pretenden<strong>do</strong>-se<br />
perfeitos, alça<strong>do</strong>s ao cume da filosofia, são pessoas<br />
que, ao mesmo tempo, praticam a usura, atacam seus<br />
adversários, se enraivecem, etc., e não têm qualquer uma<br />
das virtudes que pretendem possuir'. Bem, deixo de considerar<br />
to<strong>do</strong>s estes textos.<br />
Gostaria de chamar a atenção para outro texto que me<br />
parece bem interessante, conheci<strong>do</strong>, mas cuja interpretação<br />
requer, creio, que nos detenhamos um pouco. Trata-se da famosa<br />
passagem na décima carta <strong>do</strong> primeiro livro das Cartas<br />
de Plínio', passagem consagrada a Eufrates'. Eufrates foi<br />
um filósofo estóico importante cujas muitas intervenções são<br />
encontradas em diversos textos. Na Vida de Apolônio de Tzana,<br />
por Filostrato, temos um curioso e interessante confronto<br />
entre Apolônio e Eufrates' - e retornaremos, eventualmente,<br />
à questão <strong>do</strong> Príncipe e <strong>do</strong> filósofo como conselheiro <strong>do</strong><br />
Príncipe. De to<strong>do</strong> mo<strong>do</strong>, na carta de Plínio a propósito de Eu-<br />
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