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A hermenêutica do sujeito - OUSE SABER!

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480 A HERMENtUTICA DO SUJEITO<br />

ginas deste texto, diferentemente <strong>do</strong> que encontramos em<br />

Filodemo, de mo<strong>do</strong> algum temos uma "teoria" da parrhesía,<br />

mas alguns elementos indica<strong>do</strong>res <strong>do</strong> que deve ser o franco-falar,<br />

naquele gênero de relações e vínculos, e que a meu<br />

ver são interessantes. Ele parte <strong>do</strong> princípio segun<strong>do</strong> o qual<br />

nunca se pode curar sem saber <strong>do</strong> que se deve curar. A ciência<br />

médica, ou antes a tékhne médica, tem necessidade, é<br />

claro, de conhecer a <strong>do</strong>ença que terá de tratar. Isto é óbvio.<br />

Ora, no Trata<strong>do</strong> da cura das paixões Galeno explica que aquele<br />

texto não versa sobre o tratamento (a cura, a terapêutica)<br />

das <strong>do</strong>enças, mas sobre a cura das paixões e <strong>do</strong>s erros. Ora,<br />

diz ele, se é verdade que os <strong>do</strong>entes, não conhecen<strong>do</strong> bem<br />

sua <strong>do</strong>ença, sofrem tanto com ela, ou por causa dela experic ·<br />

mentam mal-estares tão explícitos [a ponto de] se encaminharem<br />

espontaneamente ao médico, em contrapartida, no<br />

que conceme às paixões e aos erros, a cegueira é muito maior.<br />

Pois, afirma ele, sempre se ama tanto a si mesmo (é o amor<br />

sui de que falávamos há pouco acerca <strong>do</strong> texto de Sêneca<br />

nas Questões naturais') que não se pode deixar de criar ilusões.<br />

O fato de se criar ilusões, por conseguinte, desqualifica o<br />

<strong>sujeito</strong> no papel de médico de si mesmo que ele poderia ter<br />

ou poderia pretender exercer. Esta tese não nos autoriza a<br />

nos julgarmos a nós mesmos, mas a que os outros o façam.<br />

Conseqüentemente, necessidade de recorrer a um outro<br />

para curar as próprias paixões e erros, devi<strong>do</strong> a este amor a<br />

si que cria ilusão a respeito de tu<strong>do</strong>, sob a condição de que<br />

este outro não tenha em relação a nós - nós que o consultamos<br />

- nem sentimento de indulgência nem sentimento de<br />

hostilidade; logo mais retornarei a isto, no momento apee<br />

nas acompanho o texto em seu desenvolvimento" Como<br />

escolher e recrutar este Outro, que não deve ser nem indill=<br />

gente nem hostil, de quem temos absoluta necessidade<br />

para nos curarmos devi<strong>do</strong> ao nosso amor por nós mesmos?<br />

Pois bem, diz Galeno, há que se estar atento. Há que se estar<br />

à espreita e, no momento em que se ouvir falar de alguém<br />

célebre, reputa<strong>do</strong>, conheci<strong>do</strong> por não ser um lisonjea<strong>do</strong>r, dirigir-se<br />

então a ele'- Dirigir-se a ele, ou melhor, antes mesmo<br />

, ...<br />

.......<br />

\<br />

AULA DE 10 DE MARÇO DE 1982 481<br />

de dirigir-se diretamente a ele, tentar verificar, provar, testar<br />

de algum mo<strong>do</strong> a não-lisonja deste indivíduo. E observar<br />

como ele age na vida, observar se freqüenta os poderosos,<br />

observar a atitude que tem em relação aos poderosos que<br />

freqüenta ou em cuja dependência se encontra. É em função<br />

de sua atitude, e quan<strong>do</strong> se tiver efetivamente mostra<strong>do</strong> e prova<strong>do</strong><br />

que .não se trata de um lisonjea<strong>do</strong>r, é neste momento<br />

que se pode dirigir-se a ele. Portanto, há que se haver com um<br />

desconheci<strong>do</strong>, ou melhor, com alguém que só é conheci<strong>do</strong><br />

-por nós mesmos, e só conheci<strong>do</strong> por sua não-lisonja. Verifican<strong>do</strong>-se,<br />

pois, que não se trata de um lisonjea<strong>do</strong>r, é que<br />

então se vai dirigir-se a ele. E o que fazer, o que se passará?<br />

Primeiro, iniciaremos uma conversa, conversa a sós com ele,<br />

na qual de certo mo<strong>do</strong> lhe colocaremos a questão primeira,<br />

que é também a questão de confiança: não teria ele nota<strong>do</strong>,<br />

no nosso comportamento, na maneira como falamos, etc.,<br />

traços, sinais, provas de uma paixão, paixão que nós mesmos<br />

teríamos? Neste momento, muitas coisas podem se passar.<br />

Certamente ele pode dizer que notou. Começa então a cura,<br />

isto é, pedimos-lhe conselhos para nos curarmos de nossa<br />

paixão. Suponhamos ao contrário que ele diga não ter nota<strong>do</strong><br />

em nós, no decorrer deste primeiro colóquio, uma paixão<br />

qualquer. Pois bem, diz Galeno, há que se resguardar de<br />

cantar vitória, de considerar que não temos paixões, e conseqüentemente<br />

que não temos necessidade de diretor para<br />

nos ajudar a curá-las. Pois, diz [Galeno], talvez [o diretor] não<br />

tenha ainda ti<strong>do</strong> tempo de ver estas paixões; talvez também<br />

não queira interessar-se por quem o solicita; talvez ainda tenha<br />

me<strong>do</strong> <strong>do</strong> rancor que lhe seria endereça<strong>do</strong> se dissesse<br />

que temos uma ou outra paixão. Por conseguinte, é preCIso<br />

obstinar-se, insistir, pressioná-lo com questões para dele<br />

obter uma outra resposta que não seja a de que não temos<br />

paixão. É preciso eventualmente passar pela mediação de um<br />

outro, a fim de procurar saber se este personagem, de quem<br />

conhecemos as qualidades de não-lisonjea<strong>do</strong>r, simplesmente<br />

não estaria interessa<strong>do</strong> em uma direção de consciência<br />

corno [a nossa]. Suponhamos agora que, em vez de dizer que<br />

"'stituto de Psicologia· UFRGS<br />

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