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A hermenêutica do sujeito - OUSE SABER!

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614 A HERMENEuTlCA DO SUJEITO<br />

ceiro volume da História da sexualidade, publica<strong>do</strong> em 1984.<br />

Ora, o curso de 1982 toma como referência básica exatamente<br />

O mesmo perío<strong>do</strong> histórico que o curso <strong>do</strong> ano precedente,<br />

porém, com um novo quadro teórico, o das práticas de si.<br />

Apresenta-se quase como uma versão mais extensa e ampliada<br />

<strong>do</strong> breve capítulo de O cuida<strong>do</strong> de si intitula<strong>do</strong> "A cultura<br />

de si". Esta estranha situação pode ser esclarecida se seguirmos<br />

o itinerário intelectual de Foucault desde 1980, bem<br />

como as hesitações editoriais que o marcaram.<br />

Poderíamos começar com um enigma. Foucault, em 1976,<br />

publica A vontade de saber, primeiro volume de sua História<br />

da sexualidade, que é menos uma obra de história <strong>do</strong> que o<br />

anúncio de uma nova problematização da sexualidade, a<br />

exposição daquilo que serviria como quadro meto<strong>do</strong>lógico<br />

para os livros seguintes, assim anuncia<strong>do</strong>s: 2. liA carne e o<br />

corpo"; 3. liA cruzada das crianças"; 4. liA mulher, a mãe e a<br />

histérica"; 5. NOS perversos"; 6. "Populações e raças". Nenhum<br />

destes livros jamais foi publica<strong>do</strong>, embora os cursos<br />

no College de France de 1973 a 1976 1 fossem abundantes em<br />

desenvolvimentos capazes de alimentar estes estu<strong>do</strong>s. Foucault<br />

não escreve estes livros, ainda que estivessem prontos,<br />

programa<strong>do</strong>s. Segue-se um silêncio de oito anos, rompi<strong>do</strong><br />

em 1984 pela publicação simultânea de O uso <strong>do</strong>s prazeres e<br />

O cuida<strong>do</strong> de si, cujas provas ele corrige algumas semanas<br />

antes de sua morte. Tu<strong>do</strong> então havia muda<strong>do</strong>, o quadro histórico-cultural<br />

e as chaves de leitura de sua história da sexualidade:<br />

não mais a modernidade <strong>do</strong> Ocidente (<strong>do</strong> século<br />

XVI ao XIX), mas a Antiguidade greco-romana; não mais uma<br />

1. "11 [aut défendre la société". Cours au ColIege de France, 1976, ed. s.<br />

dir. F. Ewald & A Fontana, por M. Bertani & A. Fontana, Paris, Gallimard/Seuil,<br />

1997; Les Anonnaux. Cours au ColIege de France, 1974-1975,<br />

ed. 5. dir. F. Ewald & A. Fontana, por V. Marchetti & A. SaIomoni, Paris,<br />

Gallimard/Seuil, 1999. Trad. bras. de Eduar<strong>do</strong> Brandão, Os anonnais.<br />

Curso no College de France (1974-1975), São Paulo, Martins Fontes, 2001.<br />

(N. <strong>do</strong>s T.)<br />

-<br />

SITUAÇÃO DO CURSO 615<br />

leitura política em termos de dispositivos de poder, mas<br />

uma leitura ética em termos de práticas de si. Não se trata<br />

mais de uma genealogia <strong>do</strong>s sistemas, mas de uma problematização<br />

<strong>do</strong> <strong>sujeito</strong>. Até mesmo o estilo de escrita estará<br />

transforma<strong>do</strong>: "Afastei-me inteiramente deste estilo [a escrita<br />

reluzente de As palavras e as coisas e de Raymond Roussel]<br />

na medida em que tinha em mente fazer uma história <strong>do</strong><br />

sujeitaZ."<br />

Foucault se referirá longamente a esta reviravolta e ao<br />

adiamento imposto à escrita (em contrapartida, multiplica as<br />

entrevistas, as conferências, os cursos; se não prossegue imediatamente<br />

em sua História da sexualidade, não interrompe<br />

nem seu trabalho nem seus compromissos), invocan<strong>do</strong> a lassitude<br />

e o tédio para com estes livros concebi<strong>do</strong>s antes de<br />

serem redigi<strong>do</strong>s'- Quan<strong>do</strong> não é mais que a realização de um<br />

programa teórico, a escrita perde sua vocação autêntica, que<br />

consiste em ser o lugar de urna experiência, de um ensaio:<br />

"Mas o que é filosofar hoje em dia - quero dizer, a atividade<br />

filosófica - se não o trabalho crítico <strong>do</strong> pensamento sobre o<br />

próprio pensamento? Se não consistir em tentar saber de<br />

que maneira e até onde seria possível pensar diferentemente<br />

em vez de legitimar o que já se sabe?4 11 Seria necessário,<br />

então, compreender aquilo que, precisamente, se transformou<br />

de 1976 a 1984. É aí que o curso de 1982 se revela decisivo,<br />

situan<strong>do</strong>-se no cerne vivo de urna mutação de problemática,<br />

de urna revolução conceitual. Mas "revolução" é, sem dúvida,<br />

demasia<strong>do</strong> rápi<strong>do</strong> para se falar <strong>do</strong> que foi antes uma<br />

2. "Le Retour de la morale" (maio 1984), in Dits et ferits, 1954-1988,<br />

ed. por D. Defert & F. Ewald, coIab. J. Lagrange, Paris, Gallimard, 1994,<br />

4 voI.; cf. Iv. nl! 354, p. 697 (<strong>do</strong>ravante: DE, voL, nl! art., p.).<br />

3. DE, IV, nl! 350: "Le Souci de la vérité" (maio de 1984), p. 668, e<br />

nl! 357: "Une esthétique de l'existence" (maio de 1984), p. 730.<br />

4. DE, rv, nl! 338: ''Usage des plaisirs et Techniques de soi" (novembro<br />

de 1983), p. 543. [Esta passagem está reproduzida na "Introdução"<br />

de O uso <strong>do</strong>s prazeres, op. cit., p. 13. (N. <strong>do</strong>s T.)]

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