15.04.2013 Views

A hermenêutica do sujeito - OUSE SABER!

A hermenêutica do sujeito - OUSE SABER!

A hermenêutica do sujeito - OUSE SABER!

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

590 A HERMENtUTICA DD SUJEITO<br />

cessou de ser pensa<strong>do</strong> para tomar-se conheci<strong>do</strong>, medi<strong>do</strong>,<br />

<strong>do</strong>mina<strong>do</strong>, graças a alguns instrumentos e objetivos que caracterizavam<br />

a tékhne, ou as diferentes técnicas. Pois bem, se<br />

a forma de objetividade própria ao pensamento ocidental<br />

constituiu-se quan<strong>do</strong>, no declínio <strong>do</strong> pensamento, o mun<strong>do</strong><br />

foi considera<strong>do</strong> e manipula<strong>do</strong> por uma tékhne, podemos<br />

então dizer mais. É que a forma de subjetividade própria ao<br />

pensamento ocidental, se interrogada naquilo que é, em<br />

seu próprio fundamento, constituiu -se por um movimento<br />

inverso: constituiu -se no dia em que o bíos cessou de ser o<br />

que tinha si<strong>do</strong> por tanto tempo para o pensamento grego, a<br />

saber, o correlato de uma tékhne; quan<strong>do</strong> o bíos (a vida) cessou<br />

de ser o correlato de uma tékhne para tomar-se a forma<br />

de uma prova de si.<br />

Em <strong>do</strong>is senti<strong>do</strong>s devemos entender que o bíos", a vida<br />

- quero dizer, a maneira pela qual o mun<strong>do</strong> se apresenta<br />

imediatamente a nós no decorrer de nossa existência -, seja<br />

uma prova. Prova no senti<strong>do</strong> de experiência, ou seja, no senti<strong>do</strong><br />

de que o mun<strong>do</strong> é reconheci<strong>do</strong> como sen<strong>do</strong> aquilo<br />

através <strong>do</strong> que fazemos a experiência de nós mesmos, aquilo<br />

através <strong>do</strong> que nos conhecemos, nos descobrimos, nos<br />

revelamos a nós mesmos. E prova no senti<strong>do</strong> de que este<br />

mun<strong>do</strong>, este bíos, é também um exercício, ou seja, é aquilo<br />

a partir <strong>do</strong> que, através, a despeito ou graças a que iremos<br />

nos formar, nos transformar, caminhar em direção a uma meta<br />

ou uma salvação, seguir ao encontro de nossa própria perfeição.<br />

Penso que o fato de que o mun<strong>do</strong>, através <strong>do</strong> bíos, tenha<br />

se toma<strong>do</strong> esta experiência pela qual nos conhecemos<br />

e este exercício pelo qual nos transformamos ou nos salvamos,<br />

constituiu uma transformação, uma importante mutação<br />

relativamente ao que era o pensamento grego clássico,<br />

a saber, que o bíos devia ser objeto de uma tékhne, isto é, de<br />

uma arte razoável e racional. Vemos cruzarem-se assim, em<br />

perío<strong>do</strong>s, direções e movimentos diferentes, <strong>do</strong>is processos:<br />

em um deles o mun<strong>do</strong> cessou de ser pensa<strong>do</strong> para ser conheci<strong>do</strong><br />

através de uma tékhne; no outro, o bíos cessou de ser<br />

o objeto de uma tékhne para tomar-se o correlato de uma<br />

AUlA DE 24 DE MARÇO DE 1982 591<br />

prova, de uma experiência, de um exercício. Parece que aí se<br />

encontra o enraizamento da questão que no Ocidente foi<br />

posta à filosofia ou, se quisermos, o desafio <strong>do</strong> pensamento<br />

ocidental à filosofia como discurso e como tradição. É este<br />

o desafio: De que mo<strong>do</strong> aquilo que se oferece como objeto<br />

de saber articula<strong>do</strong> pelo <strong>do</strong>mínio da tékhne pode ser ao mesmo<br />

tempo o lugar em que se manifesta, em que se experimenta<br />

e onde dificilmente se realiza a verdade <strong>do</strong> <strong>sujeito</strong><br />

que somos? De que mo<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>, que se oferece como<br />

objeto de conhecimento pelo <strong>do</strong>mínio da tékhne pode ser ao<br />

mesmo tempo o lugar em que se manifesta e em que se experimenta<br />

o "eu" como <strong>sujeito</strong> ético da verdade? E se é este<br />

o problema da filosofia ocidental - de que mo<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong><br />

pode ser objeto de conhecimento e ao mesmo tempo lugar<br />

de prova para o <strong>sujeito</strong>; de que mo<strong>do</strong> pode haver um <strong>sujeito</strong><br />

de conhecimento, que se oferece o mun<strong>do</strong> como objeto<br />

através de uma tékhne, e um <strong>sujeito</strong> de experiência de si, que<br />

se oferece este mesmo mun<strong>do</strong>, mas na forma, radicalmente<br />

diferente, de lugar de prova? - se é este o desafio da filosofia<br />

ocidental, compreendemos então por que a Fenomenologia<br />

<strong>do</strong> espírito é o ápice desta filosofia *. E isto enfim para este<br />

ano. Obriga<strong>do</strong>.<br />

li- o manuscrito traz aqui uma frase de conclusão que Foucault deixa<br />

de pronunciar: "E se a tarefa deixada pela Aufkliirung (que a Fenomenologia<br />

conduz ao absoluto) consiste em interrogar sobre aquilo em que<br />

se assenta nosso sistema de saber objetivo, ela consiste também em interrogar<br />

aquilo em que se assenta a modalidade da experiência de si."<br />

"'"<br />

l

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!