A hermenêutica do sujeito - OUSE SABER!
A hermenêutica do sujeito - OUSE SABER!
A hermenêutica do sujeito - OUSE SABER!
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
I<br />
468 A HERMENtUTlCA DO SUJEITO<br />
coletânea <strong>do</strong> congresso da associação Budé consagra<strong>do</strong> ao<br />
epicurismo. O congresso ocorreu em 1968 e Gigante fez uma<br />
análise muito precisa <strong>do</strong> Peri parrhesÍas. Tatean<strong>do</strong> um pouco<br />
o texto e seguin<strong>do</strong> o comentário de Gigante, vejamos aproximadamente<br />
o que podemos dizer a este respeito.<br />
Eis a tese de Gigante. Diz ele: a parrhesÍa é apresentada<br />
por Filodemo como sen<strong>do</strong> uma tékhne. E acrescenta em<br />
seguida: notemos que o texto de Filodemo não menciona o<br />
termo tékhne. Entretanto, diz ele, há um elemento que parece<br />
indicar que realmente é a uma arte (uma tékhne) que<br />
Filodemo se refere. Com efeito, encontramos em um fragmento,<br />
que não está completo, a expressão stokhazómenos.<br />
Filodemo diz precisamente: "O homem sábio e filósofo aplica<br />
o franco-falar (a parrhesÍa) na medida em que raciocina<br />
conjeturan<strong>do</strong> por meio de argumentos plausíveis e sem rigidez.""<br />
Ora, sabemos que há uma antiga oposição, tradicional<br />
ao menos desde Aristóteles, [entre] <strong>do</strong>is tipos de arte: as<br />
artes de conjectura e as artes de méto<strong>do</strong>. A arte conjecturaI<br />
é uma arte que procede precisamente por argumentos que<br />
são meramente verossímeis e plausíveis; isto, por conseguinte,<br />
abre a possibilidade, para quem os utiliza, de não<br />
seguir uma regra, e uma regra única, mas de tentar atingir<br />
a verdade verossímil por meio de uma série de argumentos<br />
que se justapõem sem que haja necessidade de uma ordem<br />
necessária e única; por sua vez, toda arte metódica (methodikej<br />
implica, primeiramente, que se alcance, como resulta<strong>do</strong>,<br />
uma verdade certa e bem estabelecida, mas à custa de<br />
um percurso, uma via que só pode ser uma via única. Portanto,<br />
pode-se supor que o uso da palavra stokhazómenos (<strong>do</strong><br />
verbo conjecturar)36 parece reportar-se à existência de uma<br />
arte, ou à oposição entre a arte conjectural e a arte metódica''.<br />
Segun<strong>do</strong> o texto de Filodemo, sobre o que se assenta,<br />
afinal, esta arte conjecturaI? Pois bem, precisamente sobre a<br />
consideração <strong>do</strong> kairós, da circunstância 38 . Também aqui está<br />
presente a fidelidade à lição aristotélica. Também para Aristóteles,<br />
uma arte conjecturaI assenta-se sobre a consideração<br />
<strong>do</strong> kairós. E, diz Filodemo, deve-se efetivamente ter mui c<br />
.<br />
AULA DE 10 DE MARÇO Df 1982 469<br />
tos cuida<strong>do</strong>s ao dirigir-se aos discípulos; deve-se retardar<br />
tanto quanto possível as ocasiões de intervir entre eles.<br />
Porém, sem jamais retardá-las demasiadamente. Deve-se<br />
escolher exatamente o bom momento. Deve-se também ter<br />
em conta o esta<strong>do</strong> de espírito daquele a quem se dirige, pois<br />
pode-se fazer sofrer os jovens quan<strong>do</strong> admoesta<strong>do</strong>s em público<br />
de maneira demasia<strong>do</strong> severa. Pode-se também fazê-lo,<br />
e esta é a via que se deve escolher, de tal sorte que tu<strong>do</strong> se<br />
passe,no prazer e na alegria (hilarôs)39. Nisto, nesta percepção<br />
da ocasião, a parrhesÍa, diz Filodemo, faz realmente pensar<br />
na arte ou na prática <strong>do</strong> navega<strong>do</strong>r e na prática <strong>do</strong> médico.<br />
Aliás, ele desenvolve o paralelismo entre a parrhesÍa fi-<br />
10sófica e a prática médica. A parrhesÍa, diz ele, é um Socorro<br />
(boétheia: lembremos que já encontramos esta noção"), é uma<br />
therapeía (uma terapêutica). A parrhesÍa deve permitir cuidar<br />
como convém. O sophós é um bom médico 41 . Enfim, encontramos<br />
nestes fragmentos de Filodemo um elemento que<br />
é novo em relação a tu<strong>do</strong> o que acabo de lhes dizer, e que pudemos<br />
já perceber na definição negativa da parrhesÍa oposta<br />
tanto à lisonja quanto à retórica. Este elemento novo, positivo<br />
e importante encontra-se no fragmento 25 de Filodemo.<br />
A tradução <strong>do</strong> texto assim exprime: pelo franco-falar (a parrhesía)<br />
incitamos, intensificamos, animamos de certo mo<strong>do</strong><br />
a benevolência (eúnoia) <strong>do</strong>s alunos uns para com os outros<br />
graças ao fato d" se ter faladÇ> livremente". Há neste texto,<br />
'a meu ver, algo importante. E, se quisermos, a oscilação da<br />
parrhesÍa (<strong>do</strong> franco-falar). Como vemos, trata-se de um franco-falar<br />
pelo qual se incita os alunos a isto ou àquilo. Portanto,<br />
trata -se <strong>do</strong> franco-falar, da parrhesÍa, <strong>do</strong> mestre que deve<br />
agir sobre os discípulos, incitá-los a algo: "intensificar" algo.<br />
Mas intensificar e animar o quê? A benevolência <strong>do</strong>s alunos<br />
uns para com os outros graças ao fato de se ter fala<strong>do</strong> livremente.<br />
Isto é, graças ao fato de que os próprios alunos terão<br />
fala<strong>do</strong> livremente, e que assim uma benevolência recíproca,<br />
de uns para com os outros, estará assegurada e aumentada.<br />
Há, portanto, neste texto, o sinal de uma passagem<br />
da parrhesÍa <strong>do</strong> mestre à parrhesÍa <strong>do</strong>s próprios alunos.<br />
._-'