A hermenêutica do sujeito - OUSE SABER!
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A HERMENtUTICA DO SUJEITO<br />
_ Em certo senti<strong>do</strong>, sim. Só que minha resposta não<br />
pode ser a mesma em um caso ou no outro. Pois, em um<br />
caso, a resposta a ser dada deveria ocupar-se comigo. Quero<br />
dizer: eu deveria interrogar-me sobre o que faço. No outro,<br />
deveria interrogar Lacan e saber o que, efetivamente, na prática,<br />
em um campo conceitual como o da psicanálise, e da<br />
psicanálise lacaniana, conceme, de um mo<strong>do</strong> ou outro, a esta<br />
problemática <strong>do</strong> <strong>sujeito</strong>, à relação <strong>do</strong> <strong>sujeito</strong> consigo mesmo,<br />
à relação <strong>do</strong> <strong>sujeito</strong> com a verdade, etc., tal como foi historicamente<br />
constituída nesta longa genealogia que tento recompor,<br />
desde o Alcibíades até Santo Agostinho. Assim,<br />
gostaria que ...<br />
_ Excluamos o <strong>sujeito</strong>. E tenhamos em conta simplesmente<br />
os conceitos lacanianos. Consideremos a função <strong>do</strong>s conceitos lacaníanos<br />
...<br />
- No meu discurso?<br />
- Sim.<br />
_ Se é assim, então lhe responderia que cabe a você<br />
dizê-lo. As idéias que estão naquilo que exponho, nem posso<br />
dizer por trás <strong>do</strong> que digo, de tal mo<strong>do</strong> estão à frente, mostram,<br />
a despeito de tu<strong>do</strong>, da maneira mais manifesta, o que<br />
quero fazer. Ou seja: tentar recolocar, no interior de um campo<br />
histórico tão precisamente articula<strong>do</strong> quanto possível, o<br />
conjunto daquelas práticas <strong>do</strong> <strong>sujeito</strong> que se desenvolveram<br />
desde a época helenística e romana até hoje. E acredito que,<br />
se não retomarmos a história das relações entre <strong>sujeito</strong> e<br />
verdade <strong>do</strong> ponto de vista <strong>do</strong> que chamo, de mo<strong>do</strong> geral, as<br />
técnicas, tecnologias, práticas, etc., que as compuseram e regrafam,<br />
compreenderemos mal o que se passa com as ciências<br />
humanas e, se quisermos usar este termo, com a psicanálise<br />
em particular. Em certo senti<strong>do</strong>, pois, é disto que falo.<br />
Agora, o que há de Lacan no meu mo<strong>do</strong> de abordar, sem<br />
dúvida, repito, não me cabe dizer. Não saberia dizê-lo.<br />
_ Quan<strong>do</strong> o senhor diz, por exemplo, "isto é verdadeiro" e<br />
"isto não é verdadeiro ao mesmo tempo", este "não verdadeiro"<br />
não teria, afinal, uma função econômica?<br />
-Você quer dizer o quê? [risos]<br />
-1<br />
AULA DE 3 DE FEVEREIRO DE 1982<br />
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- Que, como pressuposto disto (que: o que é dito não é verdadeiro,<br />
como há pouco), não haveria a função implícita de conceitos<br />
lacanianos que vêm, precisamente, trazer esta espécie de<br />
distância entre o que é dito e o que não é ainda, ou talvez, não é<br />
jamais dito?<br />
- Pode-se chamar de lacaniano, pode-se chamar de<br />
nietzscheano também. Enfim, toda problemática da verdade<br />
como jogo, digamos, conduz, com efeito, a este gênero de discurso.<br />
Bem, tomemos as coisas de outro mo<strong>do</strong>. Digamos o<br />
seguinte: não foram tantas as pessoas que, nos últimos anos<br />
- diria, no século XX -, colocaram a questão da verdade. Não<br />
foram tantas as pessoas que perguntaram: o que se passa<br />
com o <strong>sujeito</strong> e com a verdade? E: qual é a relação <strong>do</strong> <strong>sujeito</strong><br />
com a verdade? O que é o <strong>sujeito</strong> da verdade, o que é o<br />
<strong>sujeito</strong> que diz a verdade, etc.? Quanto a mim, só vejo duas:<br />
Heidegger e Lacan. Pessoalmente, como vocês devem ter<br />
percebi<strong>do</strong>, é antes <strong>do</strong> la<strong>do</strong> de Heidegger e a partir de Heidegger<br />
que tentei refletir a respeito. Mas é certo que não se<br />
pode deixar de cruzar com Lacan quan<strong>do</strong> se coloca este gênero<br />
de questões. Outras questões talvez?<br />
[Passam-lhe um bilhete.]<br />
A questão é a seguinte: Na primeira aula, o senhor colocou<br />
em rivalidade o cuida<strong>do</strong> de si e o modelo cartesiano. Nas aulas<br />
seguintes, parece-me, esta rivalidade não foi mais evocada.<br />
Por quê?<br />
É curioso que você me coloque hoje esta questão, pois,<br />
de fato, havia pensa<strong>do</strong> em retomá-la um pouco, precisamente<br />
hoje, a propósito <strong>do</strong> catártico, etc. É certo que não é a questão<br />
fundamental que quero colocar. Esta, que é uma questão<br />
histórica e, ao mesmo tempo, a questão de nossa relação<br />
com a verdade, é a que, parece-me, desde Platão, desde<br />
este Alcibíades inicia<strong>do</strong>r, aos olhos da tradição platônica,<br />
de toda a filosofia, é assim colocada: a que preço posso ter<br />
acesso à verdade? Este preço é posto no próprio <strong>sujeito</strong> sob<br />
a seguinte forma: qual trabalho devo operar em mim mesmo,<br />
qual a elaboração que devo fazer de mim mesmo, qual<br />
modificação de ser devo efetuar para poder ter acesso à ver-