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A hermenêutica do sujeito - OUSE SABER!

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I<br />

Ilf<br />

I<br />

;11<br />

I,<br />

f.<br />

456<br />

A HERMENWTlCA DO SUJEITO<br />

seus limites a função que exerce? É, diz Sêneca, lembrar-se<br />

- e disto, afirma ele, tu, Lucílio não esqueças jamais - de<br />

que tu não exerces o imperium (a soberania política em sua<br />

totalidade), mas uma simples procuralio'. Portanto, a existência<br />

aqui destes <strong>do</strong>is termos técnicos é, a meu ver, muito<br />

significativa. Lucílio exerce bem o poder graças à reflexão<br />

estudiosa que acompanha o exercício de suas funções. E exerce-o<br />

bem na medida em que não se vê como um outro Príncipe'<br />

como o substituto <strong>do</strong> Príncipe, nem mesmo corno o<br />

representante global <strong>do</strong> poder total <strong>do</strong> Príncipe. Exerce seu<br />

poder como um ofício, defini<strong>do</strong> pelo cargo que lhe foi conferi<strong>do</strong>.<br />

Trata-se de uma simples procuratio e, diz ele, a razão<br />

pela qual tu assim consegues, graças ao otium e ao estu<strong>do</strong>,<br />

exercer tuas funções nos limites de uma procuratio e não sob<br />

a presunção de uma soberania imperial, é que, afinal, estás<br />

contente contigo mesmo, sabes satisfazer-te contigo ("tibi<br />

tecum optime convenit")10.<br />

Vemos, então, em que e como o otium estudioso pode·<br />

desempenhar o papel de delimitação da função que ele exerce.<br />

Com efeito, enquanto arte de si mesmo cujo objetivo consiste<br />

em levar o indivíduo a estabelecer consigo uma relação<br />

adequada e suficiente, ootium estudioso faz com que o indivíduo<br />

não venha a situar o seu próprio eu, sua própria subjetividade<br />

no delírio presunçoso de um poder que extrapola<br />

suas funções reais. Toda a soberania que ele exerce, situa-a<br />

em si mesmo, no interior de si mesmo, ou mais exatamente,<br />

em uma relação de si para consigo. A partir daí então, a<br />

partir desta lúcida e total soberania que exerce sobre si<br />

mesmo, poderá definir e delimitar o exercício de seu cargo<br />

somente às funções que lhe são atribuídas. Assim é, portanto,<br />

o bom funcionário romano - penso que podemos empregar<br />

este termo. Ele pode exercer seu poder como bom<br />

funcionãrio a partir justamente desta relação de si para consigo<br />

obtida pela sua própria cultura. Pois bem, diz ele, referin<strong>do</strong>-se.<br />

a Lucílio, isto tu fazes. Mas certamente há bem<br />

poucos homens capazes de fazê-lo. A maior parte deles,<br />

afirma, ou é movida pelo amor por si mesmo ou pelo des-<br />

.,<br />

,<br />

AULA DE 10 DE MARÇO DE 1982 457<br />

gosto por si. É o desgosto ou, ao contrário, o amor excessivo<br />

por si mesmo que levará alguns a se preocuparem com coisas<br />

que na realidade não valem a pena; estes são movi<strong>do</strong>s,<br />

diz ele, pela sollicitu<strong>do</strong>, a solicitude, o cuida<strong>do</strong> com coisas<br />

exteriores a si; ou então - em conseqüência <strong>do</strong> amor por si<br />

- são atraí<strong>do</strong>s pelo deleite, por to<strong>do</strong>s os prazeres com os<br />

quais se busca agradar a si mesmo. Em um caso como no<br />

outro, quer no desgosto por si mesmo e, conseqüentemente,<br />

no perpétuo cuida<strong>do</strong> relativamente aos acontecimentos que<br />

possam ocorrer, quer ao contrário no amor por si €, conseqüentemente,<br />

no apego aos deleites, de to<strong>do</strong> mo<strong>do</strong>, diz ele,<br />

estas pessoas nunca estão sós consigo mesmas ll . Nunca estão<br />

sós consigo mesmas no senti<strong>do</strong> de jamais terem consigo<br />

mesmas aquela relação plena, adequada e suficiente que<br />

faz com que não se sintam dependentes de nada, nem <strong>do</strong>s<br />

infortúnios ameaça<strong>do</strong>res, nem <strong>do</strong>s prazeres que podem encontrar<br />

ou obter ao seu re<strong>do</strong>r. É nesta insuficiência de jamais<br />

se estar só consigo mesmo, é quan<strong>do</strong> se tem desgosto<br />

ou demasia<strong>do</strong> apego a si, é nesta incapacidade de se estar<br />

só, que então acorrem o personagem <strong>do</strong> lisonjea<strong>do</strong>r e os<br />

perigos da lisonja. Nesta não-solidão, nesta incapacidade<br />

de estabelecer consigo uma relação plena, adequada, suficiente,<br />

o Outro intervém, preenchen<strong>do</strong> de algum mo<strong>do</strong> esta<br />

lacuna, substituin<strong>do</strong>, ou melhor, suprin<strong>do</strong> esta inadequação<br />

por um discurso; discurso que, justamente, não será o discurso<br />

de verdade pelo qual podemos estabelecer, cercar e<br />

encerrar nela própria a soberania que se exerce sobre si. O<br />

lisonjea<strong>do</strong>r introduzirá um discurso que é um discurso estranho,<br />

que depende justamente <strong>do</strong> outro, dele, o lisonjea<strong>do</strong>r.<br />

E este será um discurso mentiroso. Assim, pela insuficiência<br />

em que se encontra na sua relação consigo mesmo,<br />

quem é lisonjea<strong>do</strong> se acha sob a dependência <strong>do</strong> lisonjea<strong>do</strong>r,<br />

lisonjea<strong>do</strong>r que é um outro, que pode então desaparecer,<br />

transformar sua lisonja em maldade, em cilada, etc. Dependente<br />

deste outro, ele é também dependente da falsidade<br />

<strong>do</strong>s discursos sustenta<strong>do</strong>s pelo lisonjea<strong>do</strong>r. Assim, a subjetividade,<br />

como diríamos, a relação de si para consigo carac-

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