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A hermenêutica do sujeito - OUSE SABER!

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108<br />

A HERMENWTlCA DO SUJEITO<br />

Uma coisa porém é certa: após Platão e até o perío<strong>do</strong><br />

de que agora trato, não é neste ponto da vida, nesta fase<br />

conturbada e crítica <strong>do</strong> fim da a<strong>do</strong>lescência, que se afirmará<br />

a necessidade <strong>do</strong> cuida<strong>do</strong> de si. Doravante, o cuida<strong>do</strong> de si<br />

não é mais um imperativo liga<strong>do</strong> simplesmente à crise pedagógica<br />

daquele momento entre a a<strong>do</strong>lescência e a idade<br />

adulta. O cuida<strong>do</strong> de si é uma obrigação permanente que deve<br />

durar a vida toda. E não foi necessário esperar os séculos I<br />

e 11 para assim afirmá-lo. Se tomarmos, em Epicuro, to<strong>do</strong> o<br />

começo da Carta a Meneceu, leremos: "Quan<strong>do</strong> se é jovem,<br />

não se deve hesitar em filosofar e, quan<strong>do</strong> se é velho, não<br />

se deve deixar de filosofar. Nunca é demasia<strong>do</strong> ce<strong>do</strong> nem demasia<strong>do</strong><br />

tarde para ter cuida<strong>do</strong>s com a própria alma. Quem<br />

disser que não é ainda ou não é mais tempo de filosofar assemelha-se<br />

a quem diz que não é ainda ou não é mais tempo<br />

de alcançar a felicidade. Logo, deve-se filosofar quan<strong>do</strong><br />

se é jovem e quan<strong>do</strong> se é velho, no segun<strong>do</strong> caso [quan<strong>do</strong> se<br />

é.velho, portanto; M.F.] para rejuvenescer no contato com o<br />

bem, para a lembrança <strong>do</strong>s dias passa<strong>do</strong>s, e no primeiro<br />

caso [quan<strong>do</strong> se é jovem; M.F.] a fim de ser, embora jovem,<br />

tão firme quanto um i<strong>do</strong>so diante <strong>do</strong> futuro!'." Como vemos,<br />

este texto é realmente muito denso, comportan<strong>do</strong> uma série<br />

de elementos que seria preciso examinar mais de perto.<br />

Gostaria apenas de destacar alguns deles. Vemos, é claro, a<br />

assimilação entre "filosofar" e "ter cuida<strong>do</strong>s com a própria<br />

alma"; vemos que o objetivo proposto à atividade de filosofar,<br />

de ter cuida<strong>do</strong>s com a própria alma, é o alcance da felicidade;<br />

que esta atividade de ter cuida<strong>do</strong>s com a própria alma<br />

deve ser praticada em to<strong>do</strong>s os momentos da vida, quan<strong>do</strong><br />

se é jovem e quan<strong>do</strong> se é velho. Entretanto, com duas funções<br />

diferentes: quan<strong>do</strong> se é jovem trata-se de preparar-se<br />

_ é a famosa paraskheué de que lhes falarei mais tarde, tão<br />

importante nos epicuristas quanto nos estóicos 20<br />

- para a<br />

vida, annar-se, equipar-se para a existência; e no caso da velhice,<br />

filosofar é rejuvenescer, isto é, voltar no tempo ou, pelo<br />

menos, desprender-se dele, e isto graças a uma atividade de<br />

"<br />

AULA DE 20 DE JANEIRO DE 1982 109<br />

memorização que, para os epicuristas, é a rememoração <strong>do</strong>s<br />

momentos passa<strong>do</strong>s. Tu<strong>do</strong> isto nos coloca, de fato, no cerne<br />

desta atividade, da prática <strong>do</strong> cuida<strong>do</strong> de si; mas voltarei<br />

depois aos diferentes elementos deste texto. Assim, para<br />

Epicuro, como vemos, deve-se filosofar to<strong>do</strong> o tempo,<br />

deve-se incessantemente ocupar-se consigo.<br />

Se tomarmos agora os textos estóicos, encontraremos<br />

a mesma coisa. Dentre centenas, citarei apenas o de Musonius<br />

Rufus, segun<strong>do</strong> o qual é cuidan<strong>do</strong>-se sem parar (aei<br />

therapeúontes) que se pode salvar-se'I Ocupar-se consigo,<br />

portanto, é ocupação de toda uma vida, de toda a vida. De<br />

fato, se observarmos no perío<strong>do</strong> de que lhes falo a maneira<br />

como se praticou o cuida<strong>do</strong> de si, perceberemos que é realmente<br />

uma atividade de toda a vida. Podemos mesmo dizer<br />

que se trata de uma atividade <strong>do</strong> adulto e que o centro de<br />

gravidade, o eixo temporal privilegia<strong>do</strong> no cuida<strong>do</strong> de si, longe<br />

de estar no perío<strong>do</strong> da a<strong>do</strong>lescência, está, ao contrário,<br />

no meio da idade adulta; talvez até, como veremos, mais no<br />

final da idade adulta <strong>do</strong> que no final da a<strong>do</strong>lescência. De<br />

qualquer mo<strong>do</strong>, não estamos mais naquela paisagem de jovens<br />

ambiciosos e ávi<strong>do</strong>s que, na Atenas <strong>do</strong>s séculos V-Iv,<br />

buscavam exercer o poder; lidamos agora com um pequeno<br />

mun<strong>do</strong>, ou um grande mun<strong>do</strong> de homens jovens, ou homens<br />

em plena maturidade, homens que hoje consideraríamos<br />

velhos, que se iniciam, encorajam -se uns aos outros,<br />

empenham-se, quer sozinhos quer coletivamente, na prática<br />

de si.<br />

Vejamos alguns exemplos. Nas práticas de tipo individual,<br />

tomemos as relações entre Sêneca e Serenus, quan<strong>do</strong><br />

Serenus consultan<strong>do</strong> Sêneca no começo <strong>do</strong> De tranquillitate<br />

escreve - supostamente ele ou talvez ele mesmo - uma carta<br />

a Sêneca na qual relata seu esta<strong>do</strong> de alma e pede a Sêneca<br />

que lhe dê conselhos, emita um diagnóstico e faça para<br />

com ele, de certa maneira, o papel de médico da alma". Ora,<br />

este Serenus, a quem fora igualmente dedica<strong>do</strong> o De constantia<br />

e, provavelmente, tanto quanto sabemos, o De otio",

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