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A hermenêutica do sujeito - OUSE SABER!

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102<br />

A HERMENtUTICA DO SUJEITO<br />

ocupar-se consigo mesmo? O texto <strong>do</strong> Alcibíades é totalmente<br />

claro: devem ocupar-se consigo mesmos os jovens aristocratas<br />

destina<strong>do</strong>s a exercer o poder. É claro no Alcibíades,<br />

embora não possa afirmar que assim é nos outros textos de<br />

Platão, nem mesmo nos outros diálogos socráticos. Neste<br />

texto, porém, é Alcibíades enquanto jovem aristocrata, alguém<br />

que, por status, deve um dia dirigir a cidade, e são<br />

pessoas como ele que devem ocupar-se consigo mesmos. A<br />

segunda determinação, ligada evidentemente à primeira, é<br />

que o cuida<strong>do</strong> de si tem um objetivo, uma justificação precisa:<br />

trata-se de ocupar-se consigo a fim de poder exercer o<br />

poder ao qual se está destina<strong>do</strong>, como se deve, sensatamente,<br />

virtuosamente. Enfim, terceira limitação, claramente<br />

exposta no final <strong>do</strong> diálogo, o cuida<strong>do</strong> de si tem como forma<br />

principal, senão exclusiva. o conhecimento de si: ocupar-se<br />

consigo é conhecer-se. Ora, creio que se pode ainda dizer,<br />

fazen<strong>do</strong> um sobrevôo esquemático, que estas três conclições<br />

vão romper-se quan<strong>do</strong> nos situarmos na época de que<br />

lhes preten<strong>do</strong> falar, isto é, nos séculos 1-Il da nossa era.<br />

Quan<strong>do</strong> digo que se rompem, não quero com isto significar,<br />

e o enfatizo de uma vez por todas, que se rompem naquele<br />

momento como se algo de brutal e súbito tivesse ocorri<strong>do</strong><br />

no perío<strong>do</strong> d" instalação <strong>do</strong> Império, de mo<strong>do</strong> que o<br />

cuida<strong>do</strong> de si, de repente e de vez, a<strong>do</strong>tasse novas formas.<br />

Na realidade, é ao cabo de uma longa evolução, já perceptível<br />

no interior da obra de Platão, que estas diferentes condições<br />

<strong>do</strong> cuida<strong>do</strong> de si, expostas no Alcibíades, finalmente<br />

desapareceram. Esta evolução, já sensível em Platão, prossegue<br />

ao longo de toda a época helenística, ten<strong>do</strong> como<br />

elemento porta<strong>do</strong>r e, em grande parte sob o seu efeito, todas<br />

aquelas filosofias cínica, epicurista, estóica, que se apresentaram<br />

como artes de viver. Todavia, permanece o fato de<br />

que na época em que preten<strong>do</strong> me situar, as três determinações<br />

(ou condições) que, no Alcibíades, caracterizavam a<br />

necessidade de cuidar de si, desapareceram. À primeira vista,<br />

pelo menos, parece que desapareceram.<br />

If<br />

AULA DE 20 DE JANEIRO DE 1982 103<br />

Primeiro, ocupar-se consigo tomou-se um princípio geral<br />

e incondicional, um imperativo que se impõe a to<strong>do</strong>s,<br />

durante to<strong>do</strong> o tempo e sem condição de status. Segun<strong>do</strong>, a<br />

razão de ser de ocupar-se consigo não é mais uma atividade<br />

bem particular, a que consiste em governar os outros.<br />

Parece que ocupar-se consigo não tem por finalidade última<br />

este objeto particular e privilegia<strong>do</strong> que é a cidade, pois,<br />

se se ocupa consigo agora, é por si mesmo e com finalidade<br />

em si mesmo. Para esquematizar, acrescentemos ainda<br />

que, na análise <strong>do</strong> Alcibíades, o eu - e nisto o texto é bem<br />

claro, pois esta era a questão várias vezes repetida: qual o<br />

eu com que se deve ocupar-se, qual é meu eu com que devo<br />

ocupar-me? - estava muito claramente bem defini<strong>do</strong> como<br />

o objeto <strong>do</strong> cuida<strong>do</strong> de si, fazen<strong>do</strong>-se necessário interrogar<br />

sobre a natureza deste objeto. Porém, a finalidade <strong>do</strong> cuida<strong>do</strong><br />

de si, não o objeto, era outra coisa. Era a cidade. Sem dúvida,<br />

na meclida em que quem governa faz parte da cidade,<br />

também ele, de certo mo<strong>do</strong>, é finalidade de seu próprio cuida<strong>do</strong><br />

de si e, nos textos <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> clássico, encontra -se<br />

com freqüência a idéia de que o governante deve, como convém'<br />

aplicar-se a governar, para salvar a si mesmo e a cidade<br />

- a si mesmo enquanto parte da cidade. Entretanto, pode-se<br />

dizer que no tipo de cuida<strong>do</strong> de si <strong>do</strong> Alcibíades temos uma<br />

estrutura um pouco complexa na qual o objeto <strong>do</strong> cuida<strong>do</strong><br />

é o eu, mas a finalidade é a cidade, onde o eu está presente<br />

a título apenas de elemento. A cidade mecliatizava a relação<br />

de si para consigo, fazen<strong>do</strong> com que o eu pudesse ser tanto<br />

objeto quanto finalidade, finalidade contu<strong>do</strong> unicamente porque<br />

havia a mediação da cidade. Agora, porém, creio que<br />

podemos dizer - e tentarei lhes mostrar - que, no cuida<strong>do</strong><br />

de si da forma como foi desenvolvi<strong>do</strong> pela cultura neoc1ássica<br />

no florescimento da idade de ouro imperial, o eu aparece<br />

tanto como objeto <strong>do</strong> qual se cuida, algo com que se<br />

deve preocupar, quanto, principalmente, como finalidade que<br />

se tem em vista ao cuidar-se de si. Por que se cuida de si?<br />

Não pela cidade. Por si mesmo. Quer dizer, a forma reflexi-<br />

:1·,

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