15.04.2013 Views

A hermenêutica do sujeito - OUSE SABER!

A hermenêutica do sujeito - OUSE SABER!

A hermenêutica do sujeito - OUSE SABER!

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

96 A HERMENtUTICA DO SUJEITO<br />

pIo, a terceira ou a quarta sátira de Perseu, percebemos que<br />

ele evoca seu mestre Comutus inteiramente como amante<br />

15 ; a correspondência de Frontão com Marco Aurélio assim<br />

como a de Marco Aurélio com Frontão é uma correspondência<br />

de amante e ama<strong>do</strong>16. O problema é pois muito mais extenso<br />

e difícil.<br />

Digamos então, se quisermos, que estes temas (relação<br />

com a erótica, relação com a pedagogia, relação com a política)<br />

estarão sempre presentes, mas com uma série de deslocamentos<br />

que constituem a própria história <strong>do</strong> cuida<strong>do</strong><br />

de si na civilização pós-clássica. Portanto, se podemos dizer<br />

que, pelos problemas que coloca, o Alcibíades descerra uma<br />

longa história, mostra ao mesmo tempo qual é, no decurso<br />

deste perío<strong>do</strong>, a solução propriamente platônica ou propriamente<br />

neoplatônica que será fornecida a estes problemas.<br />

Nesta medida, o Alcibíades não dá testemunho nem faz<br />

uma antecipação da história geral <strong>do</strong> cuida<strong>do</strong> de si, mas da<br />

forma estritamente platônica que ele toma. Com efeito, parece-me<br />

que o que caracterizará o cuida<strong>do</strong> de si na tradição<br />

platônica e neoplatônica é, por um la<strong>do</strong>, que o cuida<strong>do</strong> de<br />

si encontra sua forma - forma esta, senão única, ao menos<br />

absolutamente soberana - e sua realização no conhecimento<br />

de si. Em segun<strong>do</strong> lugar, igualmente característico da corrente<br />

platônica e neoplatônica, será o fato de que este conhecimento<br />

de si, como expressão maior e soberana <strong>do</strong> cuida<strong>do</strong><br />

de si, dá acesso à verdade e à verdade em geral. Finalmente,<br />

em terceiro lugar, será característico da forma platônica e<br />

neoplatônica <strong>do</strong> cuida<strong>do</strong> de si, o fato de que o acesso à verdade<br />

peTInite, ao mesmo tempo, reconhecer o que pode haver<br />

de divino em si. Conhecer-se, conhecer o divino, reconhecer<br />

o divino em si mesmo, é fundamental, creio, na forma<br />

platônica e neoplatônica <strong>do</strong> cuida<strong>do</strong> de si. Não encontraremos<br />

estes elementos - em to<strong>do</strong> caso, não assim distribuí<strong>do</strong>s<br />

e organiza<strong>do</strong>s - nas outras formas [<strong>do</strong> cuida<strong>do</strong> de si],<br />

epicurista, estóica e mesmo pitagórica, a despeito de todas<br />

as interferências que possam depois ter ocorri<strong>do</strong> entre os<br />

movimentos neopitagóricos e neoplatônicos.<br />

;1<br />

AULA DE 13 DE JANEIRO DE 1982 97<br />

Deste mo<strong>do</strong>, creio ser possível, a partir daí, compreender<br />

certos aspectos <strong>do</strong> grande "para<strong>do</strong>xo <strong>do</strong> platonismo" na história<br />

<strong>do</strong> pensamento, não apenas na história <strong>do</strong> pensamento<br />

antigo como também na história <strong>do</strong> pensamento europeu,<br />

pelo menos até o século XVII. Vejamos o para<strong>do</strong>xo. De<br />

um la<strong>do</strong>, o platonismo foi o fermento, e pode-se mesmo dizer<br />

o principal fennento, de movimentos espirituais diversos,<br />

na medida em que, com efeito, ele concebia o conhecimento<br />

e o acesso à verdade somente a partir de um conhecimento<br />

de si que era reconhecimento <strong>do</strong> divino em si mesmo.<br />

Por isto, vemos bem, para o platonismo, o conhecimento, o<br />

acesso à verdade só se poderia fazer nas condições de um<br />

movimento espiritual da alma em relação consigo e com o<br />

divino: relação com o divino porque em relação consigo, relação<br />

consigo porque em relação com o divino. Esta relação<br />

consigo e com o divino, relação consigo mesmo como divino<br />

e relação com o divino como si mesmo foi, para o platonismo,<br />

uma das condições de acesso à verdade. Nesta medida,<br />

compreende-se quanto ele tenha si<strong>do</strong>, constantemente, o<br />

fermento, o solo, o clima, a paisagem de uma série de movimentos<br />

espirituais, em cujo cerne, sem dúvida, ou em cujo<br />

ápice, se quisermos, ocorreram to<strong>do</strong>s os movimentos gnósticos.<br />

Mas vemos, ao mesmo tempo, quanto o platonismo<br />

pôde ter si<strong>do</strong>, constantemente também, o clima de desenvolvimento<br />

<strong>do</strong> que poderíamos chamar de "racionalidade".<br />

E, na medida em que não faz senti<strong>do</strong> opor, como se fossem<br />

duas coisas de igual nível, espiritualidade e racionalidade,<br />

diria que o platonismo foi, antes, o clima perpétuo no qual<br />

se desenvolveu um movimento de conhecimento, conhecimento<br />

puro sem condição de espiritualidade, posto que é<br />

próprio <strong>do</strong> platonismo, precisamente, mostrar de que mo<strong>do</strong><br />

to<strong>do</strong> o trabalho de si sobre si, to<strong>do</strong>s os cuida<strong>do</strong>s que se deve<br />

ter consigo mesmo se se quiser ter acesso à verdade consistem<br />

em conhecer-se, isto é, em conhecer a verdade. Nesta<br />

mesma medida, conhecimento de si e conhecimento da<br />

verdade (o ato de conhecimento, o percurso e o méto<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

conhecimento em geral) vão, de certa forma, neles absorver

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!