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A hermenêutica do sujeito - OUSE SABER!

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642 A HERMENEUTlCA DO SUJEITO<br />

4. Implicações éticas <strong>do</strong> curso<br />

Já falamos muito de ética ao explorarmos as implicações<br />

filosóficas <strong>do</strong> <strong>sujeito</strong> envolvi<strong>do</strong> em práticas de si e em técnicas<br />

de existência, e gostaríamos agora de evidenciar quanto<br />

este curso tenta responder àquilo que hoje se convencionou<br />

chamar de "crise <strong>do</strong>s valores". Foucault conhecia, como qualquer<br />

um, a ladainha de que os valores morais teriam perdi<strong>do</strong><br />

sua" aura" e de que as referências tradicionais teriam ruí<strong>do</strong>.<br />

Seria demasia<strong>do</strong> afirmar que aderia a isto sem restrições e<br />

que, de sua parte, apenas havia mostra<strong>do</strong> como a moralização<br />

<strong>do</strong>s individuas reconduzia à normalização das massas. Mas<br />

o triunfo sobre a moral burguesa não nos desobrigou da interrogação<br />

ética: "Por muito tempo imaginou-se que o rigor<br />

<strong>do</strong>s códigos sexuais, na forma em que os conhecíamos, era<br />

indispensável às sociedades chamadas' capitalistas'. Ora, a revogação<br />

<strong>do</strong>s códigos e o deslocamento das proibições ocorreram,<br />

sem dúvida, mais facilmente <strong>do</strong> que se acreditava (o<br />

que parece indicar que sua razão de ser não era aquilo que<br />

acreditávamos); e o problema de uma ética enquanto forma<br />

a ser dada à conduta e à vida novamente se colocou."" Assim,<br />

o problema poderia ser coloca<strong>do</strong> nos seguintes termos: fora da<br />

moral instituída <strong>do</strong>s valores eternos <strong>do</strong> Bem e <strong>do</strong> Mal, podemos<br />

instaurar uma nova ética? A resposta de Foucault é<br />

positiva, porém indireta. É quanto a isto que devemos ter<br />

cautela. Pois, muito apressadamente faz-se de Foucault o<br />

arauto <strong>do</strong> individualismo contemporâneo cujos desvios e limites<br />

são denuncia<strong>do</strong>s. Vez ou outra ouvimos que, diante da<br />

ruína <strong>do</strong>s valores, Foucault, recorren<strong>do</strong> aos gregos, teria cedi<strong>do</strong><br />

à tentação narcísica. Teria proposto como ética compensatória<br />

uma "estética da existência", indican<strong>do</strong> a cada qual o<br />

caminho de um desenvolvimento pessoal através de uma<br />

estilização <strong>do</strong> eu, como se a suspensão de um pensamento,<br />

estagna<strong>do</strong> no "estágio estético", com to<strong>do</strong>s os seus avatares<br />

34. "Le Souci de la vérité" I art. cit., p. 674.<br />

I.<br />

r<br />

SITW!.ÇÃO DO CURSO 643<br />

narcísicos, pudesse compensar a perda <strong>do</strong> senti<strong>do</strong>. A menos<br />

que se declare que a moral de Foucault se limite a um apelo<br />

à transgressão sistemática, ou ao culto a uma marginalidade<br />

alentada. Estas generalizações são fáceis, abusivas, mas<br />

sobretu<strong>do</strong> errôneas, e de um certo mo<strong>do</strong> to<strong>do</strong> o curso de<br />

1982 é construí<strong>do</strong> no senti<strong>do</strong> oposto a estas críticas infundadas.<br />

Foucault não é Baudelaire nem Bataille. Não encontramas,<br />

em seus últimos textos, nem dandismo da singularidade<br />

nem lirismo da transgressão. Aquilo que entenderá<br />

como ética <strong>do</strong> cuida<strong>do</strong> de si helenístico e romano é não só<br />

mais difícil como também mais interessante. É uma ética da<br />

imanência, da vigilância e da distância.<br />

Inicialmente, uma ética da imanência, e encontramos<br />

. aqui aquela "estética da existência", fonte de tantos malentendi<strong>do</strong>s.<br />

O que Foucault encontra no pensamento antigo<br />

é a idéia de inscrever uma ordem na própria vida, mas uma<br />

ordem imanente, que não seja sustentada por valores transcendentais<br />

ou condicionada <strong>do</strong> exterior por normas sociais:<br />

"A moral <strong>do</strong>s gregos está centrada em um problema de escolha<br />

pessoal e de uma estética da existência. A idéia <strong>do</strong> bíos<br />

como material para uma obra de arte estética é algo que me<br />

fascina. Também a idéia de que a moral pode ser uma estrutura<br />

muito forte de existência sem estar ligada a um sistema<br />

autoritário, nem jurídico em si, nem a urna estrutura de<br />

disciplina."35 A elaboração ética de si é antes o seguinte: fazer<br />

da própria existência, deste material essencialmente mortal,<br />

o lugar de construção de uma ordem que se mantém por<br />

sua coerência interna. Mas da palavra obra devemos aqui<br />

reter mais a dimensão artesanal <strong>do</strong> que" artística". Esta ética<br />

exige exercícios, regularidades, trabalho; porém sem<br />

efeito de coerção anônima. A formação, aqui, não procede<br />

nem de uma lei civil nem de uma prescrição religiosa: "O<br />

governo de si, com as técnicas que lhe são próprias, tem lugar<br />

'entre' as instituições pedagógicas e as religiões de sal-<br />

35. "À propos de la généalogie de l'éthique", art. cit., p. 390.

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