A hermenêutica do sujeito - OUSE SABER!
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626 A HERMENEUTICA DO SUJEITO<br />
"combate", etc.). Estes estu<strong>do</strong>s apresentam diversos graus<br />
de elaboração. Muitas vezes são inteiramente reescritos.<br />
Foucault não cessava de retomá-los, e toda reorganização<br />
de conjunto conduzia a uma reescrita destes estu<strong>do</strong>s, que<br />
encontravam um novo lugar em uma nova arquitetura. Os <strong>do</strong>is<br />
<strong>do</strong>ssiês que acabamos de mencionar constihIem, sem dúvida,<br />
as principais etapas da escrita daquela obra anunciada<br />
sobre as práticas de si. É nestes <strong>do</strong>ssiês que encontramos,<br />
por exemplo, a elaboração <strong>do</strong> texto "A escrita de si", que aparecerá<br />
em Corps écrit, em fevereiro de 1983, justamente menciona<strong>do</strong><br />
por Foucault como "parte de uma série de estu<strong>do</strong>s<br />
sobre 'as artes de si mesmo'18". Os <strong>do</strong>ssiês intitula<strong>do</strong>s "Cultura<br />
de si - Rascunho" e "Os outros" contêm, por sua vez,<br />
as versões sucessivas de <strong>do</strong>is capítulos de O cuida<strong>do</strong> de si,<br />
publica<strong>do</strong> em 1984, respectivamente intitula<strong>do</strong>s: "Cultura<br />
de si", "Eu e os outros". Mas logo percebemos que Foucault<br />
procede aqui por rarefação, pois a obra editada corresponde<br />
finalmente a uma síntese de textos muito mais aprofunda<strong>do</strong>s,<br />
detalha<strong>do</strong>s e enriqueci<strong>do</strong>s com referências.<br />
Estes <strong>do</strong>ssiês incluem, portanto, páginas inteiras cuja<br />
escrita está acabada, tratan<strong>do</strong> de pontos que não receberam<br />
até hoje nenhuma inserção definitiva: nem na História da sexualidade,<br />
nem em Vits et Écrits, nem mesmo no curso de 1982<br />
aqui edita<strong>do</strong> (como, por exemplo, a noção de retiro, o conceito<br />
de paideia, a idéia de velhice, a modalidade de participação<br />
<strong>do</strong> eu na vida pública, etc.). Em três meses de curso (de<br />
janeiro a março de 1982), Foucault certamente não teve tempo<br />
de dar conta <strong>do</strong> conjunto destas pesquisas sobre as técnicas<br />
de si antigas. Situação lamentável, uma vez que numerosas<br />
passagens lançam uma luz decisiva sobre o conjunto<br />
<strong>do</strong>s últimos trabalhos, especialmente no tocante à articulação<br />
entre a ética e a política <strong>do</strong> eu. O que Foucault nos oferece<br />
à leitura nestes <strong>do</strong>ssiês permite compreender melhor o<br />
curso de 1982, assim como a pertinência da problematização<br />
18. DE, IV, n Q 329: "L'Écriture de soi" (fevereiro de 1983), p. 415.<br />
I<br />
L<br />
SITUAÇÃO DO CURSO 627<br />
da parrhesía, a partir de 1983 no College de France, como" coragem<br />
da verdade"; problemática que se inscreve, pois, na<br />
linha direta de uma série de estu<strong>do</strong>s inéditos sobre a política<br />
<strong>do</strong> eu e que só a partir desta série pode ser bem apreendida.<br />
Tentaremos, entretanto, em uma perspectiva de conjunto<br />
sobre o curso de 1982, dar conta, mesmo que parcialmente,<br />
destes inéditos tão preciosos. De to<strong>do</strong> mo<strong>do</strong>, os últimos anos<br />
de Foucault, de 1980 a 1984, foram o lugar de uma espantosa<br />
aceleração conceitual, de uma exuberante profusão de<br />
problemáticas. Nunca aquilo que Deleuze chama de velocidade<br />
<strong>do</strong> pensamento terá si<strong>do</strong> tão palpável como nestas centenas<br />
de páginas, retomadas, reescritas, quase sem rasura.<br />
2. Singularidade <strong>do</strong> curso de 1982<br />
O curso de 1982 no College de France inclui, ao menos<br />
formalmente, caracteres específicos. Ten<strong>do</strong> suprimi<strong>do</strong> o seminário<br />
de pesquisa paralelo à Aula principal, Foucault prolonga<br />
a duração de suas exposições que, pela primeira vez,<br />
estendem -se por mais de duas horas, separadas por um intervalo.<br />
Desde então, a antiga diferença entre uma aula magistral<br />
e pesquisas mais empíricas e precisas é assim eliminada.<br />
Nasce um novo estilo de ensino: menos que a exposição <strong>do</strong>s<br />
resulta<strong>do</strong>s obti<strong>do</strong>s de um trabalho, Foucault apresenta, passo<br />
a passo, e quase tatean<strong>do</strong>, a progressão de uma pesquisa.<br />
Grande parte <strong>do</strong> curso consiste, a partir daí, em uma leitura<br />
paciente de textos escolhi<strong>do</strong>s e em seu comentário literal. Vemos<br />
assim Foucault, por assim dizer, "em obra", extrain<strong>do</strong><br />
enuncia<strong>do</strong>s diretamente da simples leitura contínua, e tentan<strong>do</strong><br />
conferir-lhes de imediato uma sistematização provisória,<br />
por vezes rapidamente aban<strong>do</strong>nada. De resto, logo compreendemos<br />
que para ele nunca se trata de explicar textos,<br />
mas de inscrevê-los no interior de uma visão de conjunto<br />
sempre em movimento. Assim, quadros gerais orientam a<br />
escolha e a leitura <strong>do</strong>s textos, sem contu<strong>do</strong> instrumentalizá-los'<br />
uma vez que sua leitura pode conduzir a uma recon-