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A hermenêutica do sujeito - OUSE SABER!

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234<br />

A HERMENfUTICA DO SUJEITO<br />

dade? Este me parece ser um terna fundamental <strong>do</strong> platonismo,<br />

mas igualmente <strong>do</strong> pitagorismo, etc., e podemos dizer,<br />

creio, de toda a filosofia antiga, com a enigmática exceção<br />

de Aristóteles, o qual porém, de to<strong>do</strong> mo<strong>do</strong>, sempre constitui<br />

exceção quan<strong>do</strong> se estuda a filosofia antiga. É um traço<br />

geral, um princípio fundamental, que o <strong>sujeito</strong> enquanto tal,<br />

<strong>do</strong> mo<strong>do</strong> corno é da<strong>do</strong> a si mesmo, não é capaz de verdade.<br />

E não é capaz de verdade, contu<strong>do</strong>, a não ser que ele efetue<br />

em si mesmo certas operações, certas transformações<br />

e modificações que o tomarão capaz de verdade. Creio que<br />

este é um terna fundamental, e que nele o cristianismo muito<br />

facilmente achará seu lugar, acrescentan<strong>do</strong>-lhe, bem entendi<strong>do</strong>,<br />

um elemento novo, não encontra<strong>do</strong> na Antiguidade'<br />

a saber, que dentre as condições há a relação com o<br />

Texto e a fé em um Texto revela<strong>do</strong>, o que, evidentemente, não<br />

constava antes. Afora isto porém a idéia de uma conversão,<br />

por exemplo, corno unicamente capaz de dar acesso à verdade,<br />

é encontrada em toda a filosofia antiga. Não podemos<br />

ter acesso à verdade se não mudamos nosso mo<strong>do</strong> de<br />

ser. Minha idéia então é que, tornan<strong>do</strong> Descartes corno marco,<br />

evidentemente porém sob o efeito de toda urna série de<br />

complexas transformações, é chega<strong>do</strong> um momento em que<br />

o <strong>sujeito</strong> corno tal tomou-se capaz de verdade. É claro que o<br />

modelo da prática científica teve um papel considerável:<br />

basta abrir os olhos, basta raciocinar com sanidade, de maneira<br />

correta e, manten<strong>do</strong> constantemente a linha da evidência<br />

sem jamais afrouxá-la, e seremos capazes de verdade.<br />

Portanto, não é o <strong>sujeito</strong> que deve transformar-se. Basta que<br />

o <strong>sujeito</strong> seja o que ele é para ter, pelo conhecimento, um<br />

acesso à verdade que lhe é aberto pela sua própria estrutura<br />

de <strong>sujeito</strong>. Parece-me então ser isto que, de maneira muito<br />

clara, encontramos em Descartes, a que se junta, em Kant,<br />

se quisermos, a virada suplementar que consiste em dizer:<br />

o que não somos capazes de conhecer é constitutivo, precisamente,<br />

da própria estrutura <strong>do</strong> <strong>sujeito</strong> cognoscente, fazen<strong>do</strong><br />

com que não o possamos conhecer. Conseqüentemente,<br />

a idéia de urna certa transformação espiritual <strong>do</strong> <strong>sujeito</strong> que<br />

....i<br />

AULA DE 3 DE FEVEREIRO DE 1982 235<br />

lhe daria finalmente acesso a alguma coisa à qual não pode<br />

aceder no momento é quimérica e para<strong>do</strong>xal. Assim, a liquidação<br />

<strong>do</strong> que poderíamos chamar de condição de espiritualidade<br />

para o acesso à verdade, faz-se com Descartes e<br />

com Kant; Kant e Descartes me parecem ser os <strong>do</strong>is grandes<br />

momentos.<br />

- O que me surpreende um pouco é a impressão que se tem<br />

de que antes de Descartes só houve o fugaz aparecimento de<br />

Aristóteles, mas que não teve uma espécie de continuidade ...<br />

- Houve Aristóteles e houve - creio tê-lo menciona<strong>do</strong><br />

na primeira aula - o problema da teologia'. A teologia é precisamente<br />

um tipo de conhecimento de estrutura racional<br />

que permite ao <strong>sujeito</strong> - enquanto <strong>sujeito</strong> racional e somente<br />

enquanto <strong>sujeito</strong> racional- ter acesso à verdade de Deus,<br />

sem condição de espiritualidade. Tivemos em seguida todas<br />

as ciências empíricas (ciências da observação), etc. Tivemos<br />

as matemáticas, enfim, urna quantidade de processos com<br />

resulta<strong>do</strong>s. Isto quer dizer que a escolástica, de mo<strong>do</strong> geral,<br />

já era um esforço para revogar a condição da espiritualidade<br />

que havia si<strong>do</strong> estabelecida em toda a filosofia antiga e<br />

em to<strong>do</strong> o pensamento cristão (Santo Agostinho e assim<br />

por diante).Você percebe o que quero dizer.<br />

- Nestes <strong>do</strong>is regimes da verdade de que o senhor fala, em<br />

cuja história o momento cartesiano opera a divisão (o primeiro<br />

exigin<strong>do</strong> toda uma transformação <strong>do</strong> <strong>sujeito</strong>, etc., e o segun<strong>do</strong> em<br />

que o <strong>sujeito</strong> é por si mesmo capaz de aceder à verdade), é da mesma<br />

verdade que se trata nos <strong>do</strong>is casos? Isto é, uma verdade puramente<br />

da ordem <strong>do</strong> conhecimento e uma verdade que acarreta<br />

to<strong>do</strong> um trabalho sobre o próprio <strong>sujeito</strong>, são a mesma verdade ... ?<br />

- De mo<strong>do</strong> algum. Você tem inteira razão, pois, dentre<br />

todas as transformações ocorridas, houve aquela concernente<br />

ao que chamo de condição de espiritualidade para o acesso<br />

à verdade. Em segun<strong>do</strong> lugar: a própria transformação<br />

desta noção de acesso à verdade que torna a forma <strong>do</strong> conhecimento.<br />

E finalmente, em terceiro lugar, a própria noção de<br />

verdade. Pois, também aí, consideran<strong>do</strong> as coisas muito genericamente,<br />

ter acesso à verdade é ter acesso ao próprio

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