A hermenêutica do sujeito - OUSE SABER!
A hermenêutica do sujeito - OUSE SABER!
A hermenêutica do sujeito - OUSE SABER!
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
•<br />
214 A HERMENtUTICA DO SUJEITO<br />
gi<strong>do</strong> no senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> político, conseqüentemente, segue-selhe<br />
o GÓrgias. Por outro la<strong>do</strong>, a dimensão <strong>do</strong> catártico, da purificação<br />
de si, e temos então o Fé<strong>do</strong>n. Assim, segun<strong>do</strong> Olimpio<strong>do</strong>ro,<br />
a série deveria ser: Alcibíades; Górgias, pela filiação<br />
política; Fé<strong>do</strong>n, pela filiação catártica. '"<br />
[Retomemos estes elementos.] Inicial o privilégio <strong>do</strong><br />
"conhece-te a ti mesmo" como o próprio fundamento da filosofia,<br />
realizan<strong>do</strong>, como vemos, nesta tradição neoplatônica,<br />
a absorção <strong>do</strong> cuida<strong>do</strong> de si na forma <strong>do</strong> conhecimento<br />
de si. Primeiro, pois: privilégio <strong>do</strong> "conhece-te a ti mesmo"<br />
como forma por excelência <strong>do</strong> cuida<strong>do</strong> de si; segun<strong>do</strong>, o<br />
tema de que este" conhece-te a ti mesmo" introduz à política;<br />
terceiro, o tema de que este" conhece-te a ti mesmo" introduz<br />
também a uma catártica. Enfim, o que seria um<br />
quarto elemento: entre o político e o catártico, colocam-se<br />
alguns problemas. A relação entre o catártico e o político<br />
constitui, na tradição neoplatônica, em certo problema. Enquanto<br />
- vou mostrá-lo logo adiante - para Platão não há,<br />
na realidade, diferença de economia entre o procedimento<br />
catártico e o caminho <strong>do</strong> político, na tradição neoplatônica,<br />
em contrapartida, estas duas tendências se dissociaram, de<br />
mo<strong>do</strong> que o uso <strong>do</strong> "conhece-te a ti mesmo" para fim político<br />
e para fim catártico - ou então, o uso <strong>do</strong> cuida<strong>do</strong> de si<br />
para fim político e para fim catártico - não mais coincide,<br />
constituin<strong>do</strong> um vínculo que requer uma escolha. Isto pois,<br />
quanto à maneira como - ao menos em uma das tradições<br />
da filosofia grega, platonismo e neoplatonismo - situava -se<br />
o Alcibíades e a maneira como se lhe atribuía uma importância<br />
inicia<strong>do</strong>ra e fundamental. Pois bem, reconsideremos<br />
um pouco tu<strong>do</strong> isto, mais precisamente, o problema 1/ cuida<strong>do</strong><br />
de si" e "conhecimento de si" (que, repito, não são<br />
idênticos, mas são identifica<strong>do</strong>s na tradição platônica), bem<br />
como o problema" catártico" e "político", que são identifica<strong>do</strong>s<br />
em Platão, mas não o são mais na tradição platônica<br />
e neoplatônica.<br />
Gostaria de recordar alguns aspectos a propósito <strong>do</strong><br />
Alcibíades, que expus na primeira aula. Lembramos que,<br />
j<br />
AULA DE 3 DE FEVEREIRO DE 1982 215<br />
neste diálogo, tratava-se de mostrar que Alcibíades devia<br />
ocupar-se consigo mesmo. E por que devia oC'l:l-par-se consigo<br />
mesmo, nos <strong>do</strong>is senti<strong>do</strong>s <strong>do</strong> "por quê"? Ao mesmo<br />
tempo porque ele não sabia o que era, precisamente, o bem<br />
para a cidade e. em que consistia a concórdia <strong>do</strong>s cidadãos.<br />
E, por outro la<strong>do</strong>, a fim de poder governar a cidade, a fim de<br />
poder ocupar-se com seus concidadãos como convinha. Portanto,<br />
devia ocupar-se consigo mesmo para poder ocupar-se<br />
com os outros. Lembramos também, como lhes indiquei, que<br />
no final <strong>do</strong> diálogo, Alcibíades se comprometia a "ocuparse"(epimélesthai).<br />
Retoma a palavra que fora a de Sócrates.<br />
Diz ele: está certo, vou ocupar-me. Mas ocupar-me com o<br />
quê? Pois bem, ele não diz "vou ocupar-me comigo mesmo",<br />
mas "vou ocupar-me com a dikaiosyne (a justiça). Desnecessário<br />
lembrar que esta noção, em Platão, tem duplo<br />
campo de aplicação: a alma e a cidade lO • Portanto, quan<strong>do</strong><br />
Alcibíades seguin<strong>do</strong> a lição de Sócrates e manten<strong>do</strong> sua promessa,<br />
vier a ocupar-se com a justiça, se ocupará com sua<br />
alma, com a hierarquia interior de sua alma, com a ordem e<br />
a subordinação que deve reinar entre as partes dela; ao mesmo<br />
tempo e por isto mesmo, se tornará capaz de estar atento<br />
à cidade, de salvaguardar suas leis, a constituição (a politeía),<br />
de equilibrar, como convém, as justas relações entre os cidadãos.<br />
Ao longo de to<strong>do</strong> este texto, o cuida<strong>do</strong> de si é pois<br />
claramente instrumental em relação ao cuida<strong>do</strong> <strong>do</strong>s outros.<br />
Encontraremos uma prova de que é esta a relação definida<br />
no Alcibíades em outra imagem, de certo mo<strong>do</strong> negativa,<br />
em to<strong>do</strong> caso tardia e já esmaecida de Alcibíades: o Alcibíades<br />
<strong>do</strong> Banquete. Em meio aos convida<strong>do</strong>s que discutem,<br />
ele irrompe, já um pouco envelheci<strong>do</strong>, em to<strong>do</strong> caso<br />
completamente embriaga<strong>do</strong>. Canta os louvores de Sócrates<br />
e, enfeitiça<strong>do</strong> ainda pelas lições de Sócrates, deplora, lamenta<br />
não as ter escuta<strong>do</strong>. E afirma: a despeito de tu<strong>do</strong> o<br />
que me falta, continuo, todavia, a não ter cuida<strong>do</strong> de mim<br />
mesmo (epimélesthai emautoil), enquanto me ocupo com os<br />
assuntos <strong>do</strong>s atenienses l1 Esta frase manifestamente faz<br />
eco ao tema <strong>do</strong> Alcibíades. Ele estava comprometi<strong>do</strong>, no AI-<br />
I<br />
1