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A hermenêutica do sujeito - OUSE SABER!

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142 A HERMENtUTICA DO SUJEITO<br />

nos. Falei-lhes muitas vezes de Sêneca, Lucílio, Serenus, etc.<br />

Pertencem inteiramente a este tipo. Serenus (jovem parente<br />

provinciano que chega a Roma cheio de ambição, que<br />

tenta insinuar-se na corte de Nero) encontra seu tio ou seu<br />

parente afasta<strong>do</strong>, Sêneca, que está lá e que, por ser mais velho<br />

e já estar em uma situação importante, tem obrigações<br />

para com ele. Serenus entra então na esfera de sua amizade<br />

e é no interior desta relação de amizade semi-institucional<br />

que Sêneca lhe dará conselhos, ou antes que Serenus solicitará<br />

conselhos a Sêneca. E dentre to<strong>do</strong>s os serviços que<br />

prestou a Serenus - prestou-lhe serviços junto a Nero, serviços<br />

na corte, serviços financeiros, com certeza - Sêneca<br />

prestou-lhe o que poderíamos chamar de "um serviço de<br />

alma!'''. Serenus diz: não sei muito bem a qual filosofia me<br />

vincular, sinto-me desconfortável em minha própria pele,<br />

não sei se sou bastante ou pouco estóico, nem o que devo<br />

ou não aprender, etc. E todas estas questões são exatamente<br />

<strong>do</strong> mesmo tipo que os serviços solicita<strong>do</strong>s: a quem devo<br />

me dirigir na corte, devo postular tal cargo ou outros? Pois<br />

bem, Sêneca dá to<strong>do</strong> este conjunto de conselhos. O serviço<br />

de alma se integra à rede de amizades, <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong><br />

como se desenvolvia no interior de comunidades cultuais.<br />

Digamos pois que dispomos de <strong>do</strong>is grandes pólos:<br />

por um la<strong>do</strong>, um pólo popular, mais religioso, mais cultual,<br />

teoricamente mais rude; €, na outra extremidade, cuida<strong>do</strong>s<br />

da alma, cuida<strong>do</strong>s de si, práticas de si, que são mais individuais,<br />

mais pessoais, mais cultiva<strong>do</strong>s, mais articula<strong>do</strong>s, freqüentes<br />

nos meios mais favoreci<strong>do</strong>s e que se apóiam, em<br />

parte, nas redes de amizades. Porém, ao indicar estes <strong>do</strong>is<br />

pólos, de mo<strong>do</strong> algum quero dizer que há duas e somente<br />

duas categorias: urna, popular e rude, e outra, erudita, cultivada<br />

e amistosa. Na verdade, as coisas são muito mais complicadas!6<br />

Tomemos <strong>do</strong>is exemplos desta complicação. Um<br />

deles é o exemplo <strong>do</strong>s grupos epicuristas, grupos que não<br />

eram religiosos, mas filosóficos, e que, ao menos em sua origem'<br />

na Grécia, constituíam comunidades em grande parte<br />

populares, freqüentadas por artesãos, pequenos comercian-<br />

"<br />

AULA DE 20 DE JANEIRO DE 1982 143<br />

tes, agricultores de pouca fortuna, e que representavam<br />

uma escolha política democrática, oposta à escolha aristocrática<br />

<strong>do</strong>s grupos platônicos ou aristotélicos, implican<strong>do</strong><br />

porém, por mais populares que fossem, uma reflexão, reflexão<br />

teórica e filosófica, ou pelo menos uma aprendizagem<br />

<strong>do</strong>utrinaI importante. Isto, de resto, não impediu o mesmo<br />

epicurismo de dar lugar a círculos extraordinariamente sofistica<strong>do</strong>s<br />

e eruditos na Itália, principalmente em Nápoles!?<br />

e, por certo, em torno de Mecenas, na corte de Augusto!'.<br />

Há também outro exemplo para lhes mostrar a complexidade<br />

e a variedade de todas as dimensões institucionais<br />

<strong>do</strong> cuida<strong>do</strong> de si: é o famoso grupo <strong>do</strong>s Terapeutas descrito<br />

por Fílon de Alexandria em seu Trata<strong>do</strong> da vida contemplativa.<br />

E enigmático este grupo <strong>do</strong>s Terapeutas <strong>do</strong> qual já lhes falei<br />

porque, de fato, somente Fílon de Alexandria o menciona<br />

e, praticamente - afora alguns textos que podem ser considera<strong>do</strong>s<br />

como referências implícitas aos Terapeutas -, <strong>do</strong>s<br />

próprios textos de Filon que nos restam, só aquele fala <strong>do</strong>s<br />

Terapeutas. Tanto assim que"se presumiu que os Terapeutas<br />

não teriam existi<strong>do</strong>, tratan<strong>do</strong>-se, na realidade, da descrição<br />

ideal e utópica de uma comunidade como deveria ela ser. A<br />

crítica contemporânea - e sou absolutamente incompetente<br />

para decidir - parece supor que, de algum mo<strong>do</strong>, este gru_<br />

po realmente existiu!9. Ao cabo, as reconstituições o tornam<br />

pelo menos bastante provável. Ora, como lhes disse, este<br />

grupo <strong>do</strong>s Terapeutas era um grupo de pessoas que se haviam<br />

retira<strong>do</strong> para as re<strong>do</strong>ndezas de Alexandria, não no deserto<br />

como será a prática eremita e anacoreta cristã mais tardia<br />

20 , mas em espécies de pequenos jardins, pequenos jardins<br />

suburbanos, onde cada um dispunha de uma cela ou um<br />

quarto para morar, com espaços comunitários. Esta comunidade<br />

<strong>do</strong>s Terapeutas tinha três eixos ou três dimensões.<br />

Por um la<strong>do</strong>, práticas cultuais, religiosas, muito marcadas,<br />

mostran<strong>do</strong> quanto se tratava de um grupo religioso: prece<br />

duas vezes por dia, reunião semanal em que as pessoas<br />

eram posicionadas por idade e em que cada qual devia to-<br />

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