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A hermenêutica do sujeito - OUSE SABER!

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582 A HERMENWTICA DO SUJEITO<br />

garmos a considerar que há uma ocupação mais bela, moralmente<br />

mais válida, que poderíamos estar realizan<strong>do</strong> no<br />

momento de morrer, é esta que devemos escolher, e conseqüentemente<br />

[devemos] nos colocar na melhor situação para<br />

morrer a cada instante. Marco Aurélio escreve: cumprin<strong>do</strong><br />

cada ação como se fosse a última, ela estará assim" despojada<br />

de toda leviandade", de toda "repugnância ao império<br />

da razão", de "falsidade". Ela estará livre "de egoísmo e de<br />

ressentimento contra o destind". Assim, olhar atual, corte<br />

no fluxo <strong>do</strong> tempo, alcance da representação da ação que<br />

estamos realizan<strong>do</strong>. Em segun<strong>do</strong> lugar, a segunda possibilidade,<br />

a segunda forma de olhar sobre si que a morte permite,<br />

não é mais o olhar instantâneo e em corte, mas o olhar<br />

de retrospecção sobre o conjunto da vida. Quan<strong>do</strong> nos experimentamos<br />

como se estivéssemos no momento de morrer,<br />

podemos então lançar um rápi<strong>do</strong> olhar sobre o conjunto<br />

<strong>do</strong> que foi nossa própria vida. E a verdade, ou melhor, o<br />

valor desta vida poderá aparecer. Sêneca afirma: "Só na morte<br />

me darei conta <strong>do</strong> progresso moral que pude fazer no decurso<br />

de minha vida. Espero o dia em que serei juiz de mim<br />

mesmo e saberei se minha virtude está nos lábios ou no coração<br />

[".]. Só quan<strong>do</strong> perderes tua vida é que veremos se<br />

tu<strong>do</strong> não passou de trabalho perdi<strong>do</strong>."7 Portanto, o pensamenta<br />

sobre a morte é que permite a retrospecção e a memorização<br />

valorativa da vida. Também aqui, como vemos, a<br />

morte não é o pensamento sobre o porvir. O exercício, o<br />

pensamento sobre a morte é tão-somente um meio quer<br />

para a<strong>do</strong>tar sobre a vida um olhar que opera um corte permitin<strong>do</strong><br />

apreender o valor <strong>do</strong> presente, quer para realizar o<br />

grande circuito da memorização pelo qual totalizaremos<br />

toda a nossa vida e a faremos aparecer como ela é. É o julgamenta<br />

sobre o presente e a valorização <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> que se<br />

realizam neste pensamento sobre a morte, que justamente<br />

não deve ser um pensamento sobre o porvir, mas um pensamento<br />

sobre mim mesmo enquanto estou morren<strong>do</strong>. É isto<br />

o que brevemente pretendia lhes dizer a respeito da meléte<br />

thanátou, e que é bastante conheci<strong>do</strong>.<br />

I<br />

I<br />

!<br />

I<br />

......<br />

AULA DE 24 DE MARÇO DE 1982 583<br />

Gostaria agora de passar à outra forma de exercício que<br />

pretendia abordar, o exame de consciências Threce-me que já<br />

lhes falei sobre isto há alguns anos'. Assim, também aqui<br />

serei um pouco esquemático. Sabemos que o exame de consciência<br />

é uma antiga regra pitagórica, e que praticamente<br />

nenhum <strong>do</strong>s autores antigos que falaram a respeito deixaram<br />

de se referir aos versos de Pitágoras que, muito provavelmente,<br />

são cita<strong>do</strong>s com alguns acréscimos, mas cujo senti<strong>do</strong><br />

autêntico e primeiro parece ser apenas o seguinte: prepara<br />

-te para um sono sossega<strong>do</strong>, examinan<strong>do</strong> tu<strong>do</strong> o que<br />

fizeste durante o dia. Infelizmente eu me esqueci de trazer<br />

o textolO É preciso compreender o que significa este texto<br />

de Pitágoras: o exame de consciência tem por função principaI<br />

permitir uma purificação <strong>do</strong> pensamento antes <strong>do</strong> sono.<br />

O exame de consciência não é realiza<strong>do</strong> para julgar o que<br />

se fez. Certamente não é destina<strong>do</strong> a reatualizar uma espécie<br />

de remorso. Pensan<strong>do</strong> no que se fez, e conseqüentemente<br />

expulsan<strong>do</strong> com este pensamento o mal que pode residir em<br />

nós mesmos, nos purificaremos, toman<strong>do</strong> possível um sono<br />

tranqüilo. Esta idéia de que o exame de consciência deve<br />

purificar a alma para alcançar a pureza <strong>do</strong> sono está ligada<br />

à idéia de que o sonho é sempre um revela<strong>do</strong>r da verdade<br />

da alma": é no sonho que se pode ver se uma alma é pura<br />

ou impura, agitada ou calma. Esta é uma idéia pitagórica 12 ,<br />

que encontramos também na República 13 Ela será encontrada<br />

em to<strong>do</strong> o pensamento grego e estará presente ainda na<br />

prática e nos exercícios monásticos <strong>do</strong>s séculos IV ou V'4. O<br />

sonho é a prova da pureza da alma. Também aqui (como na<br />

meléte thanátou) é interessante que o antigo esquema <strong>do</strong><br />

exame de consciência, recomenda<strong>do</strong> por Pitágoras, assumirá<br />

nos estóicos uma significação bem diferente. Nos estóicos,<br />

o exame de consciência aparece sob duas formas, como exame<br />

da manhã e como exame da noite; aliás, segun<strong>do</strong> Porfírio,<br />

entre os pitagóricos também teria havi<strong>do</strong> um exame da<br />

manhã e um exame da noite 15 . Nos estóicos, em to<strong>do</strong> caso,<br />

vemos por exemplo o exame da manhã formula<strong>do</strong>, evoca<strong>do</strong><br />

por Marco Aurélio logo no começo <strong>do</strong> livro V <strong>do</strong>s Pensamen-

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