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NA SENDA DA IMAGEM A Representação ea Tecnologia na Arte

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como tentativa de gerar condições de trabalho sério e profundo em alter<strong>na</strong>tiva à «regressão da escuta» (cf.<br />

Adorno 1938) 11 . Para além disso, porém, o que mais devia chocar Nono em tais circunstâncias era a falta<br />

de dedicação e rigor revelada pelos intérpretes, a aparente leviandade com que eles próprios abdicavam<br />

do que poderia chamar-se uma integridade ética da escuta, pois que, se a regressão começava neles,<br />

como não havia ela de marcar o sistema de comunicação no seu todo, incluindo instituições,<br />

programadores, críticos e público em geral?<br />

Fosse, pois, fora das salas de concertos, em sistemas de comunicação alter<strong>na</strong>tivos, fosse dentro das salas<br />

de concertos, como crítica da reificação e da roti<strong>na</strong>, Nono tanto buscava contrariar a neutralidade<br />

anestética relativamente ao mundo vivido como, por outro lado — pela exigência de rigor, radicalidade<br />

da escuta e integridade ética —, fazia dialecticamente da anestética um momento mediador de<br />

desalie<strong>na</strong>ção.<br />

Entre o «jovem Prometeu» que roubou «o fogo» à «divindade darmstadtia<strong>na</strong>» (Balázs 1987: 115) e o<br />

autor de Prometeo, tragedia dell’ascolto, não há, decerto, um continuum, porque a própria trajectória de<br />

Nono se fragmenta ao fragmentar com o seu olhar retrospectivo o continuum da História, mas há uma<br />

energia disruptiva semelhante, onde tudo se renova (<strong>na</strong> experiência do compositor, no seu mundo vivido,<br />

no campo artístico, <strong>na</strong> situação política) e onde tudo, afi<strong>na</strong>l, de novo converge em mais uma tentativa de<br />

romper com a inércia do movimento — do movimento reificado em técnicas que se auto-reproduzem —<br />

para que, nesse momento de paragem, de «dialéctica em repouso», ocorra a chance do autêntico<br />

movimento.<br />

Em Prometeo, «escutem» — o apelo constantemente repetido pelos cantores — faz que a performance<br />

surja desta maneira, não só como um modelo de interacção musical (que é também interacção social),<br />

mas também como uma alegoria de interacção social e política no sentido mais abrangente,<br />

compreendendo o uso crítico e emancipatório da tecnologia. O próprio Nono tor<strong>na</strong> praticamente explícita<br />

esta relação, no sentido texto de home<strong>na</strong>gem a Enrico Berlinguer (secretário geral do PCI) publicado no<br />

Unità em 1984 12 , ano em que terminou a primeira versão de Prometeo. Fala do «saber escutar» de<br />

Berlinguer, «coisa rara hoje, em época de redundância assertiva ‘piramidal’, frequentemente levada ao<br />

máximo retumbante dos decibéis…»; da sua linguagem, que, quanto mais modulava em piani pianissmi,<br />

tanto mais era surpreendente pelos significados de que era portadora; do tentar e querer «o inédito, o<br />

fantástico, o libertador», «com visão não unívoca» duma «r<strong>ea</strong>lidade não unívoca». E compara a<br />

intervenção política de Berlinguer à mudança introduzida por Wittgenstein <strong>na</strong> filosofia: em vez de «ver<br />

um conceito de um determi<strong>na</strong>do modo», «colocar» ou mesmo «inventar outros modos de considerá-lo»,<br />

sugerir «possibilidades em que ainda não havíamos pensado», libertando-nos das «cãimbras<br />

mentais»… 13 , as quais — como afirma Nono (1984b) — tendem «a ba<strong>na</strong>lizar, a ignorar, a obstaculizar, a<br />

conde<strong>na</strong>r inovações», as possibilidades «diversas e outras», impedindo que se responda à necessidade<br />

urgente de ampliar «pensares», «conhecimentos», «análises», «sentimentos» e — numa alusão clara ao<br />

problema da alteridade num mundo cada vez mais complexo e multicultural — «convivências»…<br />

Numa época em que a escuta acurada da voz ou argumento do Outro se tornou numa raridade, em que «a<br />

voz huma<strong>na</strong>» soa em vão, em que a situação id<strong>ea</strong>l de discurso (cf. Habermas 1981) é cada vez menos<br />

actual, este apelo a escutar requer de todos — dos músicos e do ouvinte-produtor-de-sentido — a<br />

necessária consciência para explorar os infiniti possibili, para se confrontar <strong>na</strong> performance e <strong>na</strong> vida<br />

quotidia<strong>na</strong> com a proposta de Nono: nem Prometeu morreu, nem a História acabou 14 .<br />

11 Nono contrapõe o fracasso da preparação da obra em Florença à sua primeira audição absoluta em Baden-Baden<br />

(1957), pela Orquestra da Rádio do Sudoeste da Alemanha, no Festival de Do<strong>na</strong>ueschingen, com direcção de Hans<br />

Rosbaud. A parte de violino (solista) coube então a Rudolf Kolisch, aliás um dos membros-fundadores da Verein für<br />

musikalische Privataufführungen. A consciência profundíssima do seu trabalho de intérprete está bem documentada<br />

<strong>na</strong> análise da obra que então publicou (cf. Kolisch 1957).<br />

12 Berlinguer encontrava-se moribundo, <strong>na</strong> sequência de um ataque cardíaco. O texto foi publicado a 16 de Junho de<br />

1984 no órgão oficial do PCI.<br />

13 A citação de Wittgenstein é extraída, por Nono, de Aldo Gargani (1979: 5) – cf. nota dos editores in: Nono (2001:<br />

379, 399).<br />

14 Numa perspectiva oposta, que retoma em certo sentido a tese de Metzger (1981), Wilson (1992),<br />

referindo-se em geral às obras da última fase de Nono, parece fazer uma generalização abusiva quando<br />

6<br />

Copyright © ARTECH 2004 – 1º Workshop Luso-Galaico de <strong>Arte</strong>s Digitais 12 de Julho de 2004, FC - UL

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