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cinto e uma moca foram muitas vezes usados. A mãe e as irmãs procuravam que o pai<br />
não se confrontasse com ele.<br />
Acabou o curso da escola náutica e embarcou. Após algumas viagens pagou ao pai as<br />
custas do curso. Era uma tradição desse tempo e os pais assim lho exigiram.<br />
Um inebriante mundo novo até agora desconhecido para si, permitia-lhe final<strong>mente</strong> dar<br />
satisfação à sua ânsia de liberdade. Frequentava os bares das cidades onde o barco<br />
aportava. Quando vinha a casa contava na vila as suas façanhas com as mulheres que<br />
tinha conhecido.<br />
Na cidade onde nasceu conheceu Maria. Era filha de um modesto empresário da<br />
cidade. Entusiasmou-se pela farda do oficial da marinha e engravidou. O pai dela não<br />
gostou da situação e ameaçou o António para que este casasse com a filha. E<br />
casaram. Os sogros de Maria não simpatizavam muito com ela, pensavam que tinha<br />
prejudicado a carreira do filho que, no entender deles, um oficial merecia melhor<br />
partido. Por isso se tinham sacrificado tanto. Fosse como fosse não deixavam de lhe<br />
demonstrar o seu antagonismo, através de um relacionamento critico e autoritário e<br />
com constante depreciação.<br />
Meses mais tarde nasceu Carlos. Foi um parto difícil. Quando lhe trouxeram o filho<br />
para que o conhecesse mandou que o levassem de volta . Aquele não podia ser o filho<br />
dela. Ela queria uma filha. Carlos foi entregue aos cuidados dos avós paternos e<br />
maternos durante os cinco anos que se seguiram. Maria tinha de encontrar-se com o<br />
marido nos vários portos onde o navio fazia escala. Carlos brincava entre caixotes de<br />
madeira cheios de palha das louças de casa de banho que o avô materno vendia e<br />
entre as canas do milho dos campos que ficavam em frente à casa do avô paterno.<br />
Durante um tempo ficava com uns e depois trocava ficando com os outros. Na casa<br />
dos avós maternos levantava-se às três horas da manhã para ir com a avó para o<br />
mercado municipal, que ali explorava um local de venda, uma vez que não havia mais<br />
ninguém que pudesse tomar conta dele. Recorda-se de ver os carros de bois dos<br />
agricultores que se dirigiam a essa hora para o mercado, onde iam vender os seus<br />
produtos hortícolas. Os carros eram iluminados com uma lamparina de azeite por cima<br />
da canga. À tarde dormia a sesta numa cesta de vime numa loja do mercado que uma<br />
tia explorava. Quando lhe anunciavam a vinda do pai sentia-se contente e ao mesmo<br />
tempo com medo. Um dia o pai levou-o ao café da vila e disse-lhe que lhe batia se ele,<br />
em frente dos amigos do pai, não lhe chamasse tio em vez de pai. Nos primeiros cinco<br />
anos os encontros com o pai foram poucos e deles apenas guarda memórias de<br />
rejeição e de falta de afecto.<br />
Maria fica de novo grávida e resolvem alugar uma casa na cidade. Nessa altura o<br />
Carlos passou a viver com a mãe. Nasce o irmão que centra a total atenção dos pais<br />
como se esse fosse o único filho. Passados uns meses Carlos sofre uma queda do alto<br />
de um muro de vários metros de altura. Foi uma queda que quase lhe desfigurava a<br />
face. Terá sido uma forma de chamar a atenção dos pais.<br />
É que antes de viver com a mãe, o seu grande amigo era o avô materno que, com<br />
grande afecto e carinho, o levava a passear ao escorrega do jardim, ao café e até a dar<br />
passeios de carro que, nessa altura, eram mais raros. Depois que começou a viver só<br />
com a mãe tudo isso acabou. Tentaram metê-lo num colégio de freiras mas estas<br />
queixaram-se logo da sua rebeldia e não ficou.<br />
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