nessa altura. É assim normal que muitas vezes se faça do nosso parceiro de relacionamento mais intimo, o alvo de todas as nossas culpas e frustrações. Já não são necessárias flores porque não o precisamos de conquistar e uma vez que já nos conhecemos há tanto tempo já não precisamos de lhe dizer que o admiramos, como é interessante, como gostamos de estar com ele. Mas, curiosa<strong>mente</strong>, devido a esse conhecimento de longa data, também nos damos a liberdade de ter alguns direitos, como por exemplo: descarregar nele as nossas frustrações e culpabilidade e de nunca nos cansarmos de dizer à outra pessoa, que se ela fosse diferente tudo seria melhor. Algumas vezes até fazemos dela o saco físico onde despejamos a nossa ira. Similar<strong>mente</strong>, julgamos todas as situações através dos olhos do passado, do velho quadro de referências que, ainda nos faz ficar com uma impressão no estômago quando ouvimos o trovejar duma tempestade e os relâmpagos que cortam o céu. O arrependimento e as recordações são um modo de não vivermos o presente. A espera de um futuro brilhante pode resultar em experiências decepcionantes. Por exemplo, um estudante que pensa que quando acabar o seu curso será a pessoa mais feliz do mundo e que final<strong>mente</strong> começará a viver a sério, poderá ter uma grande desilusão pois, apenas inicia uma outra etapa difícil da sua vida. Terá de procurar emprego e de manter-se sem o auxilio dos pais. E quando encontra o emprego tão desejado, a sua alegria depressa se torna ansiedade quando compreende as dificuldades que o esperam para fazer uma carreira profissional. Se não vivermos o momento presente, devido a atitudes auto-punitivas, já não o voltaremos a encontrar. Nada se repete. Já é do passado. É assim que a maioria das pessoas vive a sua vida. Vejo pessoas que, nos restaurantes, vão metendo à boca, com um ar absorto, alimentos incompatíveis com um bom estado de saúde. Ao mesmo tempo recordam, uma e outra vez, o conflito que tiveram meia hora atrás com o chefe ou o trabalho que terão de entregar no dia seguinte. Não desfrutam sequer no presente o que estão a comer. Comem as suas preocupações de ontem e de amanhã. Haverá ainda os casos de pessoas que estão tão ocupadas em acumular riqueza material ou a fazer carreira, que quando se dão conta, verificam que os seus filhos são dependentes de drogas. Eles não tiveram os seus pais no presente. Os pais estavam tão preocupados com o futuro, lembrando-se constante<strong>mente</strong> das dificuldades do passado, que se esqueceram de olhar para os seus filhos no presente. Assim o futuro torna-se semelhante ao passado. Frustração e sofrimento. O único momento que existe é o agora. Quando acabo de escrever estas palavras elas já serão um acto do passado. Por isso será ridículo alguém punir-se hoje por algo que podia ter feito e não fez ou por algo que fez e errou há muitos anos atrás. O que existe está aqui e agora. O futuro está apenas no pensamento assim como o passado. Se eu não viver o presente, ou seja o agora, quando é que eu terei oportunidade de o voltar a fazer? 54
Nunca, porque esse momento já passou. Passamos muito tempo a pensar no futuro esquecendo o presente. E se o amanhã que tanto nos preocupamos em planear nem sequer vier a existir? Pessoal<strong>mente</strong> acho que devemos dizer hoje aquilo que pensávamos dizer amanhã. Porque pode não haver esse amanhã. Pre-ocupamo-nos (ocupamo-nos antes de tempo) com um futuro que ainda não existe. O presente não se repete nunca. É a impermanência. 55