12 DOS SERINGUEIROS AUTÔNOMOS - Biblioteca da Floresta

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passou a se constituir num produto estratégico da segunda Revolução Industrial na segunda metade do século XIX. Estávamos diante, portanto, de 'espaçotempos' diferentes. Por essa razão o capital interessado na monoprodução de látex se viu obrigado a buscar fora dos espaçotempos comandados por essas matrizes de racionalidade indígenocaboclas para conformar um espaçotempo próprio. Subiu, assim, os altos rios Juruá e AcrePurus onde forjou uma territorialidade própria. E, para isso, foi buscar fora da Amazônia a população necessária para a montagem de suas empresas. Essas populações, sobretudo nordestinas, não somente fugiam das secas, como uma interpretação consagrada que os vê sempre como vítimas mas, nas circunstâncias, optaram pela Amazônia e não pelo CentroSul do país onde a expansão do café se fazia com base no trabalho escravo ou na imigração de europeus com subsídios governamentais (Santos, R. 1984). Vimos que essas populações nordestinas que migraram com a perspectiva de enricar eram provenientes não do Nordeste da Casa Grande e Senzala, sedentários e submetidos a um controle presente do Senhor de Engenho, mas do Nordeste dos sertões algodoeiro pecuarista, acostumados, portanto, à mobilidade de acompanhar o rebanho, tirar o leite e trabalhar para um patrão distante, absenteísta. Vinham, sobretudo, do Ceará, primeiro a abolir a escravatura. Não sem razão, a Província do Amazonas foi a segunda. Há, assim, um forte legado históricocultural de liberdade que habita as populações amazônicas, seja por essa origem nordestina ou indígenocabocla, e que conforma seu imaginário. Desnecessário dizer que esse sentido de escapar pela floresta, subir os rios ou adentrar a terra firme, que tão bem caracteriza as matrizes de racionalidade indígenocaboclas, se desenvolveu na relação contraditória com/contra as ordens religiosas, com/contra os colonos portugueses, com/contra os regatões, com/contra os Militares, com/contra os Fazendeiros, com/contra os seringalistas, com/contra os coronéis de barranco, com/contra a burocracia civil do Estado.
O conhecimento que essas populações forjaram dos seus espaços ao longo do tempo está inscrito nas suas práticas, são saberes incorporados, é dizer, estão inscritos nos corpos, nos seus hábitos, nas suas posturas. Seus saberes não são da ordem do dizer; são de ordem prática; são da ordem do fazer. Sendo assim, não estão escritos em documentos 1 . São, todavia, saberes em grande parte exteriorizados em seu espaço construído, materialização do seu fazer e, assim, parte de seu habitat. Essas/aquelas populações que diferentes estudiosos vêm chamando de seringueir os autônomos, e que eles próprios se dizem seringueir os libertos, são portadoras desse legado históricocultural, dessas matrizes de racionalidade diferenciadas que, sob novas circunstâncias, em novas ocasiões tomarão novos sentidos. Um componente forte dessas matrizes de racionalidade é exatamente a astúcia, 'arte dos fracos' (de Certeau, 1994), de criar nas circunstâncias, nas ocasiões. Para isso não há regras ou normas prévias. É da sua natureza a imprevisibilidade. Dissemos acima, quando da análise da Territorialidade dos Coronéis de Barranco, que a referência espacial dos patr ões era o seringal e apontamos que a referência dos seringueiros era a colocação. Esse binômio seringalcolocação encerra uma identidade contraditória, assim, socialmente territorializada. O patrão que tem seu locus de poder no barracão dimensiona espacialmente o que pretende seja seu, enfim seu poder, nessa unidade de referência que é o seringal em sua totalidade o que envolve várias colocações. Organizar esse espaço implica uma logística por meio da qual realiza seu poder de ordenar, nos dois sentidos que a expressão permite aqui, o de por as coisas em ordem, organizar, e o de mandar, de dar ordens, ordenar. 1 Podese supor que essas operações multiformes e fragmetárias, relativas a ocasiões e a detalhes, insinuadas e escondidas nos aparelhos dos quais são os modos de usar, e, portanto, desprovidas de ideologias ou instituições próprias, obdecem a regras. Em outras palavras, deve haver uma lógica dessas práticas. Isto significa voltar ao problema, já antigo, do que é uma arte ou ‘maneira de fazer. Dos gregos a Durkheim, passando por Kant, uma longa tradição tentou precisar as formalidades complexas ( e não de todo se formula essencialmente em ‘artes de fazer’ isto ou aquilo, isto é, em consumos combinatórios e utilitários. Essas práticas colocam em jogo uma ratio ‘popular’, uma maneira de pensar investida numa maneiro de agir, uma arte de combinar indissociável de uma arte de utilizar (Certeau, 19945: 42).
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