12 DOS SERINGUEIROS AUTÔNOMOS - Biblioteca da Floresta

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O seringueir o, por seu turno, tem como referência de seu espaço de vida a colocação, enquanto unidade do tapiri, que é a sua casa, a casa de defumação, o roçado, as estradas de seringa, colocação essa cuja reprodução depende da disponibilidade da caça ou da pesca ou da abundância de frutos, em suma, de um conjunto de condições por meio das quais garante boa parte da sua sobrevivência. A contradição desse binômio seringalcolocação sobressai, por exemplo, quando Guerra (1995: 192) discute abertamente o preço da 'colocação' e, assim, nos revela que havia um comércio de colocações. Portanto, ainda que por vias indiretas, vêse que não somente o seringal é unidade de produção legítima de propriedade 2 . Por em debate, como faz Guerra, se o preço da colocação é alto ou baixo é estar reconhecendo que esta é uma unidade de referência própria, um espaço próprio de organização da produção e de reprodução, posto que é uma forma de propriedade objeto de transação de compra e venda entre determinado segmento social que, assim, se vê sancionado e reconhecido. Estão, deste modo, marcando a paisagem social, apropriandose da natureza enquanto colocação com todo o significado que isso traz. No entanto, é preciso destacar que, mesmo sem esse reconhecimento jurídico, o seringueiro autônomo, enquanto tal, com seus estabelecimentos próprios, marcam a organização do espaço geográfico acreano de modo incisivo, conforme será destacado adiante. Araújo Lima, também, destaca em A explotação amazônica' que 'o seringueiro, ou freguês, não é, pois, assalariado, tampouco meeiro ou tarefeiro, muito menos um associado; é realmente um 'correntista', um operário que trabalha por conta pr ópria no seringal do 'patrão' e com o crédito, por este abonado, em gêneros alimentícios, objetos de vestuário, material para extração do leite de seringueira, munição para caça, todas as utilidades, enfim, indispensáveis à vida de solteiro ou casado. E em plena liberdade de trabalho, de negócios e de err os, desenvolvese na área do seringal que lhe faculta o pr oprietário de quem apenas depende pelo compromisso da dívida, assumida quando recebe o aviamento, 2 Talvez se tenha aqui um rico exemplo de construção de uma contrahegemonia, como Antonio Gramsci gostava de afirmar. Até tornar legal sua forma de propriedade, os seringueiros já haviam conseguido tornála legítima.
ficando obrigado pelo débito contraído, que muitas vezes anula pela fuga para outro seringal, visto que nenhuma garantia pode oferecer no ato de entabular os negócios com o 'patrão' 3 . (Os grifos são meus). É claro, por tudo que já analisamos, que não se pode generalizar com a condição seringueira posto que, sabemos, ela comportava diferentes práticas e significados. No entanto, o que queremos destacar invocando o depoimento de Araújo Lima é, mais uma vez e por um outro ângulo, esse lugar de determinação do fazer, ora o seringal, ora a colocação. Aqui, nesse depoimento, destacando a colocação mesmo no interior de um seringal. Vimos que o patrão, seja sob a territorialidade seringalista, seja sob a territorialidade dos coronéis de barranco, necessita de suportes externos para manter toda a infraestrutura, seja ela econômica e/ou jurídica e/ou política e/ou de legitimidade, enfim de toda uma base logística que servisse de substrato ao seu domínio socioespacial. Até pelas suas dimensões, mas não só por elas, os seringais exigiam um complexo processo de reprodução que incluía articulações políticas que, necessariamente, pressupunham escalas geográficas que iam além de suas propriedades 4 . A emergência de uma categoria de seringueiros autônomos é um fato recente na literatura das ciências humanas e sociais. Somente no final dos anos 1970 e início dos 1980 ela começa a emergir não sem razão por meio de vários intelectuais acreanos (Lima, Mourão, Costa Sobrinho, Martinelllo, de Paula, Duarte, Calaça e outros). Na verdade, ela é contemporânea da emergência do movimento dos trabalhadores rurais e das populações indígenas no contexto específico da sociedade acreana dessas décadas de. É a partir desse momento e desse lugar que os seringueiros começam a ganhar visibilidade política, tecendo uma identidade não só com/contra os 'de cima', e os de fora como também com/contra os 'de baixo', de fora e de dentro do próprio Acre. Seus nomes concretos podem ser os paulistas, expressão que quase sempre condena alguém 3 ARAÚJO LIMA. In: Amazônia brasileira. p. 233268.. 4 Allegretti mostra bons exemplos dessas articulações em seu projeto de tese. (Allegretti, 1983)
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