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Homem em casa vira Maria.pmd - Repositório Institucional da UFSC ...

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inerente ao trabalho etnográfico. Para Laplantine “nunca somos test<strong>em</strong>unhas objetivas observando objetos, e<br />

sim sujeitos observando outros sujeitos” (1991: 169-170). Em suma, tudo o que se passa com o pesquisa-<br />

dor <strong>em</strong> relação à sua pesquisa e seus entrevistados, faz parte <strong>da</strong> pesquisa. Nessa especifici<strong>da</strong>de reside<br />

a riqueza do trabalho etnográfico.<br />

“A perturbação que o etnólogo impõe através de sua presença àquilo que observa e que<br />

perturba a ele próprio, longe de ser considera<strong>da</strong> como obstáculo que seria conveniente neutralizar,<br />

é uma fonte infinitamente fecun<strong>da</strong> de conhecimento. Incluir-se não apenas socialmente mas<br />

subjetivamente faz parte do objeto científico que procuramos construir, b<strong>em</strong> como do modo característico<br />

<strong>da</strong> profissão de etnólogo. A análise, não apenas <strong>da</strong>s reações dos outros à presença deste,<br />

mas também de suas reações às reações dos outros, é o próprio instrumento capaz de fornecer à<br />

nossa disciplina vantagens científicas consideráveis, desde que se saiba aproveitá-lo.” (Laplantine,<br />

1991: 172-173).<br />

Outro probl<strong>em</strong>a que tive que enfrentar foi o do anonimato <strong>da</strong>s fontes. Certamente subestimei<br />

as dificul<strong>da</strong>des nesse aspecto. Por ser um grupo restrito, de convivência extensa e intensa, pratica-<br />

mente qualquer coisa que eu escrevesse sobre um informante, poderia identificá-lo para os outros.<br />

Em alguns casos, só seria necessário dizer o número de filhos, para identificar um informante.<br />

Quero deixar claro que a questão <strong>da</strong> identificação, <strong>em</strong> nenhum momento foi coloca<strong>da</strong> explici-<br />

tamente pelos meus informantes. Eles disseram não estar preocupados com isso, que não havia o<br />

menor probl<strong>em</strong>a <strong>em</strong> divulgar o que eles estavam dizendo, pois não tinham na<strong>da</strong> a esconder. Em um<br />

caso, um deles falou que estava muito tranqüilo, porque não ia me “dizer na<strong>da</strong> comprometedor ou que não<br />

pudesse ser divulgado”.<br />

A experiência do campo me revelou uma situação diferente. Um de meus informantes, <strong>em</strong><br />

tudo muito solícito, assim que começamos a conversar me pediu: “Antes de você ligar o gravador, vou lhe<br />

contar algumas coisas sobre minha vi<strong>da</strong> para você ver se eu sou a pessoa indica<strong>da</strong> para lhe <strong>da</strong>r o depoimento que você<br />

deseja.”(grifo meu) Em segui<strong>da</strong>, falou de sua vi<strong>da</strong> pessoal, seus relacionamentos amorosos, conjugais,<br />

com seus filhos, colegas de trabalho, etc. Quando ele já havia falado por quase uma hora, pedi que<br />

parasse e que me deixasse ligar o gravador. Ele concordou e assim que liguei o gravador, recomeçou<br />

a contar sua vi<strong>da</strong>, porém, enfocando agora suas ativi<strong>da</strong>des profissionais. Sua vi<strong>da</strong> pessoal sumiu<br />

completamente <strong>da</strong> história.<br />

Infelizmente, ele não foi o único. Outro entrevistado falou sobre to<strong>da</strong> sua carreira profissional<br />

até a aposentadoria, mencionando suas dificul<strong>da</strong>des <strong>em</strong> relação à <strong>em</strong>presa. Quando pedi que me<br />

contasse como a família enfrentou a nova situação, ele respondeu: “Ah, foi difícil.” e engrenou <strong>em</strong><br />

outra direção. Eu insisti algumas vezes, mas não obtive sucesso. Ele já me havia falado anteriormen-<br />

te, <strong>em</strong> conversa na qual não foi utilizado um gravador, sobre as dificul<strong>da</strong>des que enfrentou <strong>em</strong> rela-<br />

ção aos outros m<strong>em</strong>bros <strong>da</strong> família, após sua aposentadoria. Na entrevista não grava<strong>da</strong>, ocorrências<br />

de sua vi<strong>da</strong> pessoal tiveram mais peso, foram b<strong>em</strong> mais presentes do que na entrevista grava<strong>da</strong><br />

posteriormente.<br />

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