Homem em casa vira Maria.pmd - Repositório Institucional da UFSC ...
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Em relação aos filhos, as falas d<strong>em</strong>onstram que a per<strong>da</strong> do poder econômico do pai, pode se<br />
refletir na forma como estes passam a se relacionar com ele.<br />
“Ele disse que até o relacionamento com os filhos mudou, porque as meninas, já moças também,<br />
no fundo, no fundo, culpavam ele <strong>da</strong> situação to<strong>da</strong> de insegurança que tinha (...) os valores, a família...<br />
eu acho que você t<strong>em</strong> que manter. (...) às vezes as meninas falavam alguma coisa, eu falava: ‘Ó,<br />
você respeita teu pai! Até então, se teve, a maior parte veio dele.’ Então, (...) de vez <strong>em</strong> quando eu<br />
tinha que <strong>da</strong>r uma sacudi<strong>da</strong>. Filho, às vezes, ele fala s<strong>em</strong> pensar.” (Entrevista - Esposa de<br />
aposentado)<br />
“Então eu acho que a falta de dinheiro é... ah, pesa muito. (...) te dá insônia, você ouve do<br />
filho... (Entrevista - Esposa de aposentado)<br />
Um aposentado me contou ter tido probl<strong>em</strong>as com os filhos porque estes passaram a vê-lo<br />
como alguém permanent<strong>em</strong>ente disponível para atender às suas (deles) d<strong>em</strong>an<strong>da</strong>s. Segundo ele, as<br />
frases solicitando alguma cooperação de sua parte s<strong>em</strong>pre começavam com ‘Pai, você que está aí s<strong>em</strong><br />
fazer na<strong>da</strong>...’ Ele me disse que quando percebeu isso “bronqueou e acabou com a história”, saindo para<br />
trabalhar durante meio período como voluntário fora de <strong>casa</strong>.<br />
Este caso me parece revelar duas coisas. A primeira, o fato dele ter “acabado com a história”,<br />
saindo de <strong>casa</strong>, mostra que, pelo menos no seu imaginário, ele concor<strong>da</strong>va com o filho de que ali<br />
naquele espaço, ele não poderia ou não deveria ficar s<strong>em</strong> fazer na<strong>da</strong>. A outra está na diferença de<br />
valor que pareceu estar coloca<strong>da</strong> entre aju<strong>da</strong>r <strong>em</strong> <strong>casa</strong> e ser voluntário fora dela. Ser voluntário<br />
implica <strong>em</strong> vontade própria, <strong>em</strong> ação, <strong>em</strong> ativi<strong>da</strong>de. No caso <strong>da</strong> aju<strong>da</strong> <strong>em</strong> <strong>casa</strong>, penso que esta foi<br />
percebi<strong>da</strong> por ele, como um estar passivamente à mercê <strong>da</strong> vontade ou desejo dos outros.<br />
A questão seguinte também <strong>em</strong>ergiu <strong>da</strong>s falas sobre o relacionamentos com os filhos e dizia<br />
respeito à questões morais e éticas. A preocupação nas duas entrevistas era a mesma, ensinar aos<br />
filhos que dinheiro não é tudo.<br />
“Não sou contra o estudo mas o que eu falo s<strong>em</strong>pre para os meus filhos: ‘curso superior, se<br />
quiser tirar eu vou <strong>da</strong>r apoio, agora se não quiser<strong>em</strong>, se quiser<strong>em</strong> ser um bom padeiro ou bom mecânico,<br />
um bom cozinheiro, um cara honesto, digno, etc, não t<strong>em</strong> probl<strong>em</strong>a nenhum, eu não sou contra<br />
absolutamente. Eu só quero que seja gente decente, responsável e tal, e faça b<strong>em</strong>. Pense na profissão<br />
como meio de servir à socie<strong>da</strong>de, de aju<strong>da</strong>r.’” (Entrevista - <strong>Hom<strong>em</strong></strong> aposentado)<br />
Coerente com o que diz, esse depoente, <strong>em</strong> pelo menos duas ocasiões abriu mão de benefícios<br />
financeiros garantidos por lei, cujo montante era substancial, por não achar moralmente justo recebê-<br />
los.<br />
Já o depoimento seguinte expõe a insegurança de uma entrevista<strong>da</strong> acerca dos efeitos que terão<br />
os ex<strong>em</strong>plos que ela imagina estar <strong>da</strong>ndo aos filhos, <strong>em</strong> função de sua constante preocupação com o<br />
dinheiro. A pouca disponibili<strong>da</strong>de de recursos <strong>em</strong> sua família, tornou necessário um controle rigoroso<br />
<strong>da</strong>s contas e uma avaliação antecipa<strong>da</strong> de qualquer tipo de despesa. Para eles, o assunto dinheiro<br />
tornou-se presente cotidianamente. Sua fala traduz sua intenção de ensinar aos filhos que o dinheiro<br />
é muito importante, mas não é o mais importante.<br />
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