Homem em casa vira Maria.pmd - Repositório Institucional da UFSC ...
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3.4 Trabalho<br />
Paulo S. do Carmo (1992), faz um histórico <strong>da</strong> evolução <strong>da</strong>s idéias sobre o trabalho, expondo<br />
as mu<strong>da</strong>nças nos valores atribuídos a ele nas diversas socie<strong>da</strong>des, ao longo do t<strong>em</strong>po. Ele parte <strong>da</strong><br />
socie<strong>da</strong>de escravista grega, onde o trabalho manual, altamente depreciado, não era exercido pelos<br />
ci<strong>da</strong>dãos livres, pois estes precisavam dispor de todo seu t<strong>em</strong>po para tarefas como a cont<strong>em</strong>plação.<br />
Eram os escravos que garantiam a sobrevivência de todos, através de seu trabalho.<br />
Na I<strong>da</strong>de Média, segundo ele, o que ditava a condição de ci<strong>da</strong>dão era a posse <strong>da</strong> terra. Os que<br />
não a possuíam, apesar de ser<strong>em</strong> juridicamente ci<strong>da</strong>dãos livres, tinham uma existência muito s<strong>em</strong>e-<br />
lhante àquela dos escravos na socie<strong>da</strong>de grega.<br />
Segundo Carmo, foi na I<strong>da</strong>de Média, e a partir dos mosteiros, que a idéia de trabalho, até então<br />
ativi<strong>da</strong>de de valor menor, começou a ser cunha<strong>da</strong> como obrigatorie<strong>da</strong>de moral. Como os monges<br />
deveriam, além de cumprir suas obrigações religiosas, dedicar algum t<strong>em</strong>po de seus dias a ativi<strong>da</strong>des<br />
manuais na lavoura para prover sua sobrevivência, criou-se inclusive a necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> regulação<br />
mecânica do t<strong>em</strong>po, que até então não existia. Cumpre dizer, entretanto, que essa nova visão de<br />
trabalho não se diss<strong>em</strong>inou igualmente entre to<strong>da</strong>s as cama<strong>da</strong>s sociais. Nos meios aristocráticos, o<br />
trabalho continuava sendo considerado como indigno para o hom<strong>em</strong> de quali<strong>da</strong>de. O trabalho como<br />
valor moral era ideologia dirigi<strong>da</strong> às cama<strong>da</strong>s subalternas.<br />
Com o Renascimento, a situação se inverte. Desponta a admiração pelo trabalho artístico do<br />
pintor, do arquiteto, o trabalho artesanal do escultor, basicamente, o trabalho criativo. Surg<strong>em</strong> as<br />
corporações de ofícios, com seus mestres e aprendizes, que, tendo o controle sobre a matéria-prima<br />
e a posse <strong>da</strong>s ferramentas, gozavam de uma certa independência para vender seus produtos e não sua<br />
força de trabalho. Nesta época, além <strong>da</strong> valorização do trabalho artesanal, também começam a brotar<br />
os germes do capitalismo.<br />
É a partir <strong>da</strong> Reforma Protestante que a visão sobre o trabalho mu<strong>da</strong> de vez. De acordo com<br />
Weber (1996), valores morais <strong>da</strong> ética protestante (o trabalho reforça a fé religiosa) aliados aos ideais<br />
do capitalismo <strong>em</strong>ergente (a ociosi<strong>da</strong>de e o desfrute dos bens adquiridos através do enriquecimento<br />
são condenáveis), foram fun<strong>da</strong>mentais para a acumulação de capital neste período. Enriquecer tor-<br />
nou-se a própria realização do ideal religioso. Qu<strong>em</strong> enriquecia d<strong>em</strong>onstrava ter sido eleito para o<br />
reino dos céus. O trabalho e a acumulação de capital passaram a se instituir como fins <strong>em</strong> si mesmos<br />
para a burguesia <strong>em</strong>ergente.<br />
“... o mais importante é que o trabalho constitui, antes de mais na<strong>da</strong>, a própria finali<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. A expressão paulina ‘Qu<strong>em</strong> não trabalha não deve comer’ é incondicionalmente<br />
váli<strong>da</strong> para todos. A falta de vontade de trabalhar é um sintoma <strong>da</strong> ausência do estado de<br />
graça.” (Weber, 1996: 113)<br />
A história <strong>da</strong> acumulação do capital pela mu<strong>da</strong>nça <strong>da</strong>s relações feu<strong>da</strong>is de produção, com a<br />
conseqüente expulsão do servo <strong>da</strong> gleba, tornando-se trabalhador livre para vender sua força de<br />
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