Homem em casa vira Maria.pmd - Repositório Institucional da UFSC ...
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“‘Ah, vamos fazer uma festinha... fulano está saindo... está se aposentando.’ (...) Foi só aquilo<br />
ali. (...) a Eletrosul não deu a menor bola. A Eletrosul não deu a menor bola.” (Entrevista -<br />
<strong>Hom<strong>em</strong></strong> aposentado)<br />
“Olha só, eu me considero uma pessoa iludi<strong>da</strong>.. (...)Eu fui enganado! Eu fui ludibriado! Eu<br />
fui tapeado! (enfaticamente, <strong>da</strong>ndo panca<strong>da</strong>s na mesa).” (Entrevista - <strong>Hom<strong>em</strong></strong> aposentado)<br />
Creio que, basea<strong>da</strong> no que vi e ouvi antes e durante o período <strong>da</strong> pesquisa, agora possa<br />
oferecer algumas <strong>da</strong>s respostas possíveis para as questões coloca<strong>da</strong>s inicialmente.<br />
Sobre o que disseram as queixas <strong>da</strong>s mulheres, penso que estas indicaram que no espaço do-<br />
méstico, espaço pelo qual o hom<strong>em</strong> não era responsável e no qual ele não transita com tanta desen-<br />
voltura, não existe uma posição valoriza<strong>da</strong> para ele. O maior ou menor engajamento dos aposenta-<br />
dos nos projetos dos outros m<strong>em</strong>bros <strong>da</strong> família, está diretamente ligado à receptivi<strong>da</strong>de que ele<br />
encontra na <strong>casa</strong>.<br />
Acredito que as reações dos homens à aposentadoria e às queixas <strong>da</strong>s mulheres foram muito<br />
s<strong>em</strong>elhantes, na medi<strong>da</strong> <strong>em</strong> que, <strong>em</strong> ambos os casos, a solução passou por saír<strong>em</strong> de <strong>casa</strong> <strong>em</strong> busca<br />
de recapacitação profissional ou recolocação no mercado de trabalho.<br />
Quanto à questão <strong>da</strong> aposentadoria dos homens provocar, ou não, conflitos nos relacionamen-<br />
tos conjugais, só posso dizer que a aposentadoria, ou melhor, a inativi<strong>da</strong>de dos homens, inegavel-<br />
mente provocou um aumento de tensões nos relacionamentos. Porém, de acordo com o que indica-<br />
ram os depoimentos e os autores que já pesquisaram o t<strong>em</strong>a, este é um momento de tantas transfor-<br />
mações, que não é possível falar numa alteração pontual.<br />
Por tudo que aconteceu nas vi<strong>da</strong>s dos aposentados, acho que pod<strong>em</strong>os pensar a aposentadoria<br />
como se constituindo num rito de passag<strong>em</strong> que, como tal, institui “uma separação sacralizante, (...) entre<br />
os que já receberam a marca distintiva e os que ain<strong>da</strong> não a receberam...” (Bourdieu, 1999: 34-35) e inscreve<br />
os sujeitos que por ela passam, <strong>em</strong> outra categoria no tecido social. Neste caso, uma marca desvalo-<br />
riza<strong>da</strong>, estigmatizante, a de inativo. Daniel Welzer-Lang, <strong>em</strong> palestra, referiu-se à aposentadoria como<br />
a “andropausa social.”<br />
O ditado popular de que me utilizei para <strong>da</strong>r título a este trabalho, reflete a percepção que o<br />
senso comum faz do aposentado: “<strong>Hom<strong>em</strong></strong> <strong>em</strong> <strong>casa</strong> <strong>vira</strong> <strong>Maria</strong>”. Nele pod<strong>em</strong>os observar duas coisas,<br />
primeiro que o hom<strong>em</strong> “<strong>vira</strong>” mulher, portanto, “perde” signos de masculini<strong>da</strong>de. Em segundo lugar,<br />
ele não <strong>vira</strong> qualquer mulher, ele <strong>vira</strong> a <strong>Maria</strong>. O que o ditado está dizendo então? Que o hom<strong>em</strong> que<br />
se aposenta e vai para <strong>casa</strong>, ass<strong>em</strong>elha-se a uma mulher e, como lá já existe uma mulher que é dona<br />
<strong>da</strong> <strong>casa</strong>, a posição que lhe resta é secundária, de auxiliar, coadjuvante. S<strong>em</strong>elhante à de uma mulher<br />
s<strong>em</strong> poder na <strong>casa</strong>, uma <strong>em</strong>prega<strong>da</strong>, a <strong>Maria</strong>.<br />
Não discordo de Goldenberg quando ela afirma que nos t<strong>em</strong>pos atuais ocorre “uma maior cons-<br />
ciência crítica <strong>da</strong>s experiências e visões de mundos considera<strong>da</strong>s específicas de homens e mulheres. Papéis considerados<br />
como masculinos, como, por ex<strong>em</strong>plo, hom<strong>em</strong> provedor, forte, chefe de família (...) são relativizados por outros<br />
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