Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
coloca-a ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> pianista Cristóvão Bastos num registo intimista que contrasta com<br />
a exuberância de títulos anteriores. Mas a surpresa perante as escolhas de Virgínia<br />
ficam para segun<strong>do</strong> plano quan<strong>do</strong> ouvimos a sua voz. As distinções entre o canto<br />
popular e o lírico não existem, resulta<strong>do</strong> de referências tão díspares como Billie<br />
Holiday, Aretha Franklin ou Jessye Norman e Marian Anderson – para não<br />
mencionar, é claro, a admiração pelas grandes vozes femininas da música popular<br />
brasileira como Maria Bethânia. O resulta<strong>do</strong> é uma voz expressiva e cristalina que<br />
surpreendeu o veterano Naná Vasconcelos: “Eu sempre admirei a Virgínia desde o<br />
surgimento dela. Ela me mostrou de uma certa forma to<strong>do</strong> o lirismo africano existente<br />
no afrobrasileiro e sempre tive uma grande vontade de fazer um trabalho com ela.”<br />
Quem ce<strong>do</strong> reparou no potencial da cantora foi Caetano Veloso. Virgínia participava<br />
numa peça <strong>do</strong> Ban<strong>do</strong> de Teatro Olodum, em 1995, representan<strong>do</strong> uma surda-muda<br />
que apenas no final recuperava a voz. A voz que então surgia era, sem dúvida,<br />
merece<strong>do</strong>ra da espera. Caetano, que assistia a um ensaio, não conteve a emoção e<br />
depressa a convi<strong>do</strong>u para abrir um <strong>do</strong>s seus concertos, apadrinhan<strong>do</strong> de seguida a<br />
produção <strong>do</strong> álbum de estreia, Sol Negro. Entre os convida<strong>do</strong>s <strong>do</strong> disco incluíam-se<br />
nomes como Milton Nascimento, Gilberto Gil e Djavan. Uma entrada triunfal no<br />
merca<strong>do</strong> da música popular brasileira que a levou a ser apelidada de “Cinderela da<br />
Bahia”, em virtude das suas origens humildes. Sen<strong>do</strong> natural de uma favela de<br />
Salva<strong>do</strong>r, deixou os estu<strong>do</strong>s aos <strong>do</strong>ze anos para ajudar a família, trabalhan<strong>do</strong> como<br />
lavadeira, empregada <strong>do</strong>méstica e manicura. A música encontrava-a enquanto<br />
membro de coros de várias igrejas, tanto católicas como evangélicas – era a música e<br />
não a fé que a movia –, e em trabalhos extra cantan<strong>do</strong> em casamentos. É nos coros que<br />
tem a oportunidade de aprender a ler música e de estudar canto lírico.<br />
A explosão da carreira de Virgínia Rodrigues coincide com o regresso <strong>do</strong> mais famoso<br />
percussionista pernambucano ao Recife. Naná Vasconcelos viveu durante décadas<br />
entre Nova Iorque e Paris, viajan<strong>do</strong> pelo mun<strong>do</strong> com Pat Metheny, Egberto Gismonti,<br />
Jan Garbarek, o seu trio Co<strong>do</strong>na e muitos mais. Foi eleito por oito vezes pela Down<br />
Beat como o melhor percussionista <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. No entanto, como revela à Casa da<br />
Música, “nunca estive desliga<strong>do</strong> das minhas raízes. Voltei para o meu ponto de<br />
referência, para a minha realidade cultural, e isso é muito importante.” O regresso foi<br />
antes de mais “um resgate cultural pessoal”. Esta mudança trouxe-lhe a oportunidade<br />
de trocar mais experiências com os músicos brasileiros, uma realidade que vem ao de<br />
cima to<strong>do</strong>s os anos no Carnaval <strong>do</strong> Recife, um símbolo da multiplicidade cultural <strong>do</strong><br />
qual é anfitrião deste 2001. Para além de se apresentar com os mais varia<strong>do</strong>s artistas<br />
nacionais, protagoniza a abertura <strong>do</strong>s festejos com centenas de batuqueiros de<br />
maracatu num cortejo impressionante pelas ruas da cidade.<br />
A conversa com Naná Vasconcelos não podia deixar de focar o trabalho social que o<br />
músico tem desenvolvi<strong>do</strong> no Recife, procuran<strong>do</strong> levar a arte às crianças mais<br />
desfavorecidas da região. A consciência <strong>do</strong>s grandes benefícios da música para a<br />
formação pessoal e social leva-o a travar provavelmente uma das lutas mais difíceis da<br />
sua carreira. “Nas artes em geral, a música é a mais imediata porque a música é o<br />
momento, a música vai <strong>do</strong> silêncio ao grito. Ajuda na inspiração, na dicção, disciplina.<br />
A música mexe com os sentimentos.”<br />
Em 2003, Virgínia Rodrigues edita o seu terceiro álbum, Mares Profun<strong>do</strong>s, que a<br />
lança definitivamente no merca<strong>do</strong> internacional. Muito significativamente, é a<br />
Deutsche Grammophon que assume no ano seguinte a edição internacional, sen<strong>do</strong> a<br />
cantora uma das primeiras contratações na área da música não clássica. O repertório<br />
<strong>do</strong>s afro-sambas de Vinícius de Moraes e Baden Powell leva-a ao Carnegie Hall e ao<br />
Hollywood Bowl, ao Barbican Theatre e ao Royal Albert Hall. Quan<strong>do</strong>, em 2005, Naná<br />
Vasconcelos é convida<strong>do</strong> para realizar uma viagem musical pelo Recôncavo Baiano,<br />
registada no <strong>do</strong>cumentário Diário de Naná (de Paschoal Samora), surge a primeira<br />
oportunidade para uma colaboração entre os <strong>do</strong>is músicos. O <strong>do</strong>cumentário procura o<br />
6/6/<strong>09</strong> 15