Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Actualmente, o público <strong>do</strong> fa<strong>do</strong> é mais aberto e aceita fusões e novas<br />
interpretações. Acredita que as novas gerações de fadistas acrescentaram<br />
pontos positivos ao fa<strong>do</strong> de Alfre<strong>do</strong> Marceneiro e Amália Rodrigues?<br />
O fa<strong>do</strong> não é só Marceneiro ou Amália. Estes deram-lhe asas, mas houve outros,<br />
muitos outros que lhe fizeram a história, que sulcaram um caminho árduo na procura<br />
de si próprios dentro das barreiras <strong>do</strong> fa<strong>do</strong>. Estes são demasiadas vezes ignora<strong>do</strong>s ou<br />
remeti<strong>do</strong>s para terceiro plano. E o mesmo acontece hoje. Provavelmente daqui a uns<br />
anos só alguns serão recorda<strong>do</strong>s como faze<strong>do</strong>res de belos fa<strong>do</strong>s, sobretu<strong>do</strong> ao nível <strong>do</strong>s<br />
projectos mais ousa<strong>do</strong>s. Terá que se travar uma longa luta contra a omissão, contra o<br />
esquecimento. Espero poder contrariar a ideia de que o nosso povo transporta uma<br />
herança pesada, a amnésia! E sim, acredito que tu<strong>do</strong> o que se está a fazer em<br />
consciência e respeitan<strong>do</strong> as raízes, trará frutos para a não estagnação <strong>do</strong> fa<strong>do</strong>.<br />
Nos quatro anos que separam Ulisses de Kronos gravou um disco<br />
dedica<strong>do</strong> a Amália Rodrigues e outro a Zeca Afonso. Qual o papel destas<br />
duas referências da música portuguesa na sua vida?<br />
Descobri-os em fases diferentes da minha vida. Amália tarde, aos 18 anos, sen<strong>do</strong><br />
durante muito tempo uma obsessão pela vida, pelos refinamentos e pergaminhos da<br />
dura aprendizagem de quem nada tem, traça uma meta e com uma vontade férrea<br />
ruma até ao último pontinho <strong>do</strong> horizonte. O Zeca vem da infância, <strong>do</strong>s discos de casa<br />
<strong>do</strong>s meus pais, sempre, to<strong>do</strong>s os dias, primeiro nas canções infantis, depois na<br />
mensagem política, depois na lição de vida. O José Afonso foi, como costumo dizer, a<br />
banda sonora da minha infância. Depois os seus timbres, a sua capacidade de<br />
“agarrar” quem ouve. A vida deu-lhes razão e eu, como outros com certeza, estou<br />
atenta e agradeço o tanto que me deixaram descobrir.<br />
Gosta de trabalhar repertórios tão particulares? Ter um objectivo, e<br />
menos liberdade criativa que o habitual?<br />
Perceber melhor e querer saber mais sobre algo não diminuiu a capacidade criativa. O<br />
meu objectivo não é fazer melhor <strong>do</strong> que o original, mas tentar, pelo depurar da<br />
música deles que me está mais próxima, percebê-los melhor, ouvi-los por um outro<br />
prisma.<br />
Já esteve na Casa da Música, o que recorda?<br />
Lembro-me que foi a primeira vez em que, ao olhar o público, reparei que alguns<br />
trauteavam as minhas músicas comigo. Isso fez-me perceber a importância daquilo<br />
que eu faço e como faço. Fiquei comovida!<br />
Convidei contemporâneos de Zeca Afonso a comporem para o Kronos que aborda a<br />
temática <strong>do</strong> Tempo. Eles pertencem a uma geração bastante mais agitada e<br />
mobiliza<strong>do</strong>ra que a minha, uma geração que lutou pela liberdade de expressão, que<br />
permitiu que hoje eu e tantos outros nos sentíssemos libertos para criar sem tabus,<br />
sem censura.<br />
A<strong>do</strong>ro cantar fa<strong>do</strong>, a expressão está impressa, aliás, na forma como eu abor<strong>do</strong> os<br />
temas. Mas também a<strong>do</strong>ro fugir-lhe, escapar <strong>do</strong>s cânones instituí<strong>do</strong>s.<br />
HÉLDER MOUTINHO<br />
Hélder Moutinho convida o público para uma viagem imaginária ao<br />
mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> Fa<strong>do</strong><br />
6/6/<strong>09</strong> 54