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Eremitismo em Portugal na época Moderna : homens e imagens ...

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<strong>Er<strong>em</strong>itismo</strong> <strong>em</strong> <strong>Portugal</strong> 109<br />

de silvestres arvores, e medici<strong>na</strong>es hervas», «hum sitio sobre alegre, e fresco,<br />

mui devoto e cont<strong>em</strong>plativo» – n<strong>em</strong> assim «solitários», pois muitos deles<br />

estavam, como era quase de tradição e o exigia a logística da sobrevivência<br />

material e espiritual, relativamente próximos de povoados e cidades e ao amparo<br />

de conventos 87 , mas a uma distância que nitidamente os separava do mundo,<br />

encar<strong>na</strong>do tantas vezes – e quase s<strong>em</strong>pre negativamente – <strong>na</strong> «urbe» 88 . Como<br />

ter<strong>em</strong>os ocasião de sublinhar, se b<strong>em</strong> que nos falt<strong>em</strong> muitos el<strong>em</strong>entos para<br />

concluir das relações entre o modelo er<strong>em</strong>ítico <strong>em</strong> <strong>Portugal</strong> e as paisagens onde<br />

se se vive e elabora – como já foi tentado, talvez com algum exagero, (se mal<br />

não l<strong>em</strong>os), para Castela 89 – os er<strong>em</strong>itas modernos <strong>em</strong> <strong>Portugal</strong> – e os autores de<br />

obras de espiritualidade que deles evocavam ex<strong>em</strong>plos e paisagens – parec<strong>em</strong><br />

ter preferido os solitários loca amoe<strong>na</strong> ou mesmo amoenissima aos desérticos e<br />

selváticos lugares que as Vitae patrum e os seus fixos retratos alinhados <strong>em</strong><br />

galerias e retábulos divulgavam numa técnica superlativa predicadora do<br />

despojo total e, logo, da total oposição ao mundo... Um mundo que, apesar<br />

disso, gostava de com eles conviver 90 e de os proteger – do século XV, com os<br />

duques de Bragança, ao século XVIII, com uma rainha, Maria<strong>na</strong> de Áustria,<br />

passando por grandes senhores como Álvaro de Avranches no século XVII.<br />

Também os pud<strong>em</strong>os ver ocupados não ape<strong>na</strong>s <strong>em</strong> oração e penitências –<br />

curiosamente, parece sublinhar-se, sobretudo, a rudeza do vestido –, mas<br />

também <strong>em</strong> lavrar as suas terras..., <strong>em</strong> fazer cestos e <strong>imagens</strong>..., <strong>em</strong> pedir<br />

esmola... – o que n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre seria, pela distração que acarretava, uma prática<br />

87<br />

No breve elenco apresentado, há um er<strong>em</strong>ita (Fr. Félix Barreto) que vive à beira de um mosteiro<br />

cartuxo, outro que habita perto de um convento de trinitários (Fr. Antão), um que se recolhe a uma<br />

er<strong>em</strong>ita próxima de um convento de lóios (Fr. Romeo) e um outro ainda (Fr. Baltasar da<br />

Encar<strong>na</strong>ção) que recebe apoio dos er<strong>em</strong>itas da Serra de Ossa.<br />

88<br />

Fer<strong>na</strong>ndo R. DE LA FLOR, Flores del yermo. Soledad, renuncia sexual y pobreza en los<br />

ermitaños áureos in Barroco..., ed. cit., 226.<br />

89<br />

Alain SAINT-SAËNS, La nostalgie du désert..., ed. cit., 78.<br />

90<br />

Alain SAINT-SAËNS, Valets de Dieu, suppôts du Diable, ed. cit., 33, baseado <strong>em</strong> excelente<br />

documentação, afirma, com razão, que «le gardien de l’ermitage, accueille dévots et pèrelins», mas,<br />

pedindo perdão da nossa impertinência, o belíssimo quadro de David Teniers II, Paisage avec<br />

ermites (c.1690, Madrid, Museu do Prado) para que r<strong>em</strong>ete como ilustração da sua afirmação, mais<br />

do que o acolhimento de peregrinos e devotos por parte de um ermitão («gardien d’ermitage») <strong>na</strong><br />

sua ermida, parece-nos ilustrar o acolhimento de conselho espiritual que, como sabe e se se viu <strong>em</strong><br />

alguns dos casos que ficaram listados e outros que surgirão, praticavam os er<strong>em</strong>itas, como esse<br />

representado por Teniers (34) recebendo os seus visitantes à entrada de uma cova <strong>na</strong> montanha e não<br />

propriamente de uma ermida, peque<strong>na</strong> capela, <strong>em</strong> lugar quase s<strong>em</strong>pre despovoado... É, porém,<br />

possível que a confusão do leitor resulte de «ermitage» ser «habitation d’un ermite», seja ela cova,<br />

caver<strong>na</strong>, penha ou peque<strong>na</strong> capela. Esper<strong>em</strong>os que A. Saint-Saëns não nos responda como Apeles<br />

«Ne, sutor, supra crepidam»... De qualquer modo – e é o que aqui verdadeiramente nos interessa –,<br />

essa convivência de conselho e apoio espiritual que muitos, grande e pequenos do mundo, buscavam<br />

junto dos er<strong>em</strong>itas poderia ainda ilustra-se com a pintura de (ou atribuída a) Piero della Francesca<br />

(Veneza, Acad<strong>em</strong>ia) mostrando S. Jerónimo atendendo um seu devoto, ainda que neste caso seja o<br />

seu devoto seja «il do<strong>na</strong>tore» do quadro.

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