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Eremitismo em Portugal na época Moderna : homens e imagens ...

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<strong>Er<strong>em</strong>itismo</strong> <strong>em</strong> <strong>Portugal</strong> 119<br />

Pinto não necessitava de percorrer galerias ou cont<strong>em</strong>plar retáblos de igrejas,<br />

bastando-lhe orde<strong>na</strong>r o que as suas leituras, começando pela Offici<strong>na</strong> de Ravisio<br />

Textor, lhe iam deparando 148 , o que, evident<strong>em</strong>ente, não quer dizer que pinturas<br />

e esculturas não contribuíss<strong>em</strong> poderosamente para a divulgação de uma<br />

imag<strong>em</strong> do «verdadeiro» er<strong>em</strong>ita que, talvez, estava longe da que,<br />

aprovadamente, parece ter sido realmente vivida nestes dias post-tridentinos. Se<br />

os pastores de éclogas e novelas pastoris pod<strong>em</strong> ser um símbolo dos poderes<br />

transformantes do amor <strong>em</strong> gente nobre, porque não olhar este er<strong>em</strong>itas como<br />

outro símbolo da radical renúncia ao mundo e, logo, do poder do «nú» amor de<br />

Deus?<br />

Heitor Pinto, contudo, no Dialogo da tribulaçam – que <strong>na</strong> disposição<br />

da Imag<strong>em</strong> antecede imediatamente o Dialogo da vida solitaria – recorda o caso<br />

de um er<strong>em</strong>ita que pode, talvez, ajudar a compreender esse contraste entre<br />

er<strong>em</strong>itismo «desértico» bíblico ou dos Padres do ermo elevado à categoría de<br />

símbolo icónico e a realidade er<strong>em</strong>ítica dos seus dias, repetindo, alías, uma lição<br />

que, com um ponto de partida quase inverso, encontramos já <strong>em</strong> Gaspar<br />

Barreiros.<br />

Com efeito, um Amigo conta a um Preso, «hom<strong>em</strong> nobre» a qu<strong>em</strong><br />

visita, «o que lhe aconteceu <strong>em</strong> Italia com um ermitão», de modo a que,<br />

consolando-o, lhe mostre que «a verdadeyra gloria consiste no desprezo da falsa<br />

gloria, que b<strong>em</strong> assomado, consiste <strong>em</strong> deixarmos o mundo e seus enganos, e<br />

abraçarmo-nos com Christo nosso Deos, sofrendo por amor delle todas as<br />

tribulações» 149 . E procurando d<strong>em</strong>onstrá-lo serve-se do caso de um siciliano que<br />

encontrou <strong>em</strong> Itália, perto de Génova, «tam esquecido da honra do mundo e<br />

sorvido <strong>na</strong>s l<strong>em</strong>branças de Christo, que mais parecia divino que humano» 150 .<br />

Por um acaso de viag<strong>em</strong>, veio a ter que des<strong>em</strong>barcar num areal «ao pé de altas<br />

montanhas <strong>em</strong> Genova, onde o mar t<strong>em</strong> feito grandes fur<strong>na</strong>s, e com o tom das<br />

ondas, e o rogido do vento, que se metia e retumbava <strong>na</strong>quellas concavidades,<br />

juntamente com o meneo das arvores que por entre aquellas rochas havia<br />

grandes, e <strong>em</strong> algüas partes tam espessas, que impediam ao chão a claridade do<br />

sol, fazia-se hüa harmonia tam concertada ...» 151 . Encontrou, por fim, «por antre<br />

huns altos rochedos ao longo de hüa ribeyra que decia a serra hum lugar<br />

solitario, onde se fazia um pequeno valle, coberto de tam diversa ervas e<br />

148 Heitor Pinto já não pôde conhecer a Iconologia de Cesare Ripa (Roma, Heredi di Gio. Gigliotti,<br />

1593), mas talvez valha a pe<strong>na</strong> assi<strong>na</strong>lar que o Diálogo da Vida solitária poderia estudar-se – tal é a<br />

fixação da «imag<strong>em</strong>» do er<strong>em</strong>ita que aí se oferece – como uma quase glosa do «ícone» da<br />

«Solitudine», como é fácil verificar quer através da «edizione pratica» oferecida por Piero Buscaroli<br />

(com Prefácio de Mario Praz), Milano, 1992, 409-410 quer da tradução castelha<strong>na</strong>, feita, ao parecer,<br />

a partir da edição de Sie<strong>na</strong>, Herederi di Mateo Fiorimi, 1613, Madrid, s. a. (1987), II, 320-321.<br />

149 Hector PINTO, Imag<strong>em</strong> da vida christam..., ed. cit., Dialogo da tribulaçam, 7, I, 287-288.<br />

150 Hector PINTO, Imag<strong>em</strong> da vida christam..., ed. cit., Dialogo da tribulaçam, 7, I, 289.<br />

151 Hector PINTO, Imag<strong>em</strong> da vida christam..., ed. cit., Dialogo da tribulaçam, 7, I, 288-289.

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