estudo intertextual do monólogo effis nacht de rolf hochhuth

As fontes biográficas 64
Hochhuth considera as próprias biografias falíveis na objectividade pretendida. Repudia
a ideia de umas pretensas memórias ou de uma autobiografia por estarem imiscuídas de
demasiada subjectividade e no monólogo declara-se satisfeita com o legado documental
deixado ao critério do neto Manfred von Ardenne (cf. EN, 35). Recorrendo a Sigmund
Freud (1856-1939), mas também a Otto Flake 7 (1880-1963), Else apresenta as razões
que a levam a desconfiar das biografias, limitadas pela visão de outros, mas igualmente
sacrificadas pela incapacidade da escrita transcrever correctamente as próprias
impressões. No caso das autobiografias, mais notório o medo, segundo Freud, de não se
ser sincero consigo mesmo e de não conseguir, em suma, transcrever a verdade dos
factos biográficos:
Kommt aber nicht zustande, dièse Biographie, weil Freud ebensoviel Angst
davor hat, wie er ehrlich ist. Und noch viel mehr Angst miiflte einem die
Selbstbiographie machen, schreibt er sarkastisch in dem Brief, weil die biographische
Wahrheit niemals zu haben sei. Sicher. Sicher ist das so. Denn kõnnte
man sich ais Ausflucht noch einreden, der Biograph habe eben nicht nach
aliem gefragt - sich selber kann man ja solche Unterschlagungen nicht durchgehen
lassen (EN, 35-36).
Perante a impossibilidade de uma verdade biográfica total, a ficção apresenta-se como o
meio literário eficaz que permite difundir realmente a verdade histórica através do distanciamento
da liberdade poética. O repúdio da biografia, na sua impossibilidade em
gerar objectividade, não significa, porém, que outros dados biográficos não possam ser
tratados. Eles são um instrumento valioso ao serviço da ficção. Cartas pessoais, diários
ou apontamentos de trabalho individual servem para moldar dramaticamente
personagens singulares. Esse é o propósito único do dramaturgo, como Hochhuth refere
Otto Flake (1880-1963) nasceu em Metz, capital do distrito de Lothringen, frequentou o liceu em Colmar na Alsácia
e estudou germanística, filosofia e história de arte em Estrasburgo. Em 1902 fundou com René Schickele e Ernst
Stadler a revista >Der Stiirmer< Foi colaborador permanente em Paris e Berlim do jornal >Neue Rundschau< e em
1918 alinhou com o movimento do dadaísmo em Zurique, um movimento literário que preconizava a máxima
liberdade na relação do pensamento com a expressão literária. Em 1928, Flake regressa definitivamente a Baden-
Baden. A adesão a Hitler e ao nacional-socialismo ditou o seu isolamento literário e o desprezo de outros escritores
como Thomas Mann, Berthold Brecht ou Alfred Dõblin. Redescoberto por Rolf Hochhuth no final dos anos
cinquenta, viria a publicar ainda os romances autobiográficos >Es wird Abend< (1960) e >Der PianisK (1960),
ambos biografias ficcionais, repletas de heroínas e heróis aventureiros, entregues a vivências emocionantes em
diferentes lugares do mundo, mas dispostos a regressar às origens, à paisagem do Alto Reno e de Baden, onde Flake
viveu longos anos, também ela palco de grande parte dos seus romances.