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MAPEAMENTO NACIONAL DA PRODUçãO ... - Itaú Cultural

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108 de arte. O artista típico dessa passagem de milênio busca, afinal, em fragmentos<br />

da história, entre o passado e o presente, nas várias regiões do<br />

saber e no cotidiano, a condição singular de sua obra, que se quer única.<br />

A dificuldade em tornar compreensível essa produção não reside, portanto,<br />

na recusa nem no estranhamento perante as novidades supostamente<br />

inéditas e radicais próprias da arte contemporânea, mas na persistente<br />

permanência, tanto para criticá-la quanto para valorizá-la, de princípios<br />

interpretativos, valores e crenças forjados para a compreensão da arte<br />

moderna. Ambos os discursos, um pela recusa, o outro pela rendição<br />

acrítica, não conseguem emprestar sentido ao caráter transitivo da contemporaneidade.<br />

A arte contemporânea é, pois, refratária à classificação pelo discurso<br />

(seja do artista, seja da crítica, seja do público). Ao contrário da produção<br />

tipicamente moderna, cuja ênfase na forma, nas linguagens e nos ismos<br />

inseria poéticas singulares no campo objetivo da história, a nova arte<br />

parece desprezar essa inserção, tornando difícil avaliá-la por meio do<br />

repertório teórico-crítico desenvolvido para captar e produzir o sentido<br />

das produções modernas, eminentemente formalizadas e, portanto,<br />

estranhas a esses segmentos da contemporaneidade.<br />

Não podendo contar com a objetividade formal, cromática e espacial<br />

característica dos ismos, em face da fragmentação que se manifesta<br />

em pontos vitais do esgarçado campo das artes, a palavra e a lógica do<br />

circuito de arte vêm exigindo, de maneira crescente, novas modalidades<br />

de articulação entre obra e fruidor (o curador), novas leituras e interpretações,<br />

novos espaços expositivos e institucionais e um novo público.<br />

Essas transformações vertiginosas, de desdobramentos ainda imprevisíveis,<br />

não têm permitido que a arte contemporânea se torne familiar<br />

ao homem contemporâneo. Para a maioria, ela permanece estranha e<br />

incompreensível. Um dos sintomas mais claros de sua incomunicabilidade<br />

se manifesta na contraditória expectativa do público em reconhecer e<br />

designar com precisão produções que não mais se centram no campo<br />

objetivo da forma e na estrita materialidade de sua linguagem.<br />

Entretanto, longe de se restringir à esfera do espectador, essa incompreensão<br />

permeia também as idéias de alguns críticos e teóricos da arte.<br />

Qual o público, eles encaram esse estranhamento como uma negação ou<br />

um desvio da natureza da arte (ainda quando reduzida apenas à modernidade).<br />

Relutam em aceitar que os princípios teóricos, metodológicos e<br />

conceituais, que os legitimam intelectualmente, nasceram de condições<br />

técnicas, sociais e culturais que já não existem e, por isso, não mais correspondem<br />

aos discursos que antes as faziam transparentes. Não querem,<br />

enfim, reconhecer que seus discursos são, como quaisquer outros, antes<br />

históricos que verdadeiros.<br />

Por outro lado, alguns convictos defensores da produção contemporânea<br />

baseiam sua defesa apenas na valorização ingênua e pontual<br />

da ruptura e da novidade. Talvez não se tenham interrogado sobre a<br />

origem modernista desses valores, paradoxalmente usados como índices<br />

de contemporaneidade.<br />

Se não mais contamos com o aparato teórico-crítico produzido a partir<br />

da clareza autodefinida da arte moderna, podemos, até segunda<br />

ordem, articular a manifesta subjetividade da produção contemporânea<br />

à chamada crise do Sujeito. Podemos também remeter a generalização<br />

do uso, na arte, de materiais não-artísticos, extraídos do mundo natural<br />

e industrial, à crise do Objeto, e, finalmente, articular essas crises com as<br />

transformações tecnológicas que permeiam a complexa transitividade do<br />

mundo em que vivemos. É esse pano de fundo que justifica e empresta<br />

sentido aos recortes que orientam a curadoria e a montagem da mostra<br />

Rumos da Nova Arte Contemporânea Brasileira. Retomemos, então,<br />

as questões definidas pelos curadores-coordenadores.<br />

Entre o Mundo e o Sujeito<br />

Todas as esferas do Sujeito, individual, artística e cognitiva, foram<br />

definidas em função da crença filosófica na identidade e unidade<br />

que as especificavam. Sem esses dois pressupostos teóricos não<br />

teria sido possível designar com clareza as noções de indivíduo,<br />

de autoria (a valorização do estilo pessoal que separou, desde a<br />

Renascença, a arte do artesanato e a autoria individual da coletiva)<br />

e de Sujeito (introduzida por Descartes e reexaminada, século e meio<br />

mais tarde, pela crítica kantiana, que delineou uma noção de Sujeito<br />

cognitivo adequada à modernidade nascente: transubjetivo, impessoal<br />

e voltado para as questões gerais e universais da filosofia e da<br />

ciência). A propalada crise do Sujeito, típica do estágio atual da vida<br />

contemporânea, coincide, essencialmente, com a crise das noções<br />

de identidade e de unidade.<br />

Indispensável para o sucesso epistemológico, tecnológico e econômico<br />

da civilização ocidental, o pensamento dualista, fundado na<br />

oposição de identidades claras e distintas, começou a ser desmontado,<br />

ainda na segunda metade do século XIX. Inicialmente teórico,<br />

esse desmonte, promovido pela antropologia, história, sociologia,<br />

psicanálise e filosofia, levou à eclosão da tão discutida crise do<br />

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