MAPEAMENTO NACIONAL DA PRODUçãO ... - Itaú Cultural
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124 sistemas de mediação entre a arte de ponta e o público, pasteurizando<br />
Amilcar Packer faz vídeos do próprio corpo, que se tensiona com objetos e<br />
com o espaço onde está inserido. Depois fotografa no monitor essas atuações,<br />
que mostram os confrontos com o cenário ou com uma indumentária.<br />
São imagens de ajustes provisórios e rimas dissonantes. Perante os<br />
Felipe Barbosa<br />
Corpos que Se Inflamam<br />
Graziela Kunsch<br />
Quando Atritados,<br />
Nightshot 3, 2000<br />
2000/2001<br />
móveis de Caio Machado estamos constantemente reorientando o olhar<br />
e executando um contorcionismo imaginário na busca de uma ergonomia<br />
possível.<br />
e amortecendo algumas potências. Os artistas cientes da dificuldade de<br />
escapar dessas equações buscam ao menos indagar a sua real flexibilidade<br />
e permeabilidade. Voltam a atacar justamente nos pontos geradores de<br />
alguns paradoxos que baralharam os elementos componentes do circuito<br />
artístico. A dificuldade de atribuir valor monetário a uma ação, o museu<br />
como aliado e carrasco, a museografia como matéria produtora de sentido,<br />
a fragilidade e dissolução do objeto artístico e a ênfase no pensamento<br />
são situações que não se apresentam como novidade, mas surgem<br />
como perguntas recorrentes que não foram devidamente exauridas.<br />
Carece então indagarmos que diferenças essas atitudes possuem em<br />
relação a uma genealogia tão próxima. Seria uma retomada de questões<br />
lançadas ou apenas uma reedição desinformada de velhos traquejos Em<br />
um primeiro momento, notam-se proposições que ocorrem com base na<br />
ausência do antigo dogmatismo. Os artistas se colocam como agenciadores<br />
provisórios de uma circunstância em que, para resolvê-la, todo tipo<br />
de articulação é válido. Ao deflagrarem essas situações, não se escravizam<br />
a comprometimentos inegociáveis. São ações que evocam a singularidade<br />
e brevidade do momento e, ao mesmo tempo, se apresentam<br />
como eventuais nos seus processos artísticos. Nota-se aqui a importância<br />
do fortalecimento de circuitos institucionais e independentes, que,<br />
alheios às exigências do mercado de arte, se têm mostrado receptivos e<br />
com um especial apetite para esse tipo de produção.<br />
A atitude que essas obras evidenciam não é uma série de pantomimas<br />
exibicionistas e narcíseas, mas cutucões provocativos em um observador<br />
passivo que é instigado a pensar como o seu corpo e sentidos responderiam<br />
a esses embates.<br />
A existência do objeto, sua artesania, seu apuro formal, não deve ser<br />
necessariamente abolida. Nas obras de Felipe Barbosa, Glaucis de Morais<br />
e Lucas Levitan, este funciona como um indicativo do risco que o artista<br />
está correndo, até mesmo com a possível perda do próprio objeto. É um<br />
perigo partilhado com o observador, para quem é oferecida a idéia de<br />
pacto e cumplicidade. O momento de percepção se adensa à medida que<br />
se compartilha uma responsabilidade sobre a visualidade apresentada. O<br />
costumeiramente reduzido tempo de fruição se distende em eternidades<br />
particulares. É a convicção de que, por maior que seja a intermediação<br />
entre a obra e a sua percepção, este é o momento de potência revitalizadora<br />
e intraduzível do fazer e usufruir arte.<br />
A instabilidade pode também ser traduzida no equilíbrio precário revelado<br />
nas fotos de Amilcar Packer e nos móveis tortos de Caio Machado.<br />
Glaucis de Morais<br />
Concreto, 2000/2002<br />
Lucas Levitan<br />
Escada, 2000<br />
Amilcar Packer<br />
Still de Vídeo Sem Título<br />
# 35, 1999<br />
Caio Machado<br />
Sem Título, 2000<br />
Téti Waldraff<br />
Estratégias para<br />
Mudança, 2000/2002<br />
Fabiano Marques<br />
The Siestawatch,<br />
2001/2002<br />
Ducha<br />
Laranja, 2000/2002<br />
Paula Krause<br />
Sem Título, 1999<br />
instalação - tecidos e<br />
óleo de soja<br />
220 x 300 cm<br />
Coleção da artista<br />
Foto: Juninho Motta/Itaú <strong>Cultural</strong><br />
Genesco Alves<br />
Sem Título, 2001/2002<br />
Tonico Lemos Auad<br />
Sem Título [Flores em<br />
Chama], 2000<br />
Letícia Cardoso<br />
Como Capturar o<br />
Vento, 2001<br />
O transitório é o eixo que aproxima propostas formalmente tão distintas<br />
como as de Téti Waldraff, Graziela Kunsch e Fabiano Marques. Para Téti<br />
Waldraff, a viagem se coloca como metáfora e urgência. São carrinhos<br />
de viagem amalgamados com seus embrulhos que nos estendem um<br />
convite à partida ao mesmo tempo que se mostram desolados pela nossa<br />
inércia. Graziela Kunsch utiliza a estratégia do passeio para provocar de<br />
modo mais direto esta estagnação. Ao gravar cinco horas de vídeo de<br />
uma caminhada errante pela noite paulistana, latindo desesperadamente<br />
para toda pessoa que encontra, pretende colher do imprevisto a faísca<br />
geradora de algo que não poderia ser previamente determinado. Fabiano<br />
Marques rearticula continuamente elementos de um ateliê inventado. O<br />
espaço do artista é matéria que não exibe uma face estável, pois este<br />
está sempre atuando e propondo assim novas configurações. Para tanto,<br />
durante a exposição a obra é constantemente alterada, seguindo uma<br />
rígida partitura de possibilidades apresentada pelo artista.<br />
As fronteiras entre arte e vida são novamente bombardeadas pelas ações<br />
de Graziela Kunsch e Ducha. Os registros em foto ou vídeo são documentações<br />
de happenings e, ao mesmo tempo, uma confissão dos seus<br />
limites. As ações provocativas de Ducha são descargas energéticas que<br />
instauram processos entrópicos e fazem lembrar o que enunciou o artista<br />
Hans Haacke: “Fazer alguma coisa indeterminada, que pareça sempre<br />
diferente, que não possamos prever a forma”. 2<br />
Outro grupo de artistas trata a forma como resultante da experiência,<br />
como um deixar acontecer: uma espécie de fatalidade. Aqui o trabalho<br />
requer não só a coragem de desencadear uma proposição, sem as intromissões<br />
vaidosas e ordenadoras do ego, mas também a aceitação do<br />
acaso. Para tanto é bom apostar no que Germano Celant falava quando<br />
conceituava os limites da arte povera: “A arte tradicional bloqueia a<br />
respiração do material.” 3 Fazer então com que este respire é conferir<br />
uma vida autônoma, ver a distância e se apropriar, ao final, de todo o<br />
processo. Os longos panos de Paula Krause, embebidos em água e óleo<br />
e constantemente se esvaindo, se avizinham sem dúvida dos gelos monocromáticos<br />
de Genesco Alves, de duração breve, mas que imprimem o<br />
rastro em planos de gesso. Os desenhos em bananas de Tonico Lemos<br />
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