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MAPEAMENTO NACIONAL DA PRODUçãO ... - Itaú Cultural

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156 O artista contemporâneo convive com uma produção de conceitos que,<br />

distendidos e rearticuláveis, se deslocam de um campo estrito ou seguramente<br />

estético da arte para outras várias categorias do conhecimento. É<br />

certo que, em um desses momentos de fluxo transitório, a obra perde a<br />

sua autonomia estética puramente formal e se contextualiza num mundo<br />

prenhe de contra-informações, operando outros sentidos expandidos<br />

dentro de uma dinâmica teia de significações.<br />

que está sob o feixe de luz. Mas no sexto verso abre espaços em branco<br />

entre as palavras dobrado, livros e chaveiro. Adiante, a cabeceira da<br />

cama abre-se numa grande fenda e suga do mundo um sujeito possível<br />

de reinvenção e seu itinerário, que se interrompe num outro espaço em<br />

branco, para esbarrar nas imagens, também já decodificadas, de um relógio<br />

(o demarcador do tempo ou da falta dele) e de um copo (que pode<br />

ser pensado aqui como a idéia de abandono, de alguém que esteve). Fora<br />

do feixe de luz há muito a ser pensado pela possibilidade de significações<br />

dos objetos reposicionados.<br />

Assim, pensar acerca da condição da forma, como critério e processo na<br />

arte contemporânea, parece ser um desafio que oscila entre dois pontos:<br />

o primeiro, seria lhe atribuir um lugar que não seja o de sua construção<br />

pura; o segundo seria lhe conceder uma outra condição que não seja a<br />

sua mera desconstrução. E a partir desse desafio, talvez possa interessar<br />

uma forma processual que, ao mesmo tempo, não abra mão da construção<br />

do objeto, e o recoloque com uma outra proposta de significação<br />

no mundo.<br />

É sobre essa reposição dos objetos que o poema se articula muito mais<br />

como passagem de percepções e informações diversificadas e menos<br />

como reduto de permanência formal, tão cara à tradição construtiva<br />

moderna. É nessa fragmentação de significados que o objeto se vê<br />

imerso num mundo de contradições e se potencializa a partir dos atritos<br />

que nele são evocados, e não em sua mera ordenação lógica.<br />

157<br />

Sob esse aspecto, parece haver uma espécie de esvaziamento do sentido<br />

original da forma e uma possibilidade outra de apreendê-la como uma<br />

variante de descobertas, deixando ao artista a rígida tarefa de pesquisa<br />

para materializar um novo objeto, múltiplo de sentidos, que se projeta<br />

exaurido de suas funções formais preconcebidas, trazendo uma situação<br />

de desconforto aos estímulos antes facilmente decodificáveis.<br />

Com esse pensamento, em caráter ilustrativo e de comparação, podemos<br />

nos remeter a um poema de Francisco Alvim, intitulado Luz.<br />

Em cima da cômoda<br />

uma lata, dois jarros, alguns objetos<br />

entre eles três antigas estampas<br />

Na mesa duas toalhas dobradas<br />

uma verde, outra azul<br />

um lençol também dobrado livros chaveiro<br />

Sob o braço esquerdo<br />

um caderno de capa preta<br />

Em frente uma cama<br />

cuja cabeceira abriu-se numa grande fenda<br />

Na parede alguns quadros<br />

Um relógio, um copo<br />

Esse poema lista objetos da casa. Esta, por sua vez, já reposicionada, é<br />

tomada não mais como lugar de estar, mas como lugar de passagem. O<br />

inventário construído por Alvim é aparentemente objetivo, só existe o<br />

João Loureiro<br />

Sinuca, 2000<br />

Felipe Barbosa<br />

Terra Semeada,<br />

2001/2002<br />

cama de madeira e terra<br />

semeada<br />

160 x 190 x 150 cm<br />

Coleção do artista<br />

Foto: Divulgação/Arquivo do artista<br />

Luiz Carlos Brugnera<br />

Assoalho Empoeirado,<br />

2001<br />

Raquel Garbelotti<br />

Sistema Reverso,<br />

2001/2002<br />

O trabalho de João Loureiro, por exemplo, se desarticula como objeto<br />

funcional. É uma mesa de sinuca que tem a sua estrutura alterada: pernas<br />

que se desprendem da imagem primeira que se tem de mesa, e a<br />

disfunção do plano horizontal provocada pelas dobras do tecido, onde<br />

normalmente se movimentam as bolas, determinando uma impossibilidade<br />

à ação do jogo. A mesa está deslocada para uma nova apropriação<br />

simbólica.<br />

Este deslocamento – a alteração das estruturas primeiras do objeto<br />

– também acontece no trabalho de Felipe Barbosa, em que uma cama<br />

de casal, de madeira maciça, é posta num vazio espacial e de sentidos,<br />

porque desacompanhada de uma mobília que a identifique com a idéia<br />

de quarto (lugar íntimo de sono, amor ou silêncio, por exemplo), onde<br />

não cabe mais o corpo físico. A cama, coberta com capim, retira a presença<br />

do humano, impondo a perenidade da ausência.<br />

Em vez da ausência, mantendo uma tessitura com a passagem do<br />

tempo, o trabalho de Luiz Carlos Brugnera é um assoalho coberto com<br />

grafite e canela em pó. Aqui, há duas relações de sentidos: a do assoalho,<br />

de lugar de passagem a depositário de vestígios; e uma outra, a do<br />

pó de canela, que é uma sutileza, um gesto, uma bruma, para descontextualizar<br />

o assoalho.<br />

Por sua vez, o trabalho de Raquel Garbelotti são desenhos projetivos de<br />

objetos funcionais, como janelas, portas e assoalhos, diagramados em<br />

placas de madeira industrial. Uma espécie de baralhamento dos códigos<br />

de medidas, de lugar e de posição, resultando como peças soltas de um

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