MAPEAMENTO NACIONAL DA PRODUçãO ... - Itaú Cultural
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140 Como vai meu mundo<br />
inscritas convidam os leitores – artistas e fruidores – a compor narrativas<br />
(im)possíveis. Assim, o objeto de arte, que transita entre imagem e escrita<br />
– tanto no que diz respeito às ações sobre o suporte quanto ao que<br />
denota uma estrutura sintática em algumas obras –, é construção que<br />
recobre o espaço vazio. É substituto do inexistente a ser reconhecido pelo<br />
olhar. 4<br />
Ele está espalhado e ondulado na minha mesa, um grande círculo<br />
de terreno intratável. Zonas de puro espaço estendem-se, alcançam<br />
os mais longínquos pontos da minha imaginação. É um mundo feito<br />
com muito mais do que reinos e continentes. É um reino conhecido<br />
apenas por aqueles que têm olhos para ver o invisível...<br />
Meu mapa me absorve com o que não revela. Cada vez que olho<br />
para ele, sou cativado pelo que, até agora,<br />
não foi incluído dentro de suas margens.<br />
Fra Mauro 1<br />
Encerrado num mosteiro, esse homem da Renascença produzia seu mapamúndi.<br />
Pela palavra e pelo desenho, compunha seu documento. No seu<br />
relato, porém, já se achava a chave do que só poderia ser articulado mais<br />
tarde: a inscrição dos lugares é a inscrição de uma falta... é dela que surgem<br />
as grafias do lugar. A descoberta do mundo se fez seguindo mapas<br />
criados pela imaginação dos cartógrafos, alimentada pela narrativa dos viajantes.<br />
A geografia, então, se instituiu como ciência que descreve a superfície<br />
da Terra (e o que se movimenta sobre ela), nascida de uma cartografia<br />
fantástica, onde as fronteiras entre fato e lenda não existiam.<br />
Segundo a genealogia do conceito de espaço no Ocidente, retraçada por<br />
Michel Foucault, 2 na Idade Média ele existia por localização (idêntico a<br />
lugar). Galileu, ao demonstrar seu caráter infinito, dissolveu os lugares<br />
medievais: “extensão suplanta localização”. Hoje, a situação suplanta a<br />
extensão – “situação definida por relações de proximidade entre pontos<br />
ou elementos (...)”. 3 O que implica circulação. Se perdemos a garantia da<br />
localização, o espaço contemporâneo é, por princípio, vazio de lugares<br />
concretos. É topológico. Como estrutura, recebe seus lugares circunstanciais<br />
por investimento, por nomeação.<br />
O mapa, que entrelaça o caráter efêmero dos deslocamentos e a estabilidade<br />
de um código que nos possibilita identificar lugares, permeia o<br />
imaginário contemporâneo. Embora o mundo não seja mais vasto como<br />
antes e possamos estar do outro lado do planeta em tempo real sem<br />
sairmos de casa, convém que levemos nossos registros ao fazermos nossas<br />
“viagens”. Talvez seja este o estatuto das grafias: o de marca que<br />
requisita um pertencimento.<br />
A arte contemporânea apropria-se desse método: incorpora as indicações<br />
dos itinerários de leitura ao seu corpo. Associadas à idéia de demarcação<br />
(de território), de lugar investido simbolicamente pelo artista, as marcas<br />
Carla Linhares<br />
Plexo Urbano, 2002<br />
planta urbana, espelhos<br />
e luz artificial<br />
dimensões variáveis<br />
Coleção da artista<br />
Foto: Divulgação/Arquivo da artista<br />
Fabiana Wielewicki<br />
Monólogo, 2000<br />
Glaucis de Morais<br />
Linhas de Pensamento,<br />
2000<br />
pregos s/madeira e<br />
texto impresso s/papel<br />
30 x 193 cm<br />
Coleção da artista<br />
Foto: Divulgação/Arquivo da artista<br />
Marcelo Feijó<br />
Paisagem Urbana -<br />
São Paulo [detalhe],<br />
2000/2001<br />
Se a obra é marca em um espaço, ela estabelece o lugar físico para um<br />
lugar evocado. Grafias do Lugar, portanto, investiga a recorrência dessas<br />
inscrições substitutas, sob a perspectiva de cinco artistas que trabalham<br />
a idéia de não-pertencimento (cultural ou geográfico) a um lugar<br />
preexistente à demarcação. Estes são lugares construídos pelos que se<br />
sabem sem lugar garantido. São contingentes, construções em torno da<br />
ausência. As paisagens, aqui, resistem à paisagem.<br />
Em Plexo Urbano, de Carla Linhares, a luz revela o mapa da cidade. O<br />
reflexo obtido por sua incidência sobre espelhos ordenados lança uma cartografia<br />
imaterial sobre o chão e as paredes da galeria. Onde era esperada<br />
a imagem especular, o olhar encontra a trilha de luz que desenha ruas,<br />
quarteirões... Demarcação efêmera a ser guardada no fundo dos olhos.<br />
Em Monólogo, as janelas de Fabiana Wielewicki – sempre a mesma janela<br />
– reificam o lugar nomeado em diferentes lugares. Ao serem organizadas<br />
como frase composta da repetição de uma só palavra, atualizam (e cristalizam)<br />
a fugacidade do vislumbre, que terá de ser suposto (ou inventado)<br />
pelo observador. Pois elas subtraem a paisagem. Oferecem somente a<br />
moldura. Despertam nossa curiosidade e negam-se ao que nos convidam<br />
a fazer – ver além, ver através. Nos propõem um lugar-receptáculo.<br />
As Linhas de Pensamento, de Glaucis de Morais, vindas da estrutura de<br />
seu tear (seu fio de Penélope), configuram-se como uma sucessão de<br />
pregos em seqüência, lida como marcação do texto que a acompanha:<br />
palavras que ao serem escritas inscrevem um caminho. Resultantes do<br />
“desvio” de um outro projeto – o de tecer uma enorme rede (lugar de<br />
repouso) –, elas transformam o instrumento em parte da obra e a completam<br />
pela descrição do que poderia ter sido aquele outro: “...Primeiro<br />
prende bem, passa por aqui por cima, faz a volta (...) Começa outra vez.<br />
É preciso pegar o fio condutor...” Quase infinita descrição de itinerário...<br />
um lugar de passagem, um lugar de onde partir.<br />
A sentença de imagens de Marcelo Feijó, sua Paisagem Urbana, se constrói<br />
por fragmentos captados por sua câmara. Repartindo e reorganizando<br />
a paisagem das cidades que visita, ele compõe uma outra, mutável,<br />
porque feita por pequenos ladrilhos que aguardam diferentes combina-<br />
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