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MAPEAMENTO NACIONAL DA PRODUçãO ... - Itaú Cultural

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152 O último filme de um dos mais aclamados diretores do século<br />

passado, Stanley Kubrick, teve seu roteiro baseado na obra do<br />

austríaco Arthur Schnitzler, publicada em 1928 – Traumnovelle<br />

–, traduzida para o português com o título Pequeno Romance de<br />

Sonho. Schnitzler, que além de escritor e dramaturgo era médico,<br />

teria causado profundo espanto ao seu contemporâneo Freud, que<br />

após mais de 20 anos de relutância confessou ver no autor e em sua<br />

obra um duplo seu, tamanha a proximidade entre a ficção literária e<br />

a teoria psicanalítica que desenvolviam. Freud se estranha diante da<br />

As obras que se encontram nesta mostra não apresentam, salvo exceções,<br />

nenhum traço de lascívia patente que as classifique como arte erótica,<br />

mas sim o fio que as enlaça. Se o lugar da ausência marca um vazio, é<br />

nesse pertencimento que a presença se faz. Não é a saudade a presença<br />

daquilo que não está Os trabalhos destes cinco artistas ocupam antes<br />

lugares periféricos do amor e da sexualidade, como a angústia, a solidão,<br />

a ironia, a obsessão, que o centro do próprio amor ou do sexo. Espelham<br />

em conjunto o que Kubrick malfadou como sendo o amor-sexo nos tempos<br />

do HIV e da internet com o sexo virtual.<br />

familiaridade com que Schnitzler lida com o inconsciente, o desejo,<br />

o erotismo e a morte.<br />

O filme de Kubrick (De Olhos Bem Fechados – Eyes Wide Shut, no<br />

original) conserva em grande medida a atmosfera de sonho criada por<br />

Schnitzler na Viena do início do século XX. Mas, para além do caráter<br />

onírico, oscilando entre a imaginação e o inconsciente, Kubrick bolina<br />

no seio da sociedade cristã e capitalista do seu tempo, expondo as<br />

contradições de seus valores e de sua moral. Em um beco de estreitas<br />

saídas, sua história indica direções que jamais resultam em algo,<br />

esboçando continuamente o perfil da impotência humana ao manobrar<br />

entre os seus íntimos desejos e o establishment de uma sociedade<br />

hipócrita.<br />

Erotismo e amor não são necessariamente parceiros constantes e, em De<br />

Olhos Bem Fechados, Kubrick confirma esse fato. Anunciado pela imprensa<br />

(sic) como o novo último tango, o filme é um tratado sobre sexo<br />

onde não há sexo, apenas indícios, através dos movimentos dos personagens,<br />

ou pela exploração cenográfica.<br />

Com desconforto, vejo no filme de Kubrick uma obra-prima no que diz<br />

respeito à tradução que faz do amor e do sexo no mundo contemporâneo.<br />

Não gosto do que vejo, mas me rendo à lucidez com que as coisas<br />

ali se apresentam.<br />

Não posso dizer que a mostra Pupilas Dilatadas venha em decorrência<br />

do filme De Olhos Bem Fechados. Freud que aqui me socorra,<br />

ou mesmo Jung que me explique. Colocados assim, lado a lado, os<br />

títulos se sobrepõem e um se transforma em declinação do outro.<br />

Pouco importa. Esta exposição tem idéias que não me pertencem,<br />

nem mesmo ao Stanley. Elas fazem parte do nosso imaginário e,<br />

mais ainda, do nosso mundo real. Em ambos os casos – filme e<br />

exposição –, ficam claras as utopias do homem contemporâneo<br />

diante de valores frágeis e perspectivas obscuras para o futuro da<br />

sociedade.<br />

Beatriz Pimenta<br />

Cabeça, Tronco e<br />

Membros [detalhe],<br />

2000/2002<br />

Enrico Rocha<br />

Insônia, 2001<br />

Elisa Queiroz<br />

Namoradeira,<br />

2000/2002<br />

Martinho Patrício<br />

Máscara 1, 2001<br />

Rosana Ricalde<br />

"Feliz É o Sândalo que<br />

Perfuma o Machado que<br />

o Fere", 2001/2002<br />

A instalação fotográfica de Beatriz Pimenta – Cabeça, Tronco e Membros<br />

– desvela a fragilidade de um corpo desconexo entre suas partes, numa<br />

ambiência em que as visões se multiplicam, tornando os corpos – da obra<br />

e do espectador – ainda mais dilacerados.<br />

As fotografias de Enrico Rocha, Insônia, apreendem aquilo que é quase<br />

inapreensível, em rastros e flashes de um olhar conturbado e disperso.<br />

Num movimento de translação fotográfica, usa da cor-luz registrando<br />

estroboscopicamente os alvos de seus disparos perdidos. Mais que os<br />

desenhos de luzes resultantes nas imagens, sobressaem na contracena a<br />

perturbação e a dislexia.<br />

Na sua sala Namoradeira, Elisa Queiroz apropria-se de elementos de<br />

uma movelaria ergonomicamente referenciada nos corpos da artista e<br />

de seu amante. O ambiente é repleto de códigos da libido, constituindo<br />

uma ode ao desejo e à volúpia; entretanto, neste carrossel, os lugares<br />

dos amantes estão rigidamente marcados e fisicamente separados. Os<br />

sujeitos enamorados sucumbem ao idílio dos momentos a dois para<br />

viver uma arrebatadora paixão pelo estado em que se encontram – o<br />

de amar o amor.<br />

Com seus variados significados – compreendendo elemento manufaturado<br />

de tecido, intriga, cerzidura malfeita, namoro impudente –, a palavra<br />

fuxico nomeia o elemento-base para os trabalhos de Martinho Patrício.<br />

Nomeados como Máscaras pelo artista, esses mosaicos de cetim resultam<br />

em ícones de fetiche evocando irrefreável luxúria. É a máscara com a qual<br />

o sujeito oculta sua identidade e chancela sua fantasia.<br />

Em Verborun Torrens, Rosana Ricalde estabelece, mais que uma obra,<br />

um projeto cujo procedimento se desdobra em um trabalho contínuo,<br />

sob inúmeras configurações possíveis. Com caracteres irreversivelmente<br />

gravados, formando um caudal de ações na primeira pessoa do presente<br />

do indicativo, a artista se reconhece, se individualiza, se afirma e, em<br />

meio a tantas ações, se anula e se imobiliza. À primeira vista a obra se<br />

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