MAPEAMENTO NACIONAL DA PRODUçãO ... - Itaú Cultural
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128 Algo se manifesta no campo da arte quando do belo passa-se ao interes<br />
suas obras. Em suma, o que se questionava era o significado da criação<br />
e os seus limites numa sociedade regulamentada. Se, naquele momento,<br />
o questionamento do sistema da arte tinha ares de revolta, hoje caracteriza-se<br />
por uma distante ironia.<br />
sante como critério de valor. Para o artista norte-americano Donald Judd,<br />
o interessante faz frente à qualidade intrínseca da obra de arte, apregoado<br />
pela estética moderna. Isto porque o interesse não é inerente à obra,<br />
mas advém da relação entre o observador, a obra e o contexto em suas<br />
múltiplas dimensões. Distante de um determinismo absoluto e normativo,<br />
trata-se de uma categoria constantemente criada e recriada. O interessante<br />
define-se, pois, pela indeterminação e pelo relativismo. Sabemos, desde<br />
pelo menos Marcel Duchamp, que a diferença entre objetos cotidianos e<br />
objetos de arte passa pelo enquadre institucional, que é complexo e organiza-se<br />
como um sistema. Envolve, portanto, um conjunto de variáveis não<br />
apenas artísticas, mas também políticas, sociais e históricas, que configuram<br />
o que se convencionou chamar obra de arte, ao longo dos tempos.<br />
O campo artístico organiza-se, assim, como um sistema composto de um<br />
conjunto de redes de sentidos e funções cambiantes. Esta é a moldura<br />
da obra contemporânea, dentro da qual artista, crítico, curador, galerista<br />
e público, invariavelmente, misturam seus papéis. O valor econômico e<br />
o valor simbólico são fundidos e todos os envolvidos nesse sistema são<br />
responsáveis por sua criação e circulação. Se, num primeiro momento, a<br />
tarefa do crítico foi arbitrar o gosto, louvável tarefa que muitos ainda não<br />
se dispuseram a abdicar, hoje opera-se muito mais como uma observação<br />
crítica e apurada dos mecanismos que fazem mover esta engrenagem.<br />
Assim, aproximar-se da obra não significa acercar dos olhos sua materialidade<br />
sensível à maneira do connaisseur, mas, sim, compreender criticamente<br />
os meandros desse sistema.<br />
Como um microcosmo, as redes também não existem autonomamente.<br />
Inserem-se, organicamente, na sociedade contemporânea, já definida<br />
como Era da Informação. Como observa Manuel Castells, sociólogo da<br />
contemporaneidade: “Redes constituem a nova morfologia social de<br />
nossas sociedades, e a difusão da lógica das redes modifica de forma<br />
substancial a operação e os resultados dos processos produtivos e de<br />
experiência, poder e cultura. Embora a forma de organização social em<br />
redes tenha existido em outros tempos e espaços, o novo paradigma da<br />
tecnologia da informação fornece a base material para sua expansão<br />
penetrante em toda a estrutura social”. 1 Essa inserção em redes, que<br />
privilegia o lugar da informação e seus fluxos, é o ponto de partida para<br />
a reunião dos trabalhos que, de uma forma ou de outra, indagam sobre<br />
o estatuto da obra de arte na nossa época.<br />
Jeanine Toledo<br />
Isto É Arte Arte É Isto<br />
[detalhe], 2000<br />
Luciano Mariussi<br />
Não Entendo, 1999<br />
Frederico Câmara<br />
Fear No Art [Não Tenha<br />
Medo da Arte], 1999<br />
Marta Neves<br />
Sem Título<br />
[série][detalhe],<br />
2000/2001<br />
Jeims Duarte<br />
Galleria, 2002<br />
O circuito de comunicação estabelecido entre artista, obra e público,<br />
antes resumido a estes três elementos, hoje expande-se em número e<br />
complexidade. A artista Jeanine Toledo resume a indagação básica desta<br />
rede de sentidos cambiantes. Sua obra completa-se com uma breve<br />
demonstração sustentada somente dentro de um sistema de significados<br />
e valores. Isto é arte – indaga. Arte é isto, responde; numa tautologia<br />
emaranhada em fios de cabelo.<br />
Luciano Mariussi lança esse questionamento fora do circuito artístico. No<br />
vídeo Não Entendo, interroga, em diversas línguas, os passantes nas ruas.<br />
O que surge como resposta nos garante, mais uma vez, que esta definição,<br />
pelo menos em se tratando de arte contemporânea, elabora-se dentro de<br />
um conjunto de códigos muito distante de um idioma comum.<br />
Atento a esses códigos inerentes à definição de arte contemporânea,<br />
Frederico Câmara realiza vídeos como parte de um penoso testemunho<br />
dos passos exigidos do artista aspirante à legitimação dentro do sistema<br />
artístico. Os nomes dos mais conhecidos artistas, por exemplo, são repetidos<br />
como mantras, à exaustão e sem trégua, como figuras idealizadas de<br />
uma sorte inatingível.<br />
Marta Neves escolhe as publicações conceituadas no circuito artístico<br />
para indagar este mesmo sistema de legitimação. Opera dentro de uma<br />
irônica estratégia de guerrilha ao apropriar-se e subverter capas de revistas<br />
de arte, peças centrais na produção, circulação e distribuição de valores<br />
hegemônicos. Se as revistas são parte de um sistema relativamente<br />
recente de legitimação de valores, as galerias remontam à origem do<br />
conceito de valor de exposição.<br />
A Galeria, herdeira dos Gabinetes de Curiosidades e também presente<br />
nos palácios reais, remonta a muitos séculos. A própria galeria, em sua<br />
dimensão contemporânea e ideológica, é interrogada por Jeims Duarte<br />
em seus projetos de galerias virtuais. Os projetos de espaços expositivos<br />
sugerem um valor de exibição, leia-se poder de legitimação, que funde<br />
real e imaginário.<br />
129<br />
É certo, porém, que a consciência crítica sobre esse sistema levou muitos<br />
artistas, sobretudo a partir das décadas de 1960 e de 1970, a tomar os<br />
meandros da produção, circulação e distribuição da arte como tema de<br />
Cada vez mais o papel do observador é central nas poéticas contemporâneas,<br />
sobretudo a partir da segunda metade do século XX, quando<br />
a contemplação é abandonada, e do público exige-se um envolvimento