MAPEAMENTO NACIONAL DA PRODUçãO ... - Itaú Cultural
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118 É nessa perene abertura à reformulação do sentido específico, que por-<br />
Também aqui, contudo, restam poucos traços da delineação precisa de<br />
uma subjetividade; são somente os vestígios de uma identidade difusa<br />
ou o que se apresenta como possibilidade construtiva de outras que o<br />
artista apresenta.<br />
ventura tenha, que o trabalho aspira, contraditoriamente, à permanência<br />
como obra. Ancorado numa temporalidade distinta, o trabalho de Ana<br />
Laet não propõe, por sua vez, narrativa alguma: busca seduzir o olhar,<br />
de modo rápido, por meio da estranheza causada pela aproximação que<br />
faz de lugares simbólicos distantes. Penduradas em cabides de roupas,<br />
fotografias de corpos humanos desnudos são impressas em plástico liso<br />
e formam, juntas de peles de animais, estruturas que ativam a supressão<br />
de diferenças entre natureza e cultura.<br />
Calcados em visão diversa, três outros trabalhos da mostra tratam dos<br />
variados modos em que um mesmo corpo pode afirmar-se no mundo.<br />
Partindo da fotografia frontal de uma mulher ou um homem, Beatriz<br />
Pimenta a divide em partes iguais e cria duas outras imagens: cada<br />
uma delas formada por uma das metades da fotografia original e seu<br />
duplo rebatido para o lado ausente. Cria, por meio desse procedimento<br />
simples, seres bizarros que evidenciam o quão distinto pode ser o que<br />
parece simétrico ao olhar distraído. Já Clarissa Campello faz do seu<br />
próprio rosto suporte para a investigação de quantas pessoas pode vir a<br />
ser um dia. Utilizando-se apenas de cosméticos e perucas, modifica sua<br />
aparência física até próximo ao limite de desaparição dos traços comuns<br />
que revelam, nas fotografias que registram seu ato, tratar-se do mesmo<br />
indivíduo. Baralha assim identidades por ela construídas e reivindica,<br />
para si e para qualquer um, várias outras formas possíveis de existência.<br />
Marcelo Cidade, por fim, apresenta o registro fotográfico de intervenções<br />
que fez em centros urbanos: despido, abraça-se a postes de sinalização e,<br />
num impulso corporal, põe-se na posição de um horizonte quase oculto.<br />
Desprende-se, assim, não só das roupas que o tornam homem civil, mas<br />
também da verticalidade que o define como humano: coloca-se num<br />
espaço de suspensão simbólica e física que o libera de ser coisa alguma.<br />
Ainda nesse contexto de significados moventes, vários outros trabalhos<br />
põem em tensão a própria polaridade entre a idéia de Sujeito moderno<br />
e as coisas do mundo, fazendo destas índices da primeira ou de seu<br />
gradual desaparecimento. Os três espelhos que Fabiano Gonper apresenta<br />
em linha possuem, cada um deles, capacidades distintas de apreensão<br />
dos corpos que se postam na sua frente. No primeiro, o reflexo<br />
corresponde ao que usualmente se espera da experiência do espelhamento;<br />
no segundo, uma retícula metalizada produz o desconforto do<br />
aprisionamento virtual da carne; no terceiro, o vidro esfumado quase<br />
não mais reflete o corpo, exilando-o do auto-reconhecimento. Valendose<br />
de estratégia aparentemente oposta, Mário Simões busca exibir o<br />
corpo o mais que pode, adornando todas as suas extremidades com<br />
malha azul e fotografando-o quase como objeto decorativo apenas.<br />
Ana Laet<br />
Você É o que Você Come,<br />
2001/2002<br />
Beatriz Pimenta<br />
Moises e Simone, 2000<br />
plotter s/lona vinílica<br />
180 x 335 cm<br />
Coleção da artista<br />
Foto: Juninho Motta/Itaú <strong>Cultural</strong><br />
Clarissa Campello<br />
Pintura [série], 2000<br />
Marcelo Cidade<br />
Eu-Horizonte, 2000<br />
fotografia<br />
70 x 100 cm<br />
Coleção do artista<br />
Foto: Juninho Motta/Itaú <strong>Cultural</strong><br />
Fabiano Gonper<br />
Objeto de Exilar/Sítio/<br />
Sem Título, 2000<br />
Mário Simões<br />
Habeas Corpus, 2001<br />
Fabio Faria<br />
Sem Título - Interior #<br />
100, 1999<br />
Domitília Coelho<br />
Sem Título [série], 2001<br />
Gabriela Ficher<br />
Quarto da Paula [Vista<br />
1], 1999/2000<br />
Adriana Boff<br />
Obscuras Refrigeradas,<br />
2000/2002<br />
geladeira, câmaras<br />
obscuras, fotografias pinhole<br />
s/borracha imantada<br />
150 x 65 x 20 cm<br />
Coleção da artista<br />
Foto: Juninho Motta/Itaú <strong>Cultural</strong><br />
Gustavo Magalhães<br />
Desejo de Morte,<br />
1999/2000<br />
instalação - concreto armado,<br />
parafina e lâmpadas<br />
220 x 400 x 400 cm [área]<br />
Coleção do artista<br />
Foto: Juninho Motta/Itaú <strong>Cultural</strong><br />
Já nas pinturas de Fabio Faria não há espaço para a representação de<br />
corpos. Embora descrevam, em superfícies delineadas com calma, ambientes<br />
destinados à sua presença – quartos, cinemas, salas –, grita nelas o<br />
silêncio constrangedor da falta. São trabalhos que afirmam, na ausência<br />
por demais evidente de quem eles mais falam, a melancolia que a perda<br />
das coordenadas simbólicas de afeto causa. Ainda que também registrem<br />
espaços vazios, as fotografias que Domitília Coelho faz de vitrines<br />
de lojas de móveis não parecem remeter a ausências, mas ao que há já<br />
inscrito, em potência, como formas de vida em ambientes onde tudo é<br />
simulado. Fotografadas da rua, essas vitrines são igualmente oferta e<br />
recusa de acesso, fronteiras tênues, mas claras, entre o espaço público<br />
(rua) e o espaço privado (loja/casa).<br />
Os pequenos cubos que Gabriela Ficher espalha nas salas de exposição<br />
condensam, por sua vez, espaços feitos para serem habitados. Um deles<br />
carrega, fixados em cada um de seus lados, os mesmos materiais que<br />
cobrem as superfícies da sala. Outro reproduz os do quarto; um terceiro,<br />
os do banheiro; e outro, os da cozinha. São ambientes sintéticos<br />
e móveis que, como as pinturas descritas acima, também marcam a<br />
presença humana por sua ausência, tornando-se índices da mobilidade<br />
simbólica e física que define o mundo contemporâneo. Tomando não<br />
os ambientes da casa, mas um dos seus objetos como plataforma de<br />
onde enuncia sua fala, Adriana Boff afixa, na porta de uma geladeira<br />
trazida para o espaço da mostra, fotografias que inicialmente sugerem<br />
um ambiente estranho à memória. Observadas com atenção, revelam<br />
tratar-se, contudo, de imagens do próprio interior da geladeira, realizadas<br />
quando ele se encontrava vedado ao olho humano e só existia,<br />
portanto, como imagem lembrada. Abrindo-se sua porta, descobrem-se<br />
as várias câmaras obscuras que, feitas com embalagens de produtos alimentícios,<br />
captaram as imagens das demais ali postas, invertendo, por<br />
isso, noções de ausência e presença.<br />
É justo do fascínio invertido pela falta que trata a instalação de Gustavo<br />
Magalhães. No interior das quatro urnas de concreto que a compõem,<br />
lâmpadas acesas e quentes flutuam lentamente sobre uma base espessa<br />
de parafina, gradualmente derretida pelo calor intenso. Atraído pela<br />
incandescência vinda de dentro das urnas, o olhar paciente acompanha<br />
o arfar vagaroso de corpos ausentes, que não estão ali nem em lugar<br />
algum, mas em trânsito constante. O trabalho em vídeo de Gabriele<br />
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