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MAPEAMENTO NACIONAL DA PRODUçãO ... - Itaú Cultural

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136 Assim, Jorge Menna Barreto e Marcelo Cidade deslocam terras e<br />

implicitamente à Visibilidade: 10.000 garrafas de água mineral, cobrindo<br />

o chafariz do Palácio das Artes. 2 A água foi retirada na madrugada de<br />

sua instalação e vendida nas esquinas. O pão, levado, dias depois, como<br />

comida. Como então conceber a arte como o domínio exclusivo de um<br />

olho desencarnado, do universo da Visibilidade Como aceitar a fruição<br />

estética como um juízo autônomo, purificado e ascético em sua Leveza,<br />

dissociado das necessidades da existência, desvinculado de um corpo que<br />

tem fome e sede Nossas perversidades em exposição.<br />

horizontes. Minha Terra/Sua Terra, MTST consiste na extração de 70<br />

quilos (correspondentes ao peso de Jorge) de terra de uma cidade, e<br />

sua distribuição, em pequenas porções, aos visitantes de outra cidade.<br />

A dispersão das fronteiras e seu destino imprevisível denunciam que<br />

todo limite é um corte arbitrário em um todo infinitamente móvel. Pois<br />

como fixar territórios em um mundo sem centros, se todo vínculo ao<br />

solo se reduz à gravidade, à atração que a terra exerce sobre nossos<br />

corpos A distribuição de terra exige essa espécie de despedaçamento<br />

do corpo/terra do artista e sua doação ao outro além da fronteira: uma<br />

desprivatização de si. A contingência material desse elo coloca o corpo<br />

entre a efemeridade de sua posição e a potência que esta mobilidade<br />

contém: incontáveis territórios surgirão e serão absorvidos em um universo<br />

fragmentado, que oferece tanto seu nomadismo errático quanto<br />

o múltiplo do horizonte.<br />

O horizonte era essa linha circular que limitava o plano da terra e o céu,<br />

e que colocava aquele que olha no centro do mundo que ela limitava.<br />

Marcelo Cidade compõe um horizonte constituído por centenas de habitantes<br />

alinhados na paisagem de cada uma das cidades da mostra, que<br />

o artista reúne pela fotografia.<br />

Jorge Menna Barreto<br />

Minha Terra, Sua Terra<br />

[Rumos], 2001/2002<br />

instalação/performance<br />

textos: Agnaldo Farias e<br />

Daniella Samad<br />

dimensões variáveis<br />

Coleção do artista<br />

Foto: Daniel Mansur/Itaú <strong>Cultural</strong><br />

Alexandre Vogler<br />

Macumbanonsite<br />

[Trabalho pra Maria<br />

Padilha, Rainha<br />

da Encruzilhada],<br />

2001/2002<br />

performance/instalação<br />

- pétalas de rosa vermelha,<br />

pemba branca e<br />

licor de anis<br />

Coleção do artista<br />

Apoio: PUC TV [Minas<br />

Gerais]<br />

Foto: Daniel Mansur/Itaú <strong>Cultural</strong><br />

Se como espaço público entendemos o mundo comum a todos, mas<br />

diferente do lugar que nos cabe dentro dele, onde é o lugar que nos<br />

é específico Ao tecer correspondências entre o projeto moderno do<br />

urbanismo racionalista e da arte, Alexandre Vogler deflagra o que há de<br />

excludente e perverso em seu ideal de pureza, como renova os sentidos<br />

das práticas situacionistas da arte contemporânea. Acolhendo o acaso<br />

em seus planos e as incongruências da vida em seu cotidiano, aponta-nos<br />

que o lugar que nos é específico, se existe, é a escultura para abrigar a<br />

população de rua; a esquina onde a entidade da umbanda Maria Padilha,<br />

Rainha da Encruzilhada, encontra-se com Robert Smithson para uma<br />

Macumbanonsite. Vogler revela o que há de fecundo na aceitação do<br />

erro, no permeio da arte pelas diferentes construções culturais.<br />

137<br />

A paisagem foi a ficção de um mundo visto por um sujeito universal, que<br />

submeteu os horizontes do mundo a seu olho e sua medida. Que subjugou<br />

todos os desvios: os da carne, os do impensado, os do outro obscuro que<br />

erra à nossa volta, a um ponto de fuga referendado por seu olhar, na altura<br />

exata de sua contemplação. O olho que está na origem do quadro. A paisagem<br />

se ancora nesse olhar, ordena os espaços e reúne, no horizonte, as<br />

dispersões de todos os lugares. Horizonte infinito da visualidade é o pouso<br />

das distâncias impalpáveis que apenas a visão toca. A paisagem é domínio<br />

do quase in-corpóreo. O horizonte para onde todos os lugares se dirigem<br />

e de onde todos os lugares extravasam. Ao mesmo tempo que se somam,<br />

os horizontes de Marcelo se relativizam. Recusam a paisagem como o<br />

mundo submetido a um olhar centralizado, para apresentá-la como centenas<br />

de horizontes que nos olham e que nos dissipam como unidade.<br />

E se a paisagem é o horizonte do lugar, dele difere. O lugar talvez abrigue<br />

os corpos e a memória, a ancoragem cultural ao solo. As intervenções<br />

urbanas de Felipe Barbosa e Rosana Ricalde verificam os processos de constituição<br />

e desaparecimento da paisagem, do lugar e da memória na urbe<br />

contemporânea, sua dinâmica autofágica e mutante. Visibilidade intitula<br />

o muro de 8.000 pães, erguido em uma passagem no centro de Belo<br />

Horizonte. Se o olhar alcança a paisagem por sobre a barreira de pães,<br />

ao corpo é interditado o acesso. A alguns quarteirões, Leveza conecta-se<br />

Marcelo Cidade<br />

Eu Sou Ele Assim como<br />

Você É Ele Assim como<br />

Você Sou Eu e Nós<br />

Somos Todos Juntos<br />

[detalhe], 2002<br />

Felipe Barbosa e<br />

Rosana Ricalde<br />

Visibilidade, 2002<br />

intervenção - 8.000<br />

pães e engradado de<br />

madeira<br />

150 x 1.000 cm<br />

Coleção dos artistas<br />

Foto: Daniel Mansur/Itaú <strong>Cultural</strong><br />

Carla Linhares<br />

Circuito Antivicioso<br />

de Regras Cotidianas,<br />

2000/2002<br />

intervenção urbana -<br />

metal e adesivos<br />

40 x 40 cm<br />

Coleção da artista<br />

Foto: Daniel Mansur/Itaú <strong>Cultural</strong><br />

Ducha<br />

Laranja, 2000/2002<br />

Carla Linhares interroga as possibilidades de uma vida social e pública<br />

como ação comunicativa. Invade os códigos de informação urbana para<br />

interferir no circuito viciado das rotinas diárias. Suas placas são colocadas<br />

entre outros cartazes e sinalizações. Suas mensagens alteradas são<br />

lufadas de ar na asfixia de um mundo sobrecodificado, que regula os<br />

contatos pessoais no espaço urbano e os corpos em seus deslocamentos.<br />

Um mundo no qual a própria vida se torna texto, signo, código genético.<br />

A artista sabe que uma afasia nos assola: se vivemos mecanicamente as<br />

relações coletivas, reinventemos a flânerie, com suas sutis escrituras, com<br />

sua cartografia da errância.<br />

Ao relatar que recorrerá “a uma fuga ao sertão e à experiência de<br />

Guimarães Rosa para criar uma situação de desestabilização do senso de<br />

realidade”, e apresentar na galeria apenas um facão recolhido na viagem,<br />

Ducha questiona a esfera pública como o campo do discurso no qual<br />

o estatuto de um fato é determinado e legitimado, inclusive uma obra<br />

de arte. Assim como a narrativa de Grande Sertão: Veredas é tecida em<br />

torno desse vazio deixado pelo ouvinte de Riobaldo, presença invisível<br />

que o leitor deverá preencher, a obra () de Ducha é construída pelas<br />

vozes produzidas em torno de sua fuga e de sua reticente frase, como o<br />

discurso crítico e curatorial. Quem fala Com que autoridade Uma interrogação<br />

que parece já não ter resposta.

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