MAPEAMENTO NACIONAL DA PRODUçãO ... - Itaú Cultural
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120 Gomes é talvez, contudo, dentre os que compõem a exposição, o que<br />
mais sinteticamente evoque, novamente pela falta explícita da figura<br />
humana, a diluição das construções identitárias fixas e a fluidez dos<br />
lugares simbólicos que se pode assumir hoje no mundo. Constando<br />
apenas da imagem de um travesseiro que bóia incerto no mar sem<br />
fotografia e a pintura. Já a videoinstalação de Laércio Redondo mostra,<br />
em duas projeções avizinhadas, um casal que dança (o próprio artista e<br />
Dorota Lukianska, sua colaboradora nesse projeto) numa sala espelhada<br />
e ao som de uma melodia conhecida e antiga. À medida que negociam<br />
seu encontro dançado, suas imagens atravessam os espaços de uma a<br />
afundar tempo algum, ele torna o objeto de repouso da cabeça – lugar<br />
outra projeção, se multiplicam em outras várias imagens que os espelhos<br />
Gabriele Gomes<br />
Laércio Redondo<br />
Travesseiro no Mar,<br />
After Venice [detalhe],<br />
suposto como o da razão e do discernimento – emblema da efemeridade<br />
2001<br />
refletem e se confundem aos olhos de quem as observa. Aproximam<br />
2001<br />
de qualquer posição que o indivíduo assuma.<br />
ainda o que é real do simulacro, o que uma e outra câmara filmaram e<br />
o que é presente e o que é só fato rememorado. Afastados de qualquer<br />
nostalgia de definições seguras e totalizantes, esses e os demais trabalhos<br />
da mostra esboçam, nos modos singulares em que se expressam, caminhos<br />
possíveis para a construção da idéia de um Sujeito fragmentado e<br />
em estado de recriação constante.<br />
A linha extensa composta das pequenas fotografias de Marcelo Feijó<br />
propõe, em seu turno, uma narrativa truncada e híbrida do espaço urbano,<br />
na qual alturas, distâncias, volumes, pessoas e fatos são destituídos<br />
de uma ordem hierárquica ou de interesse singular, constituindo juntos<br />
uma paisagem quebrada e única. Impressas algumas sobre louça e outras<br />
sobre vidro, as fotografias alternam ainda as sensações de opacidade e<br />
transparência que a construção de identidades múltiplas engendra. A<br />
fragmentação da experiência urbana está também presente na videoinstalação<br />
de Bruno de Carvalho. Atraído pelo som de rua e pela luz cortada,<br />
que emanam de um pequeno monitor localizado no piso de uma<br />
sala coberta por colchões, o visitante se aproxima desse vórtice de apelos<br />
aos sentidos e provoca, com o seu deslocamento, a interrupção dos ruídos<br />
que ouvia. Restam apenas, nessa experienciação do corpo no espaço<br />
construído pelo artista, as imagens de pessoas correndo num labirinto<br />
formado por vários ônibus e a frase escrita na tela que afirma, com<br />
alguma ironia: “Você está seguro aqui”. As implicações da idéia frágil de<br />
segurança são também adequadas para o entendimento do conjunto de<br />
fotografias apresentado por Juliana Stein, nas quais imagens de pessoas,<br />
de objetos e de espaços são justapostas sem nenhuma hierarquia e por<br />
vezes só em pedaços. Sugerem ser registros de ambientes hospitalares<br />
fechados ou asilos, lugares de afastamento do convívio social amplo e de<br />
vigilância e controle sobre os corpos dos internos e pacientes. A edição<br />
partida das imagens dá, contudo, sentido comum e potência aos desejos<br />
reprimidos nas instituições disciplinares e que apenas se querem diferentes<br />
(desregulados) nos prazeres e infelicidades da vida.<br />
Marcelo Feijó<br />
Paisagem Urbana -<br />
São Paulo [detalhe],<br />
2000/2001<br />
Bruno de Carvalho<br />
V.E.S.A., 2001/2002<br />
Juliana Stein<br />
Éden [série], 1999<br />
Moacir dos Anjos<br />
121<br />
Os dois últimos trabalhos da mostra a ser comentados evocam o corpo<br />
humano inteiro apenas para anunciar com clareza sua natureza cindida<br />
na contemporaneidade. Nas fotografias apresentadas por Caetano Dias,<br />
imagens de homens despidos são tratadas digitalmente e desfocadas<br />
até virarem manchas coloridas de luz. Os ambientes que as entornam,<br />
contudo, são mantidos nítidos, tornando-se quase molduras para uma<br />
nudez interdita. Na tensão assim criada, o artista abre frestas entre o<br />
mundo íntimo e a esfera pública, entre o oferecimento de corpos e a<br />
sua recusa e, numa ampliação de seu foco de alcance, também entre a<br />
Caetano Dias<br />
Nos Campos do Senhor,<br />
2001<br />
fotografia<br />
125 x 189 cm<br />
Coleção MAM Bahia<br />
Foto: Divulgação/Arquivo do artista<br />
Nota<br />
1. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 1997.