Exibiam a origem de uma nobre linha.Cibele , então fecunda em frutos generosos,Nos filhos seus não via encargos onerosos:Qual loba fértil em anônimas ternuras,Aleitava o universo com as tetas duras.Robusto e esbelto, tinha o homem por sua leiGabar-se das belezas que o sagravam rei,Sementes puras e ainda virgens de feridas,Cuja macia tez convidava às mordidas!Quan<strong>do</strong> se empenha o Poeta em conceber agoraEssas grandezas raras que ardiam outrora,No palco em que a nudez humana luz sem brioSente ele n'alma um tenebroso calafrioAnte esse horren<strong>do</strong> quadro de bestiais ultrajes.Ó quanto monstro a deplorar os próprios trajes!Ó troncos cômicos, figuras de espantalhos!Ó corpos magros, fláci<strong>do</strong>s, infla<strong>do</strong>s, falhos,Que o deus utilitário, frio e sem cansaço,Desde a infância cingiu em suas gases de aço!E vós, mulheres, mais seráficas que os círios,Que a orgia ceva e rói, vós, virgens como lírios,Que herdaram de Eva o vício da perpetuidadeE to<strong>do</strong>s os horrores da fecundidade!Possuímos, é verdade, impérios corrompi<strong>do</strong>s,Com velhos povos de esplen<strong>do</strong>res esqueci<strong>do</strong>s:Semblantes roí<strong>do</strong>s pelos cancros da emoção,E por assim dizer belezas de evasão;Tais inventos, porém, das musas mais tardiasJamais impedirão que as gerações <strong>do</strong>entiasRendam à juventude uma homenagem grave- À juventude, de ar singelo e fronte suave,De olhar translúci<strong>do</strong> como água de corrente,E que se entorna sobre tu<strong>do</strong>, negligente,Tal qual o azul <strong>do</strong> céu, os pássaros e as flores,Seus perfumes, seus cantos, seus <strong>do</strong>ces calores.OS FARÓISRubens, rio <strong>do</strong> olvi<strong>do</strong>, jardim da preguiça,Divã de carne tenra onde amar é proibi<strong>do</strong>,Mas onde a vida flui e eternamente viça,Como o ar no céu e o mar dentro <strong>do</strong> mar conti<strong>do</strong>;Da Vinci, espelho tão sombrio quão profun<strong>do</strong>,Onde anjos cândi<strong>do</strong>s, sorrin<strong>do</strong> com carinhoSubmersos em mistério, irradiam-se ao fun<strong>do</strong>Dos gelos e pinhais que lhes selam o ninho;Rembrandt, triste hospital repleto de lamentos,Por um só crucifixo imenso decora<strong>do</strong>,Onde a oração é um pranto em meio aos excrementos,E por um sol de inverno súbito cruza<strong>do</strong>;Miguel Ângelo, espaço ambíguo em que vagueiamCristo e Hércules, e onde se erguem <strong>do</strong>s ossáriosFantasmas colossais que à tíbia luz se arqueiamE cujos de<strong>do</strong>s hirtos rasgam seus sudários;
Impudências de fauno, iras de boxea<strong>do</strong>r,Tu que de graça aureolaste os desgraça<strong>do</strong>s,Coração orgulhoso, homem fraco e sem cor,Puget, impera<strong>do</strong>r soturno <strong>do</strong>s força<strong>do</strong>s;Watteau, um carnaval de corações ilustres,Quais borboletas a pulsar por entre os lírios,Cenários leves inflama<strong>do</strong>s pelos lustresQue à insânia incitam este baile de delírios;Goya, lúgubre sonho de obscuras vertigens,De fetos cuja carne cresta os sabás,De velhas ao espelho e seminuas virgens,Que a meia ajustam e seduzem Satanás;Delacroix, lago onde anjos maus banham-se em sangue,Na orla de um bosque cujas cores não se apagamE onde entranhas fanfarras, sob um céu exangue,Como um sopro de Weber entre os ramos vagam;Essas blasfêmias e lamentos indistintos,Esses Te Deum, essas desgraças, esses aisSão como um eco a percorrerem mil labirintos,E um ópio sacrossanto aos corações mortais!É um grito expresso por milhões de sentinelas,Uma ordem dada por milhões de porta-vozes;É um farol a clarear milhões de cidadelas,Um caça<strong>do</strong>r a uivar entre animais ferozes!Sem dúvida, Senhor, jamais o homem vos deraTestemunho melhor de sua dignidadeDo que esse atroz soluço que erra de era em eraE vem morrer aos pés de vossa eternidade!A MUSA DOENTEO que tens essa manhã, ó musa de ar magoa<strong>do</strong>?Teus olhos estão cheios de visões noturnas,E vejo que em teu rosto afloram la<strong>do</strong> a la<strong>do</strong>A loucura e a aflição, frias e taciturnas.Teria o duende róseo ou o súcubo esverdea<strong>do</strong>Te ungi<strong>do</strong> com o me<strong>do</strong> e o mel de suas urnas?O sonho mau, de um punho déspota e obceca<strong>do</strong>,Nas águas te afogou de um mítico Minturnas ?Quisera eu que, verten<strong>do</strong> o o<strong>do</strong>r da exuberância,O pensamento fosse em ti uma constânciaE que o sangue cristão te fluísse na cadênciaDas velhas sílabas de uníssona freqüência,Quan<strong>do</strong> reinavam Febo, o cria<strong>do</strong>r das cantigas,E o grande Pã, senhor <strong>do</strong> campo e das espigas.
- Page 2 and 3: As Flores do MalCharles BaudelaireA
- Page 4 and 5: Sobre ele pousarei a tíbia e férr
- Page 8 and 9: A MUSA VENALÓ musa de minha alma,
- Page 10 and 11: Esquadrinhando o céu, a vista ator
- Page 12 and 13: O IDEALJamais serão essas vinhetas
- Page 14 and 15: Se teu olhar, teu riso, teus pés m
- Page 16 and 17: Obra de algum obi, o Fausto da sava
- Page 18 and 19: Ou grãos que em rítmica cadência
- Page 20 and 21: nessas noites sem fim em que nos fo
- Page 22 and 23: Onde o Destino um dia me esqueceu;O
- Page 24 and 25: TODA ELAO Demônio em meu quarto sa
- Page 26 and 27: Sobre Paris em calma fluía.E junto
- Page 28 and 29: Serei teu ataúde, amável pestilê
- Page 30 and 31: Eu te quero contar, lânguida feiti
- Page 32 and 33: A esta alma que o tormento assola,C
- Page 34 and 35: Bem longe do prazer mundano e do de
- Page 36 and 37: LOUVORES À MINHA FRANCISCAVersos c
- Page 38 and 39: SONETO DE OUTONOO teu olhar me diz,
- Page 40 and 41: Escalo o dorso aos vagalhões entre
- Page 42 and 43: SPLEENPluviôse, contra toda a cida
- Page 44 and 45: Mas eis que as trevas afinal são c
- Page 46 and 47: IUma Idéia, uma Forma, um SerVindo
- Page 48 and 49: Repuxos no jardim chorando entre al
- Page 50 and 51: Jóias que valem bem poucoQue eu ne
- Page 52 and 53: E discutindo com meu espírito lass
- Page 54 and 55: São mistério, a esplender de inve
- Page 56 and 57:
Um relâmpago e após a noite! - A
- Page 58 and 59:
Deles, a maior parte jamais conhece
- Page 60 and 61:
Cheirais a Morte, ó Esqueletos per
- Page 62 and 63:
A minha alma, melhor que na morna e
- Page 64 and 65:
E a alma grave do corpo imitava a p
- Page 66 and 67:
E para o ódio afogar e embalar o
- Page 68 and 69:
Hoje o espaço é de luzes cheio!Se
- Page 70 and 71:
Seus sentidos doentes de tédio,Tin
- Page 72 and 73:
O vinho aguça o olhar e torna a au
- Page 74 and 75:
Mas logo a bordejar o litoral a les
- Page 76 and 77:
A crápula, a ulular, da guarda e d
- Page 78 and 79:
Tem piedade, Satã, desta longa mis
- Page 80 and 81:
Que como um elixir nos transporta e
- Page 82 and 83:
Íamos a seguir, pelo ritmo da vaga
- Page 84 and 85:
VE após, e após enfim?VI"Cérebro
- Page 86 and 87:
Irias ler-me por engano,Ou me teria
- Page 88 and 89:
Que apenas me amas com pavor,Nos ab
- Page 90 and 91:
Palavra! E sobre mim, num calafrio,
- Page 92 and 93:
Dos distantes confins das montanhas
- Page 94 and 95:
Volúpia, abre-me a tua teia,Toma o
- Page 96 and 97:
Tal como Pafos as estrelas te vener
- Page 98 and 99:
Punha-se à espera de uma doce reco
- Page 100 and 101:
Cumpri vosso destino, almas desorde
- Page 102 and 103:
E do alto do divã, imersa em paz,
- Page 104 and 105:
É qual chuva incessanteDe agudas d
- Page 106 and 107:
ISei que não és, minha querida,O
- Page 108 and 109:
Ele é um satírico, um bufão,Mas
- Page 110 and 111:
"Onde é que vês esse demiurgo da
- Page 112 and 113:
Como lamentarias os teus ócios fra
- Page 114:
UMA TASCA DIVERTIDANA ESTRADA DE BR