A dança da mente : Pina Bausch e psicanálise - pucrs
A dança da mente : Pina Bausch e psicanálise - pucrs
A dança da mente : Pina Bausch e psicanálise - pucrs
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
55<br />
Maria Tereza Furtado Travi<br />
Eliana Rodrigues Silva afirma que, na obra de <strong>Pina</strong>, é possível<br />
perceber uma “estrutura episódica” aparente<strong>mente</strong> sem um fio condutor<br />
comum, que se encaixa “com a definição <strong>da</strong> nova narrativa <strong>da</strong> <strong><strong>da</strong>nça</strong> pósmoderna...”<br />
(2005, p. 123). A autora acrescenta ain<strong>da</strong>, indo ao encontro de<br />
Spindler, que “estratégias de associação livre entre as cenas, de montagem<br />
aleatória, de fragmentação e muita repetição são usa<strong>da</strong>s continua<strong>mente</strong>”<br />
(2005, p. 124).<br />
Dessa mesma forma, acontece a fala do paciente: fragmenta<strong>da</strong>,<br />
repeti<strong>da</strong>, alterna<strong>da</strong>. Essa escrita do inconsciente encontra-se então na<br />
Psicanálise e na <strong><strong>da</strong>nça</strong>-teatro de <strong>Pina</strong>, elabora<strong>da</strong> através <strong>da</strong>s associações<br />
livres e <strong>da</strong> repetição de sentimentos e situações passa<strong>da</strong>s. Porém, além<br />
do método <strong>da</strong> associação livre como forma de acesso ao inconsciente,<br />
percebo outros fatores comuns na situação psicanalítica e no processo de<br />
criação bauschiano. Um deles é a criação de um espaço e combinações<br />
que privilegiam e induzem o desenvolvimento do tratamento terapêutico,<br />
no caso <strong>da</strong> Psicanálise; e <strong>da</strong> criação de movimentos, no caso de <strong>Pina</strong>.<br />
Em ambas as áreas, existe um ambiente facilitador para que o sujeito se<br />
entregue como tal, com suas peculiari<strong>da</strong>des e conflitos. Forma-se o setting<br />
ou o palco com características semelhantes para que isso aconteça.<br />
Hoghe (1989, p. 28) afirma que “<strong>Pina</strong> <strong>Bausch</strong> cria uma situação de<br />
trabalho na qual é possível o ser humano poder reconhecer-se também em<br />
seus receios”. Ou seja, como a Psicanálise, a coreógrafa busca um entorno<br />
que colabora para que o sujeito apresente-se de forma mais autêntica.<br />
Percebo que o “incômodo” provocado pelo setting também é comum tanto<br />
na <strong><strong>da</strong>nça</strong>-teatro de <strong>Bausch</strong> quanto na Psicanálise. Da mesma forma que<br />
o paciente pode sentir-se constrangido, estranho, temeroso em colocarse<br />
aberta<strong>mente</strong> no tratamento, os bailarinos de <strong>Pina</strong> sentiam-se, muitas<br />
vezes, tensos e incomo<strong>da</strong>dos pelo processo de criação <strong>da</strong> coreógrafa.<br />
Julgo interessante colocar alguns relatos de bailarinos <strong>da</strong> companhia<br />
de <strong>Pina</strong> <strong>Bausch</strong>, sobre a dificul<strong>da</strong>de de trabalhar com a coreógrafa nos<br />
primeiros momentos. Dominique Mercy coloca que:<br />
Às vezes, não respondemos porque a pergunta nos toca<br />
demasiado, perturba-nos, emociona-nos. Mas sabemos<br />
que há sempre uma maneira de ir mais além, mais longe,<br />
sabemos que temos que lutar contra esse pudor. Tenho a<br />
certeza de que, se <strong>Pina</strong> nos faz a mesma pergunta mais<br />
do que uma vez, em períodos diferentes, é porque intui<br />
tudo isso: sabe que nas nossas respostas há sempre<br />
uma possibili<strong>da</strong>de de ir mais fundo, de obter algo que